Fábrica no ABC

Se for chantagem da Ford, não vai funcionar, diz metalúrgico

Trabalhadores da montadora interrompem atividades até terça da semana que vem, quando farão assembleia. Decisão pode atingir até 27 mil pessoas, calculam sindicalistas

SMABC

Wagner Santana: ‘Há limites para condições às quais temos de nos submeter. Vamos insistir na reversão dessa decisão’

São Bernardo do Campo (SP) – Em 13 de outubro, Simão Barbosa de Matos Neto, o Soró, completará 30 anos como funcionário da Ford de São Bernardo do Campo, que anunciou encerramento das atividades provavelmente no mês seguinte. “A esperança nossa era positiva”, comentou Soró sobre a expectativa da reunião ocorrida na tarde desta terça-feira (19) entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Comitê Sindical de Empresa (CSE) e a direção da montadora. O presidente da Ford para a América do Sul, Lyle Watters, estava presente.

Na reunião, a companhia norte-americana comunicou que vai fechar a unidade de São Bernardo, onde trabalham aproximadamente 4.500 pessoas, sendo 2.700 funcionários diretos. Metalúrgicos calculam que a decisão pode atingir até 27 mil empregados na cadeia produtiva.

O anúncio acontece exatamente 100 anos depois que a diretoria da Ford Motor Company, nos Estados Unidos, aprovou a criação de uma filial brasileira. Foi a primeira fabricante de automóveis instalada no país. Em 1967, a montadora produziu seu primeiro veículo brasileiro, o Galaxie. Naquele mesmo ano, a Ford assumiu o controle da Willys-Overland e passou a operar na unidade do bairro do Taboão, em São Bernardo, que produz o modelo Fiesta, além de caminhões. A empresa também tem unidades em Camaçari (BA), onde é fabricado o Ka, e em Taubaté (SP), que produz motores.

Com a notícia do fechamento, os trabalhadores na Ford decidiram não voltar à fábrica amanhã (20), nem quinta-feira. Eles têm operado em semana reduzida, justamente de terça a quinta, sendo dois dias dedicados à produção de caminhões – antes feitos no bairro do Ipiranga, em São Paulo – e um para automóveis.

Os mesmos funcionários trabalham nas duas linhas de montagem, um fato inédito na indústria brasileira. Foi marcada assembleia para terça da semana que vem (26), na entrada do turno, por volta de 7h.

O presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão, conta que a reunião de hoje não foi propriamente uma negociação, mas um comunicado. “Não houve nem um processo de conversa. Foi lacônico”, descreveu. Segundo ele, a direção da Ford informou que dali a 40 minutos comunicaria a imprensa sobre sua decisão, surpreendendo os representantes dos trabalhadores. 

Temos um acordo que completa dois anos em novembro. Era para que, nesse período, a gente tivesse a oportunidade de discutir produtos e investimentos nessa planta”, lembrou Wagnão, acrescentando que em nenhum momento a empresa demonstrou interesse em discutir efetivamente esse processo. “Se havia essa expectativa, ela foi se esvaindo.”

Para alguns trabalhadores, a montadora pode estar tentando “chantagear” os metalúrgicos, anunciando o fechamento para conseguir uma maior flexibilização de direitos. Vários lembraram do ocorrido recentemente na General Motors em São José dos Campos, interior paulista, onde um acordo foi aprovado em troca de garantia de investimentos naquela fábrica.

“Se for vantagem, não vai funcionar”, diz Wagnão. “Também há limites para as condições às quais temos de nos submeter no trabalho. Estamos abertos à negociação. Vamos insistir na reversão dessa decisão”, afirma o dirigente, que se reunirá nesta quarta com os integrantes do CSE da Ford. Ele também pretende conversar com representantes dos governos. “Vamos buscar todas as instâncias. Não temos preconceito. Para nós, os trabalhadores estão acima dos interesses políticos.”

Há duas semanas, ele, ao lado do presidente e do secretário-geral da CUT, Vagner Freitas e Sérgio Nobre, se reuniram com o vice-presidente, Hamilton Mourão, a quem entregaram um documento manifestando preocupação com o setor industrial.

Citando cálculos da própria Anfavea, a associação nacional dos fabricantes, Wagnão lembra que a decisão pode atingir até 27 mil pessoas, considerando, além da Ford, toda a cadeia produtiva. 

Funcionário do setor de Montagem Final, Soró lembra que a fábrica de São Bernardo tinha 12 mil empregados quando ele foi contratado, no final de 1989. A unidade passou por diversos processos de reestruturação e cortes, alguns parcialmente revertidos, como no final de 1998, quando às vésperas do Natal a empresa comunicou 2.800 demissões. Segundo ele, mesmo com a notícia inesperada e desanimadora desta tarde, os trabalhadores não perderam a esperança. 

 

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