Um ano de reforma

Menor acesso do trabalhador à Justiça é destaque em evento empresarial

Sem comemoração ou arrependimento, empresários e profissionais do direito apontam supostos benefícios e inúmeros complicadores trazidos pelas mudanças na legislação trabalhista

Mário Miranda/Amcham

Magistrados apontaram modificações e problemas de redação que criaram ainda mais insegurança jurídica

São Paulo – Às vésperas de completar um ano em vigor, a chamada reforma na legislação trabalhistanão trouxe os efeitos esperados na criação de empregos. E por enquanto, criou mais insegurança jurídica, ao contrário do que ansiava a maioria do empresariado. Em seminário promovido pela Câmara Americana do Comércio no Brasil (Amcham) nesta sexta-feira (9), em São Paulo, a queda no número de ações trabalhistas foi a principal mudança ressaltada. Ainda assim, com diferentes olhares sobre a questão. 

Expositores mais ligados ao mercado ressaltaram a “redução no contencioso” e  “incentivo à advogacia mais responsável” para se referirem à queda de 36,5% no total de ações na Justiça do Trabalho desde novembro passado. O fenômeno se deveu essencialmente ao expediente da sucumbência recíproca, estabelecida pela retirada de direitos trabalhistas. Com ela, o trabalhador deve arcar com 5% a 15% do valor da ação, em caso de derrota.

O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra-2), Farley Ferreira, observou que os trabalhadores “têm medo” de entrar com processo e, ao final, ter de arcar com os custos. Segundo ele, antes da dita “reforma”, as ações trabalhistas funcionavam como uma espécie de “auditoria” no contrato de trabalho após a demissão.

Contudo, ele também afirmou que a Justiça do Trabalho “não faz justiça redistributiva”, refutando a reclamação geral de que esses tribunais tenderiam a favorecer os trabalhadores. Ele também destacou que a Justiça do Trabalho tem a essencial função de impedir a concorrência desleal entre as empresas, para que aquelas que seguem as regras não sejam prejudicadas por outras que desrespeitam a legislação e, por isso, conseguem fazer o produto chegar ao mercado como um preço inferior, prática conhecida como “dumping social”. 

A mesma ideia foi rebatida também por vice-presidente judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), Rafael Pugliese. Ele afirmou que “não existe armação dos magistrados tramando contra os interesses das empresas”. E que “não existe essa ideia de que a Justiça do Trabalho protege o trabalhador”. Segundo ele, o que havia era uma legislação destinada a proteger alguém ou alguma coisa. 

Pugliese rebateu comparações com as legislações trabalhistas de outros países. E disse que não é possível comparar o número de ações trabalhistas no Brasil e na França, por exemplo, porque todas as demais variáveis demográficas, econômicas e salariais são diferentes. A licença-maternidade, que por aqui é quase um consenso, segundo Pugliese, não existe nos Estados Unidos.

Os dois juízes também listaram inúmeros artigos da nova lei, como os que definem grupos econômicos, a contratação de trabalhadores autônomos ou a implementação de uniformes nas empresas, como “absolutamente incompreensíveis”. Ferreira chegou a mencionar dispositivos que “parecem ter sido escrito por crianças”. Pugliese foi além e disse que a reforma conseguiu trazer incertezas para o passado, presente e para o futuro. 

Para o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto, a principal reforma que deveria ter sido feita seria aquela voltada para o micro e pequeno empresário, que continua, mesmo após as modificações na legislação, sem conseguir arcar com os encargos trabalhistas, segundo ele. “Esse empresário não registra não porque é mal caráter, ou porque faz questão de fraudar, mas porque não consegue. Não há como o micro suportar os custos da formalização.”

Sobre a proposta do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de extinguir o Ministério do Trabalho, Pazzianotto classificou como “sem cabimento”. Ele lembrou que o ministério é o único órgão do governo que faz a interlocução com os trabalhadores, atuando não apenas na fiscalização, mas também na mediação de negociações mais complicadas entre patrões e empregados.

Já o economista e professor da USP Hélio Zylberstajn, a “reforma” não criou empregos, como propagandeava o governo Temer, nem contribuiu para reduzir o emprego formal, como temiam os sindicatos. Ele também destacou a “redução na litigiosidade” como o principal impacto da reforma, até o momento. 

Outra contradição apontada por ele foi que, até agora, a nova legislação que deveria incentivar a livre negociação entre patrões e empregados também não vem surtindo o devido efeito, já que os acordos e convenções coletivas caíram quase 30%, desde então. Fatores como a baixa inflação oficial no período, que emperra as negociações por reajuste e a tentativa por parte dos patrões de retirar cláusulas antes estabelecidas nas convenções, outra novidade da “reforma”, foram as responsáveis pela queda no número de acordos e convenções.

Mas o principal fator, segundo Zylberstajn, é a disputa em torno de novas formas de financiamento para os sindicatos, após o fim da imposto sindical também imposto pela reforma. Ele criticou “jeitinhos” adotados por  organizações sindicais para garantir financiamento, como a intermediação na venda de seguros de vida e planos de saúde, mas ressaltou que os sindicatos têm importância “indiscutível” nas negociações entre patrões e empregados, e precisam de alternativas financeiras para garantir a própria sobrevivência.

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