ONDA REGRESSIVA

Juiz rechaça discurso contra direitos ao extinguir ação em que autor foi assassinado

“Porque chegamos nesse ponto na barbárie?”, pergunta, referindo-se à execução com 12 tiros do açougueiro Maycon Douglas dos Santos Michel

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Maycon foi morto em frente ao supermercado em que foi trabalhar depois que foi empregado do Xurupita

São Paulo – A onda de ataques a direitos dos trabalhadores, orquestrada pelos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PSL), e sua possível relação com um assassinato cometido em setembro de 2018, é citada pelo juiz do Trabalho de São Leopoldo (RS) Rodrigo Trindade, em despacho que extinguiu um processo na segunda-feira (1º). “Por que chegamos nesse ponto na barbárie?”, pergunta o juiz, referindo-se à execução com 12 tiros do açougueiro Maycon Douglas dos Santos Michel, de 27 anos, em 5 de setembro, mesmo dia da citação da ação trabalhista que ele movia contra os proprietários do Mercado Xurupita, em São Leopoldo, que se recusaram a contratá-lo com carteira assinada.

Trindade responde que “talvez (a barbárie) tenha a ver com o discurso recente de haver direitos demais aos trabalhadores, que os órgãos estatais responsáveis por tratar de injustiças para quem trabalha pouco servem ao país, que podem ser diminuídos ou extintos ao soprar da selvageria ideológica de ocasião”. No despacho, o juiz decide pela extinção do processo, porque não encontrou sucessores do trabalhador assassinado para dar continuidade à ação. “Ninguém se apresentou para seguir o processo, que ao que tudo indica, levou ao assassinato desse jovem trabalhador.”

Em março,  o site Gaúcha ZH noticiou o indiciamento da família dona do mercado pelo crime do açougueiro: o casal Delvio Pinheiro Medeiros, 63 anos, e Dede Noal Medeiros, 55 anos, e o filho Cristian Fernando Medeiros, 31 anos. A família teria pago R$ 2 mil para encomendar a morte do jovem.

“Pode ser que a violência privada esteja em um crescente em todos os ambientes nacionais, que se deve resolver na bala problemas pessoais, que a brutalidade ignorante ocupou lugares e mentes onde jamais deveria passar perto”, afirma o juiz. “Ou pouco mudou entre este último século e temos apenas mais um folhear de página na velha cultura de sonegação dos direitos sociais. A renovação do ‘coloque-se no seu lugar’; a persistência da noção de que pobres simplesmente não afrontam ricos”, diz ainda.

Quase em tom de desabafo, o magtstrado mostra indignação com a associação do crime ao discurso contra os trabalhadores. E pede justiça: “Há pouco ainda a se fazer nesse processo, mas é necessário o registro pessoal da profunda consternação com a tragédia, da esperança que culpados serão encontrados, julgados e condenados conforme a lei. Mas, principalmente, a renovação do comprometimento de que a Justiça, especialmente a do Trabalho, seguirá inabalavelmente voltada a reprovar os injustos praticados com os Maycons dessa comunidade”.

 

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