Investigação

Prática de trabalho escravo em igreja no DF pode atingir até 300 pessoas

De acordo com investigação, em nome da 'salvação', vítimas estariam trabalhando sem receber nada

Auditores-fiscais do Trabalho

Investigação, que envolve vários órgãos públicos, identificou alojamentos precários e ambiente insalubre

São Paulo – Uma operação conjunta de órgãos públicos apura a prática de trabalho análogo ao escravo na sede de uma igreja adventista no Gama, região administrativa de Brasília. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o total de vítimas pode chegar de 200 a 300 pessoas.

“As apurações revelaram que a líder da seita e alguns de seus obreiros, sob a justificativa de garantir a entrada dos fiéis no reino dos céus e a salvação de suas almas, vêm obrigando as vítimas a trabalharem sem receber qualquer pagamento. Os relatos dão conta de que os fiéis trabalham vendendo pães e livros na cidade”, diz o MPF. A pedido do Ministério Público, um juiz federal expediu mandados de busca e apreensão para agentes policiais.

Segundo o relato, auditores-fiscais do Trabalho encontraram, “pelo menos, 95 trabalhadores em condições degradante de trabalho e vida”. Os alojamentos foram interditados. 

Nesse contexto, os auditores verificaram a precariedade do local que comportava os dormitórios comunitários. Alguns moradores dormiam em ônibus, ou caminhões mal adaptados, sujos e que expunham os indivíduos a questões básicas de segurança. Um dos alojamentos, por exemplo, ficava ao lado do espaço em que eram armazenados produtos agrotóxicos. Nesse local, a separação dos ambientes se dava por meio de uma parede improvisada de papelão, permitindo com que o cheiro dos pesticidas invadisse os dormitórios”, relata o Ministério Público.  

Além disso, segundo a investigação, fiéis precisavam pagar R$ 10 diariamente para ter direito a morar na comunidade. “As roupas utilizadas pelos moradores também precisavam ser compradas lá dentro, assim como a comida consumida por todos. Nesse sentido, foram encontradas inúmeras planilhas que registravam os gastos e os débitos de cada pessoa com a igreja.”

O ambiente de trabalho era insalubre, afirma ainda o MPF. “Segundo os auditores, a área de confecção e costura tinha mobiliários inadequados, com cadeiras quebradas, sem encosto e iluminação precária. Por outro lado, o local onde eram produzidos os pães vendidos pelos fiéis precisou ser interditado. A medida foi aplicada porque verificaram-se irregularidades nas instalações elétricas do espaço e nos equipamentos utilizados pelos trabalhadores, expondo a riscos de incêndio no espaço. Vale destacar a apuração de que eram produzidos 700 pães por dia, com a finalidade de vendê-los – na cidade ou internamente – e auferir verba para a comunidade religiosa.”

A ação envolveu, além de auditores-fiscais do Trabalho e o MPF, Ministério Público do Trabalho, Polícia Civil do Distrito Federal, conselho tutelar do Gama e a Subsecretaria de políticas para crianças e adolescentes da Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal. A operação foi realizada na sede da Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia. A líder da seita e alguns dos obreiros “vêm, reiteradamente, cometendo atos em relação aos seus fiéis que podem se enquadrar na prática de trabalho escravo”.

Em nota, o MPF ressalta “que a operação não teve o objetivo de interferir na crença de qualquer cidadão”. “No entanto, cabe ao Estado agir positivamente para que os trabalhadores tenham seus direitos fundamentais assegurados; assim como determina a legislação brasileira. O cerne das investigações está na garantia dos direitos sociais dos trabalhadores ali instalado.”