Avanços e retrocessos

Grupo móvel de combate ao trabalho escravo completa 25 anos sob a mira do próprio governo

Desde 1995, quase 55 mil trabalhadores foram resgatados. Setores conservadores ainda tentam “flexibilizar” legislação

Sérgio Carvalho/Sinait
Sérgio Carvalho/Sinait
Ações de fiscalização já percorreram mais de 5 mil estabelecimentos pelo país

São Paulo – Criados em 1995 por duas portarias (549 e 550), os grupos móveis de fiscalização do trabalho escravo tornaram-se uma política de Estado, independentemente do governo ou do partido de plantão, mas se encontram no foco do atual gestor do Executivo. Nestes 25 anos, completados na última sexta-feira (15), data da primeira operação, os grupos tornaram-se referência internacional e libertaram quase 55 mil trabalhadores, mas também entraram na mira de proprietários e seus apoiadores.

Nestas duas décadas e meia, 54.687 trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão, segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho. Mais de 5.300 estabelecimentos foram fiscalizados, e perto de 48 mil trabalhadores foram formalizados. As verbas rescisórias somam R$ 107,8 milhões.

Ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel, nome oficial da iniciativa, somou-se, em 2003, o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e iniciativas como a chamada “lista suja”, de empregadores flagrados com práticas de trabalho análogo à escravidão. Ao mesmo tempo em que o combate avança, algumas iniciativas visam a enfraquecer a atuação dos grupos móveis.

Afrouxamento e ameaças

O Sinait, sindicato nacional dos auditores-fiscais, cita “as tentativas de afrouxar o conceito de trabalho escravo” previsto no artigo 149 do Código Penal. “Temos casos de várias ameaças a auditores-fiscais do Trabalho, anônimas ou declaradas”, afirma o presidente da entidade, Carlos Silva. A própria “lista suja” teve sua divulgação proibida durante três anos, por decisão legal. E o número de equipes de resgate diminuiu de nove para quatro.

A chamada chacina de Unaí, em 28 de janeiro de 2004, em Minas Gerais, é um exemplo extremo dos riscos da fiscalização. Naquele dia, três auditores e um motorista foram mortos a tiros. Depois de anos, a Justiça condenou primeiro os executores. Posteriormente, mandantes e intermediários foram condenados, mas em um caso o julgamento foi anulado. E os demais recorrem em liberdade.

Arte RBA

A entidade também aponta “déficit” de pessoal para o combate ao trabalho escravo e outros itens da fiscalização. De acordo com o Sinait, a carreira de auditor-fiscal do trabalho tem 3.644 cargos criados por lei, mas atualmente há apenas 2.100 na ativa. Em média, todos os anos se aposentam 130 funcionários. “As vagas existem, mas o governo não realiza concurso”, diz o sindicato, citando estudo de 2012 do Instituto de Pesquisa Econômica Apolicada (Ipea), que aponta para a necessidade de 8 mil auditores-fiscais para dar conta da demanda.

Flexibilização agrava precarização

“A necessidade de ampliar o quadro aumenta à medida que a legislação trabalhista e de segurança e saúde do trabalho são flexibilizadas”, observa a vice do Sinait, Rosa Jorge. “Desde a reforma trabalhista, em 2017, aumentou o número de mudanças legislativas que têm levado a uma maior precarização e vulnerabilidade dos trabalhadores e, consequentemente, ao surgimento de mais casos de trabalho degradante.”

A desregulamentação é o “pior cenário” para o mundo do trabalho, acrescenta Carlos Silva. “Reformas não ocorrem por acaso. Há toda uma intenção muito bem calculada para desregulamentar e deixar as relações de trabalho mais frágeis e fora do alcance da fiscalização. Estamos vendo um enorme retrocesso que, em tempos de crise como esse que estamos passando, revela-se ainda mais cruel. Quando o mercado não tem compromisso com nada e ninguém, é o Estado que fica sobrecarregado. É o que está ocorrendo agora.”

Com informações do Sinait



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