Resistência

Metalúrgicos vão aos EUA conversar com Ford, e criticam ‘mau-caratismo’

Reunião com direção mundial foi marcada para 7 de março. Ato sob chuva reúne milhares no ABC. Trabalhadores acreditam que podem fazer a empresa desistir de fechar fábrica

Roberto Parizotti/CUT

Wagner Santana, do Sindicato dos Metalúrgicos: risco de desesperança para mais de 100 mil pessoas

São Bernardo do Campo (SP) – Na quinta-feira da semana que vem, dia 7 de março, às 15h locais, três representantes dos metalúrgicos do ABC se encontrarão com a direção mundial da Ford nos Estados Unidos para tentar reverter a decisão de fechar a fábrica de São Bernardo. Hoje (26), durante assembleia e passeata de mais de oito quilômetros pela cidade, eles criticaram a empresa por supostamente ter aguardado a aprovação do novo regime automotivo, que favoreceu outra unidade, para então comunicar a desativação da fábrica do ABC, de forma lacônica. Quase no final do ato, já no início da tarde, o ex-presidente do sindicato da categoria Rafael Marques disse que foi um caso de “mau-caratismo empresarial”. Os metalúrgicos propuseram boicote aos veículos da marca.

Os funcionários da Ford receberam nesta terça-feira apoio de outras categorias e movimentos sociais na manifestação que começou com a assembleia desde as 6h da manhã na fábrica de São Bernardo do Campo. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão, alertou para a tragédia que essas demissões podem significar. “É a possibilidade de desesperança para mais de 100 mil pessoas”, disse, referindo-se ao impacto em toda uma cadeia produtiva se uma possível desativação da planta no ABC se concretizar, conforme foi anunciado na semana passada pela empresa. Na conta, ele considera trabalhadores e suas famílias.

Para Wagnão, a Ford aguardou a aprovação do novo regime automotivo para então tomar sua decisão. O programa Rota 2030 manteve incentivos para fábricas na região Nordeste, o que beneficiou a fábrica da Ford em Camaçari (BA). “Os incentivos renovados determinaram o fechamento aqui”, afirmando, defendendo que ninguém compre veículos da marca pelo menos até a reunião do dia 7.

“Nunca nos opusemos a Camaçari, é parceira. Mas a Ford não pode dar um golpe no Brasil, no estado brasileiro, no Congresso e nos trabalhadores”, reagiu Rafael, que viajará para os Estados Unidos na semana que vem juntamente com Wagnão e o coordenador da representação dos trabalhadores na fábrica de São Bernardo, José Quixabeira de Anchieta, o Paraíba, há quase três décadas na empresa.

Ainda durante a assembleia, na portaria 5 da fábrica, Paraíba criticou o presidente da companhia para a América do Sul, Lyle Watters, acusando o executivo de mentir para os trabalhadores – ao dizer, tempos atrás, que não fecharia o setor de tratores – e para o próprio governo estadual, afirmando que poderia manter 1.200 postos de trabalho do setor administrativo. “Ele está enganando vocês”, afirmou, informando que o número de trabalhadores naquela área é de aproximadamente 750.

O representante dos trabalhadores lamentou ainda a postura da Ford, que na terça-feira passada apenas comunicou o fechamento da fábrica, que produz tratores e automóveis. “Nós fizemos a nossa parte. Esse camarada (Watters) que não conseguiu recuperar e decidiu fechar a fábrica é que deveria ser demitido.”

Sob chuva forte, a assembleia começou às 7h30, embora a concentração tenha se iniciado uma hora antes. Além dos sindicalistas, como o presidente estadual da CUT, Douglas Izzo, falaram lideranças políticas como o ex-prefeito de São Bernardo Luiz Marinho, presidente estadual do PT, e os deputados Vicente Paulo da Silva (federal) e Teonílio Monteiro da Costa, o Barba (estadual). Todos ex-metalúrgicos. 

Muitos lembraram do movimento realizado entre o final de 1998 e o início de 1999, período em que a Ford anunciou a demissão de 2.800 trabalhadores, comunicada por telegrama. Na época, Marinho era presidente do sindicato e também viajou aos Estados Unidos. Personagem importante em 1998, Barba afirma que a empresa “precisa ter juízo e responsabilidade social”, enquanto Vicentinho, ex-presidente da CUT, disse que “quem morre calado é sapo debaixo de pé de boi”.

Os metalúrgicos apostam que será possível novamente fazer a empresa rever a sua posição. Eles saíram da fábrica às 9h e seguiram em passeata, por 8,5 quilômetros, até o Paço Municipal, onde chegaram pouco antes do meio-dia. O ato foi reforçado por sindicalistas de outras bases, inclusive da Força Sindical e da CSP-Conlutas, além de delegados que participam de congresso da FEM-CUT, a federação estadual metalúrgica, e a dirigente Elena Lattuada, da CGIL, central sindical italiana. 

Candidato ao Palácio dos Bandeirantes em 2018, Marinho aproveitou para criticar o governador João Doria (PSDB), que recebeu a empresa na semana, excluindo os trabalhadores, dizendo-se disposto a conseguir um comprador par a área da Ford. O petista chamou o tucano de “corretor imobiliário”.  “Se quer ajudar, pressione a Ford para resolver o problema”, afirmou. Amanhã, às 10h, uma comissão será recebida pelo prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), que nesta terça esteve no Ministério do Planejamento.

O líder dos sem-teto Guilherme Boulos, ex-candidato à Presidência da República pelo Psol, também falou no carro de som e se solidarizou com os trabalhadores, lembrando que eles lotaram um caminhão com cestas básicas para uma ocupação no mesmo município, durante o ano passado. Para Boulos, se a Ford mantiver sua decisão, o governo federal deveria ter uma “posição clara” proibindo a importação de carros da marca. Essa iniciativa também foi manifestada em rede social pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Roberto Parizotti/CUTAto na Ford
Campanha pregará boicote a produtos da Ford até que empresa reveja decisão de fechar fábrica

Depois da assembleia, milhares de manifestantes – entre funcionários da montadora e metalúrgicos de outras bases – realizaram uma caminhada que foi da entrada da fábrica até o centro da cidade.

Roberto Parizotti/CUTAto na Ford
Manifestantes enfrentam a chuva e a direção da Ford

Cerca de oito quilômetros – passando pelas avenidas do Taboão e Senador Vergueiro, que liga o bairro de Rudge Ramos ao Paço Municipal – foram percorridos sob chuva intensa. Durante o trajeto, populares e comerciantes expressavam gestos de solidariedade.

Roberto Parizotti/CUTBoulos na Ford
Guilherme Boulos, do MTST, foi um dos integrantes de movimentos sociais solidários aos metalúrgicos

Isabel Cristina de Souza e Facebook SMABCAto da Ford
Passeata percorre Avenida Senador Vergueiro, em Rudge Ramos. Bancários do ABC participam do apoio

Os trabalhadores lançaram campanha para que os consumidores boicotem os produtos da montadora, que anuncia o fechamento da fábrica de São Bernardo depois de ter se beneficiado de subsídios para expansão em outras regiões. Frases como #NãoCompreUmFord e “Não desisto do meu emprego” ilustraram a passeata.  

Roberto Parizotti/CUTAto da Ford
Fechamento da fábrica afetaria empregos de hoje e de amanhã

 

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