Intercâmbio

Mundo do trabalho busca respostas à onda de falsas esperanças criada pelo fascismo

Trabalhadores do Brasil e Itália avaliam em seminário sobre o futuro do sindicalismo as estratégias que estão faltando ao campo progressista para se contrapor à disputa pela opinião pública

Reprodução/CUT-SP

Esquerda deve resgatar valores como esperança, solidariedade e cooperação

São Paulo – Assim como no Brasil, a população italiana também vem sofrendo com reformas neoliberais, que reduzem a ação do Estado, atacam direitos dos trabalhadores e destroem o tecido social, instaurando uma disputa individualista, embalada na ideologia da meritocracia. Como aqui, lá também impera a descrença na política, que abriu brechas para a ascensão de forças políticas de extrema-direita

O ministro do interior da Itália, Matteo Salvini, imputa todos os males do país às ondas de imigrantes que chegam para disputar oportunidades e recursos com os italianos. Aqui, o presidente, Jair Bolsonaro (PSL), se lança no combate ao “marxismo cultural”, utilizando a esquerda como bode expiatório para as mazelas do país, e, alinhado ao governo norte-americano, se aventura na tentativa de derrubar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, arriscando causar uma guerra no continente. 

Para lutar contra essas forças que se dizem “antissistema”, mas na verdade resgatam o mesmo discurso radical das forças fascistas que ascenderam na Europa no período entreguerras, a esquerda deve resgatar valores como a esperança e a solidariedade, tanto entre os povos como entre os trabalhadores, e apontar alternativas ao discurso neoliberal de destruição do Estado. Esses foram os temas abordados no primeiro painel do seminário internacional promovido pela CUT-SP, nesta terça-feira (26), que contou com a presença de representantes sindicais italianos para discutir o futuro dos trabalhadores nos dois países.

Esperança

A professora de Relações Internacionais da Unifesp Esther Solano, que pesquisa a ascensão da extrema-direita no Brasil, diz que “esperança” é a palavra que mais aparece quando realiza entrevistas com eleitores de Bolsonaro. Segundo ela, não só aqui mas em todo o mundo, os movimentos de cunho fascista conseguem se apresentar como representantes da “mudança”. 

Frente à insegurança e ao medo social causados pelas novas formas de exploração capitalista, que ela chama de “uberização“, marcada pelo frágeis vínculos trabalhistas e pela ideologia do empreendedorismo, a extrema-direita responde de maneira “direta, fácil e simples”, invocando “bodes expiatórios” dos inimigos internos ou externos. 

Para ela, a esquerda não está sabendo apresentar respostas, não apenas materiais, mas principalmente em termos de símbolos e valores. Enquanto a direita utiliza o medo e o ódio como “moedas eleitorais”, a esquerda deve oferecer respostas que pregam a solidariedade e a cooperação. Mas é preciso também ter respostas concretas para se contrapor às propostas de reformas neoliberais, no trabalho e na Previdência, por exemplo. 

O secretário da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL, em italiano) Giacomo Licata concordou com a abordagem. Segundo ele, também na Itália, os eleitores estão votando na extrema-direita em busca de “esperança”. Mas essas mesmas forças também agem “à procura de um inimigo”. “Essas forças antissistema utilizam linguagem simples, mas não estão inventando nada. São as mesmas que conhecemos na década de 1930. 

Segundo ele, o discurso da esquerda tem que mostrar que a verdadeira “esperança” não passa por tornar a vida dos outros mais difícil, como fazem as forças de extrema-direita com os imigrantes. A esquerda precisa defender um modelo de economia que “não deixa ninguém para trás”, para que as pessoas percebam que há outro caminho possível a esse tipo de perseguição a grupos vulneráveis. 

Rafaello Corriero, representante sindical do setor financeiro italiano, também diz que a esquerda europeia se “distraiu” a partir da década de 1990, quando passou a acreditar que as regras ditadas pela União Europeia eram “inquestionáveis” e deveriam ser obedecidas, mesmo quando atacava os direitos trabalhistas e previdenciários da maioria dos trabalhadores. Esse tipo de alinhamento com as propostas neoliberais ditadas pela globalização causaram “desilusão” em parte do eleitorado que apoiava os partidos de esquerda até então. 

Venezuela

O ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim, que também participou do painel, afirmou a ameaça de intervenção estrangeira na Venezuela é o problema maior do momento, pois representa um retrocesso inimaginável, já que nunca houve, na história recente, ameaça de ação direta de uma força estrangeira em países da América do Sul. Ele pediu apoio dos trabalhadores europeus contra esse tipo de agressão.

Amorim também afirmou que o governo Bolsonaro tem jogado fora trabalho realizado por diversos governos nas últimas décadas que garantiram uma atuação mais autônoma do Brasil no cenário internacional, ao se alinhar agora aos interesses dos Estados Unidos contra a Venezuela. Ele destacou que qualquer solução para a crise no país vizinho tem que ser “interna”, e que outros países podem ajudar apenas fortalecendo o diálogo. 

Ele também disse que os brasileiros vivem hoje num Estado que guarda as “formalidades” da democracia, mas conserva muito pouco do seu conteúdo, e se manifestou pela liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não é possível conceber uma democracia plena com o principal líder popular preso injustamente.” 

O secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT, Ariovaldo de Camargo, também criticou a ação do governo brasileiro na Venezuela e também afirmou que o embargo imposto ao país pelos norte-americanos apenas agrava as condições econômicas e sociais, não contribuindo para a superação das dificuldades internas. 

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