Preocupação

Sem ‘cabeça’, metalúrgico da Ford cancela carnaval e planos

Trabalhador espera por resultado de reunião com a direção mundial e torce para que fábrica do ABC continue funcionando

Adonis Guerra/SMABC

Plenária dos trabalhadores na Ford em São Bernardo: apreensão com fechamento e esperança de reviravolta

São Bernardo do Campo (SP) – Funcionário da Ford desde novembro de 1993, Paulo Ferreira Brasil iria passar este feriado de carnaval em Socorro, no interior paulista. “Eu ia para a chácara de um amigo”, conta o trabalhador, nascido em Santo André, na região do ABC, mas com a “barriga” vinda de Salvador. O anúncio da Ford de que pretende fechar a fábrica de São Bernardo do Campo até o final do ano mudou seus planos. E de muitas outras pessoas.

Durante plenária realizada na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC na última quinta-feira (28), um dirigente da entidade perguntou às centenas de trabalhadores presentes quantos iriam viajar no feriado. Menos de 10 levantaram a mão. “O cara não tem cabeça para viajar. Ele vai gastar, não sabe o amanhã”, diz Paulo Brasil, como é conhecido.

Desde que a Ford fez o anúncio, os metalúrgicos têm se mobilizado para tentar reverter a decisão. Na próxima quinta-feira (7), o presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão, será recebido pela direção da empresa nos Estados Unidos. Ele viaja ao lado do ex-presidente da entidade Rafael Marques, hoje à frente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID), e do coordenador-geral de representação dos trabalhadores, José Quixabeira de Anchieta, o Paraíba. No mesmo dia, às 9h, haverá um ato ecumênico no sindicato, seguido de passeata. E no dia 12, nova assembleia. Representantes dos metalúrgicos já foram recebidos pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, pelo governador João Doria e pelo prefeito Orlando Morando.

“Acho que o pessoal não consegue aliviar a cabeça”, diz Paraíba, sobre o feriado de carnaval. Os metalúrgicos contam que, agora, é momento de controlar gastos e esperar uma reviravolta de cenário. “Muitos já me disseram que pensam em tirar o filho da escola”, exemplifica Paulo Brasil, que trabalha na área de montagem e é originário da fábrica da Ford no Ipiranga, desativada 20 anos atrás – a produção de caminhões foi transferida justamente para o ABC.

Boicote e reunião nos EUA

De acordo com o Paraíba, a fábrica de São Bernardo tem atualmente 1.650 trabalhadores na produção, 750 mensalistas, 230 executivos e 200 funcionários afastados, além de 1.500 terceirizados, em um total aproximado de 4.330 pessoas.  A unidade, que hoje produz o modelo Fiesta, além de caminhões, chegou a ter 10 mil empregados diretos.

Nas duas últimas semanas, não houve produção. Depois que Ford anunciou o fechamento, no dia 19 de fevereiro, os trabalhadores foram para casa e só voltaram uma semana depois, quando realizaram assembleia e passeata por São Bernardo. No dia seguinte, realizaram atividades internas na fábrica, e quinta foi a vez da plenária. A unidade tem operado só três dias por semana.

A Ford tem ainda uma fábrica de motores em Taubaté (SP) e de veículos (Ka e EcoSport) em Camaçari (BA), beneficiada pela prorrogação de um programa de incentivos tributários na região Nordeste, o que provocou críticas dos sindicalistas, para quem a empresa esperou a definição do regime automotivo, no final de 2018, para então decidir pelo fechamento em São Bernardo, ignorando um acordo firmado em 2017 que previa conversas sobre investimentos e novos produtos no ABC.

Brasil critica o Congresso por aprovar o programa com o incentivo, que em sua avaliação não traz contrapartida para a empresa. Tanto é, acrescenta, que a Ford está reduzindo a produção também em Camaçari. “Ela retém o dinheiro dos impostos para fazer sangria. Cadê o compromisso social, tanto do Congresso Nacional quanto da Ford?”, afirma, ao mesmo tempo em que começava a organizar com um grupo de colegas de fábrica uma panfletagem na estação de Santo André. Os metalúrgicos defendem boicote à marca Ford pelo menos até a próxima quinta-feira, dia da reunião nos Estados Unidos.

O metalúrgico voltou a ser chamado pelo amigo para ir à chácara no carnaval, mas desistiu, fazendo um trocadilho com o nome da cidade que visitaria. “Estou pedindo socorro pelo meu emprego”, afirma. Com 61 anos, duas filhas e três netos, ele conta que sua aposentadoria já saiu, “mas não posso abandonar meus companheiros”.

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