Advogada critica

Ação da CNI contra demissão discriminatória segue ‘absoluto retrocesso’

“Quantos trabalhadores com doenças graves conseguem continuar trabalhando, não sendo aposentados por invalidez? Destes, quantos são demitidos?”

Nelson Jr./SCO/STF
Nelson Jr./SCO/STF
Ação da indústria contra norma do TST será analisada pela ministra Cármen Lúcia

São Paulo – Ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que protege contra demissão discriminatória se explica pelo “momento de absoluto retrocesso social e político” do país, avalia a advogada Lúcia Noronha. “Muito antes da edição desta súmula, em 2012, o tema era debatido nos tribunais trabalhistas, tendo sido firmado o entendimento consolidado na norma em vista dos princípios constitucionais que vedam a discriminação e asseguram dignidade a todas as pessoas”, lembra. “Em vista disto, qual a intenção da CNI de apresentar o pedido ao STF, neste momento em que os direitos sociais – inclusive e especialmente os trabalhistas – estão sendo tão duramente atacados?”

Segundo a Súmula 443 do TST, “presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”. E acrescenta que, nesse caso o trabalhador tem direito à reintegração no emprego. “A Súmula prevê uma presunção, que pode ser revertida pelo empregador, de que a dispensa de trabalhador com doença grave foi discriminatória”, observa a advogada.

Ela identifica na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 648 uma tentativa de “de utilizar este cenário favorável à derrubada de direitos para mais um enfrentamento com  os trabalhadores”. A advogada destaca que o empregador pode provar, nas três instâncias da Justiça do Trabalho, que a dispensa não foi discriminatória. Em casos específicas, tem ainda a alternativa de recorrer ao próprio STF.

Lúcia não considera “aceitável” a alegação da entidade empresarial, sobre inversão da prova – a empresa é que teria de provar que a dispensa não teve caráter discriminatória. E enumera algumas situações: “Quantos trabalhadores com doenças graves conseguem continuar trabalhando, não sendo aposentados por invalidez? Destes, quantos são demitidos? Dos demitidos, quantos ajuízam reclamações postulando a reintegração? Nestas reclamações, quantas decisões foram favoráveis aos trabalhadores? O número de decisões justificaria o acionamento do STF para requerer o cancelamento da Súmula?”. E conclui que a CNI segue razões mais políticas do que efetivamente jurídicas.

A advogada refuta ainda a queixa de suposta “estabilidade eterna” feita pela CNI. “Os empregadores atuais esqueceram que até a introdução do FGTS, esta era a regra: os trabalhadores adquiriam estabilidade depois de 10 anos de vínculo de emprego. Portanto, não configuraria nenhuma aberração jurídica a concessão de estabilidade com termo final na data da concessão da aposentadoria. No entanto, não se trata disto, e sim de impedir uma dispensa arbitrária”, argumenta.

Em sua análise, também não se caracteriza uma “limitação da gestão empresarial”, outra alegação da confederação patronal, já que se trata de evitar a discriminação a um grupo de trabalhadores. “Seria desnecessário lembrar, não fosse a ação da CNI, que os direitos à vida, à saúde e à dignidade são previstos constitucionalmente”, emenda.

“A rescisão do contrato de um trabalhador com doença grave – HIV, esclerose múltipla, câncer, por exemplo – pode corresponder à efetiva sentença de antecipação da morte, quer pela falta de renda para sobrevivência, quer pelos efeitos psicológicos, quer especialmente pela falta de convênio médico”, diz Lúcia, esperando que o STF, “aplicando as normas constitucionais vigentes”, não reconheça a ação. A relatora da ADPF 648 é a ministra Cármen Lúcia, ex-presidenta da Corte.