Descaso

Afastados e terceirizados, técnicos de enfermagem sofrem com perda salarial no Rio de Janeiro

Redução de direitos é reflexo da política de cortes implementada pela prefeitura e do abandono por parte de algumas organizações sociais que administravam unidades de saúde

Valter Campanato/ABr
Valter Campanato/ABr
'A RioSaúde licenciou 6% de seus técnicos de enfermagem, mas quer pagar somente os salários e não os benefícios', diz advogado da Satem

Rio de Janeiro – Neste Dia do Trabalho, os profissionais do setor de saúde que atuam em contato direto com a população estão recebendo em todo o mundo homenagens por seu trabalho heroico no combate à covid-19. A realidade para estes trabalhadores da linha de frente, no entanto, é cada vez mais dura nos países onde a curva de contágio segue ascendente, como é o caso do Brasil. No país, a categoria que atua mais próxima aos pacientes infectados pelo coronavírus – os técnicos e auxiliares de enfermagem – é também a mais atingida por óbitos e afastamentos. Para piorar sua situação, aqueles trabalhadores que são afastados dos hospitais da rede pública sofrem também com a redução salarial e a perda de direitos trabalhistas.

No esforço para resguardar os direitos da categoria, o Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Município do Rio de Janeiro (Satem-RJ) trava desde o início da pandemia uma queda de braço com a Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro S/A (RioSaúde), empresa de direito público subordinada à prefeitura e que emprega cerca de 8 mil funcionários, todos com carteira assinada. Após obter na Justiça do Trabalho liminar favorável ao afastamento imediato e remunerado dos trabalhadores incluídos nos grupos com maior risco de contágio (hipertensos, diabéticos, pessoas com problemas pulmonares e maiores de 60 anos), a luta agora é para que salários não sejam reduzidos.

“A RioSaúde licenciou 6% de seus técnicos de enfermagem, mas quer pagar somente os salários e não os benefícios. Conseguimos liminar para que se pague também o vale-alimentação e o adicional de insalubridade para esses trabalhadores, o que está acontecendo desde abril”, conta José Carlos Nunes, advogado do Satem-RJ. Ele ressalta que um técnico de enfermagem hoje entra na RioSaúde com salário de R$ 1,4 mil: “Os benefícios somados têm valor parecido com o salário. Se somarmos a insalubridade, a alimentação e o vale-transporte, o valor se aproxima muito”, diz.

A política de cortes implementada pela prefeitura e o abandono por parte de algumas organizações sociais (OS) que administravam unidades de saúde municipais provocaram este ano uma onda de demissões que fez com que o embate entre o sindicato e a RioSaúde se acirrasse antes mesmo do início do surto de covid-19 no país. A primeira ação foi iniciada ainda em dezembro, depois que, por determinação do prefeito Marcelo Crivella, a empresa pública passou a administrar as unidades até então controladas pela OS VivaRio. “A VivaRio demitiu todos os seus trabalhadores, cerca de cinco mil. O sindicato entrou com uma ação e conseguiu suspender essas demissões até que se regularizasse a transferência desses trabalhadores para a RioSaúde. Houve uma mobilização, eles receberam todos os seus pagamentos”, diz o advogado.

A empresa pública fez então um contrato de dois anos com cada trabalhador oriundo da VivaRio e concedeu direitos como salário, hora-extra e adicional noturno. Ao fim do contrato, se for mandado embora, esse trabalhador não terá o direito de receber o aviso-prévio nem os 40% sobre o FGTS. Nunes afirma que isso fez com que RioSaúde passasse a ter dois tipos de empregados: “Uma parte fez concurso, são os chamados empregados públicos, com contrato por tempo indeterminado e que não podem ser demitidos senão por justa causa. Estes estão recebendo tudo certinho. Mas, passou a existir outro tipo de empregado, que é o chamado contratado. Esses, que formam um contingente de 800 a mil pessoas, são os que estão sem vale-transporte e vale-alimentação.”

Sindicato e empresa iniciaram em janeiro um infrutífero processo de negociação. Em fevereiro, nova audiência na qual a entidade dos trabalhadores reiterou o pedido à Prefeitura sem que houvesse acordo. “Quando começou a pandemia, sabíamos que isso iria gerar um problema seríssimo porque para os trabalhadores os valores são altos, algo em torno de R$ 700 (o vale-transporte em torno de R$ 10 e o vale-alimentação em torno de R 20) que eles estavam deixando de receber e tinham que complementar do seu próprio salário”, diz o advogado.

Pandemia

Três ações do sindicato coincidiram com o início da pandemia. Em março houve uma demissão coletiva na Coordenação de Emergência Regional (CER) Leblon após a saída da OS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), sua gestora: “Entramos com uma ação para que ninguém fosse demitido até que todos fossem transferidos porque a pandemia estava chegando e o município não poderia permitir que faltassem profissionais de saúde. O juiz determinou que fosse dada continuidade ao trabalho daqueles profissionais naquele mesmo local. Eles foram demitidos da SPDM e absorvidos pela RioSaúde. O sindicato garantiu que eles fizessem a rescisão e também que não perdessem o posto de trabalho”.

Situação idêntica aconteceu no setor de saúde mental, até então gerido pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), OS especializada no atendimento psicológico e psiquiátrico que mantinha dezenas de casas alugadas para pessoas doentes, além de um cento de atendimento: “A Prefeitura promoveu a demissão coletiva de todos os técnicos de enfermagem. Nós entramos com ação, ganhamos a liminar e garantimos os postos de trabalho para cerca de 100 profissionais”, conta Nunes.

Também na área de saúde mental, o Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional (IPCEP) foi outra OS a dispensar trabalhadores posteriormente assimilados pela RioSaúde: “Ali atuavam em torno de 400 técnicos de enfermagem que ficaram sem receber o vale-transporte e o vale-alimentação. O sindicato pediu o pagamento, já que antes todos estavam recebendo”, diz o advogado.

Agentes comunitários

Ao lado do Satem-RJ, o Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do Rio, onde Nunes também atua como advogado, passou a igualmente a exigir os direitos de categoria, composta por cerca de quatro mil trabalhadores: “Entramos com a mesma ação para os agentes comunitários de saúde, pedindo o pagamento do vale-transporte e do vale-alimentação. Pedimos que, se não fosse possível fornecer o cartão, que isso fosse dado em dinheiro para o trabalhador. O juiz concedeu a liminar e a RioSaúde entrou no processo dizendo que já estava pagando os R$ 616 diretamente aos profissionais.”

Desde abril, a prefeitura passou a fornecer o vale-alimentação para técnicos de enfermagem e agentes comunitários. “Apesar de o juiz não ter concedido liminar para os técnicos, no processo a RioSaúde juntou documentos mostrando que já estava pagando a alguns poucos, reconhecendo ali o direito daqueles trabalhadores.” A lei do governo federal sobre a pandemia, diz o advogado, embasa as ações dos sindicatos: “Ela diz que quando um trabalhador for afastado de seu trabalho em decorrência de algum problema de saúde e precisar ser isolado, a empresa onde ele trabalha tem que pagar seu salário. Este é composto de ordenado, insalubridade e o vale-alimentação que ele recebe para almoçar todos os dias”.