Preocupação e esperança

‘O clima está horrível’, diz metalúrgico. ‘Minha família precisa deste emprego’

Trabalhadores levam famílias à manifestação e contam ter esperança de que a Ford desista de fechar a fábrica de São Bernardo. Sindicato alerta para impacto social e econômico

Roberto Parizotti/CUT e Adonis Guerra/SMABC

Fechamento afeta economia de hoje e de amanhã. ‘De repente, parou tudo’, diz Rodrigo (à dir) ao lado do filho de 9 anos

São Bernardo do Campo (SP) – Passava do meio-dia, a chuva era substituída pelo mormaço, e os trabalhadores da Ford começavam a deixar o Paço Municipal de São Bernardo, depois de uma atividade que começou cedo, com assembleia na fábrica, no bairro do Taboão, e terminou com passeata até o centro da cidade. Muitos levaram suas famílias e manifestaram esperança de que a montadora desista de fechar a unidade do ABC.

“Vamos rezar para que saia um acordo”, disse David Oliveira do Amaral, 35 anos, há 11 na Ford, onde trabalha no setor de Qualidade. Ele se referia à reunião marcada para 7 de março, nos Estados Unidos, entre a direção mundial da empresa e representantes dos metalúrgicos. O trabalhador foi com a mulher, Fabiana, e a filha Maria Eduarda, de 6 anos, que vestia uma camiseta com os dizeres “família do desemprego” nas costas.

Durante toda a manifestação, metalúrgicos levaram placas e cartazes em defesa dos postos de trabalho. Assessores e militantes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC entregavam à população folhetos mostrando o impacto social e econômico de um eventual fechamento da fábrica, lembrando que a Ford tem 4.500 funcionários diretos e indiretos, sem contar mais 24 mil trabalhadores que fazem parte da cadeia produtiva. “Isso trará consequências diretas ao comércio, serviços e lazer”, afirmam.

Roberto Parizotti/CUT
Orientação do sindicato é para que amanhã todos entrem nos seus horários habituais, mas não deverá haver produção

O texto trazia diversas estimativas considerando o fim das atividades da Ford em São Bernardo – as operações começaram no local em 1967. Em compras nos mercados, por exemplo, seria menos R$ 4,9 milhões no consumo, além de aproximadamente R$ 4,4 milhões em comércio, serviços e lazer, R$ 1,8 milhão em restaurantes, R$ 900 mil em bares e R$ 720 mil em postos de combustível, sempre considerando o número de 4.500 trabalhadores.

“Minha família depende desse emprego”, disse, sob chuva, Rodrigo Soares de Oliveira, 38 anos, há cinco na Ford, no setor de Logística. Ele levou um dos filhos, de 9 anos – tem outro de 1 ano e três meses. A súbita notícia do fechamento foi um choque, conta: “Nós tava tudo trabalhando. De repente, parou tudo.”

Mas Rodrigo também afirmou acreditar que a empresa reconsidere sua decisão. “Eu tenho fé. É difícil arrumar um emprego.” Sua mulher, que trabalha no comércio, acaba de ser demitida e está cumprindo aviso prévio.

“Com fé em Deus, vamos reverter”, reforçava, na passeata, Luiz Aviz Costa, colega de Rodrigo, com 28 anos de empresa – antes de ser metalúrgico, trabalhava em lanchonete. “Passei por todos os movimentos. A Ford não aprende”, afirmou Luiz, lembrando que não se trata apenas dos trabalhadores da montadora, mas de milhares na cadeia produtiva e sua família. Nessa conta, o presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão, calcula que o número de pessoas atingidas pode superar 100 mil, entre trabalhadores e seus familiares.

David ressaltou que os trabalhadores não estão em greve, como se chegou a noticiar. “O clima está horrível. A gente não está em condições psicológicas de trabalhar. A gente pensa nos filhos, nas dívidas, nas despesas, no convênio médico.”

O próprio presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT), Paulo Cayres, funcionário da Ford, confessou sua tristeza. “Este é um dos piores momentos da minha vida. A nossa luta aqui será longa.”

Amanhã, a orientação do sindicato é para que todos entrem nos seus horários habituais. Mas não deverá haver produção. Os metalúrgicos devem realizar atividades internas na fábrica.

 

 

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