dia de glória

Metroviários festejam reintegração com promessa de seguir na luta

Categoria se reuniu no último domingo para celebrar vitória contra o Metrô, após quatro anos de processo contra 42 trabalhadores, que se iniciou com demissões ilegais devido à greve de junho de 2014

RBA

Parte dos reintegrados celebrou junto a vitória após quatro anos de lutas e ações judiciais contra as demissões

São Paulo – “O que me vem na cabeça é alegria, alívio. Mas a luta continua”, diz o operador de transportes metroviários Ricardo Senese, definindo seu retorno à Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), após quatro anos de uma demissão por justa causa ilegal, ao final da greve realizada em junho de 2014. Contente, na companhia de familiares, amigos e colegas de trabalho, o trabalhador celebrou a conquista na sede do Sindicato dos Metroviários, no último domingo (15), mesmo espaço onde, abraçados, os 42 metroviários demitidos receberam apoio emocional e material dos companheiros para aguentar o longo caminho de lutas que se iniciava.

Junto com Senese, outros 41 trabalhadores foram acusados de vandalismo e depredação, e dispensados arbitrariamente, após cinco dias de paralisação. Após reiteradas decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores, em todas as instâncias, mas ainda aguardando o trânsito em julgado da ação, a companhia decidiu aceitar um acordo de reintegração imediato, homologado no dia 14 de junho deste ano. “O tempo foi passando e a gente ia sentindo o peso da demissão a cada dia. Mas tivemos também o amplo apoio da categoria, de amigos e dos familiares”, afirma o operador.

Durante todo esse período, os trabalhadores metroviários bancaram uma contribuição extra ao sindicato, com o objetivo de garantir uma ajuda de custo aos demitidos. Esse valor será devolvido conforme o Metrô quitar as indenizações. Em contrapartida, os demitidos participaram das atividades sindicais, organização de atos e paralisações.

“Ter se mantido participando das lutas da categoria foi muito importante, até psicologicamente, para gente se manter bem. Estamos em processo de privatização. A minha função está tendo um processo de terceirização importante. Então, tem muita luta ainda pela frente. Temos que estar cada vez mais unidos como trabalhadores, porque os desafios são grandes. Esse processo todo não nos intimidou e a reintegração dá confiança a toda a categoria”, afirma Senese.

O acordo vinha sendo costurado desde a campanha salarial de 2017. Um dos fatos determinantes para conclusão dele foi a saída do ex-governador e pré-candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB), do governo paulista. “Na primeira segunda-feira após a posse de (Márcio) França (PSB) o Metrô chamou os coordenadores do sindicato para encaminhar o acordo. Alckmin tinha uma questão pessoal com a nossa demissão, já que ele era o governador na época”, afirmou o operador de trem Alex Santana Vieira.

Além do retorno ao trabalho, o acordo prevê o pagamento por todo o período de afastamento, estabilidade no emprego por 12 meses e o reconhecimento, pelo Metrô, de que os metroviários não cometeram nenhum ilícito criminal por ocasião da greve em todos os processos criminais abertos. A petição totaliza aproximadamente R$ 14 milhões e deverá ser quitada em 12 parcelas. Na ação de reintegração contam 37 trabalhadores, já que dois foram reintegrados imediatamente, pois nem sequer participaram da greve e outros três eram diretores do sindicato.

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Trabalhadores unidos na sede do Sindicato dos Metroviários em apoio e reafirmação da luta, após a demissão dos 42 trabalhadores

O documento determina que os trabalhadores devem ser reintegrados nas mesmas condições anteriores, cumpridas eventuais promoções e outras vantagens que se dariam no período afastado. Esse é um ponto que os trabalhadores ainda esperam para ver como vai se dar. “Meu filho tinha quatro meses quando fui demitido. O acordo diz que devemos voltar nas mesmas condições anteriores, como estava no ato da demissão. Bom, agora eu tenho outro filho de quatro meses, que é pra não ficar dúvida”, brincou Vieira.

Apesar da vitória, os metroviários avaliam que o acerto ficou aquém de todo sofrimento passado pelos trabalhadores nesses quatro anos. “Esse acordo reconhece a injustiça, mas não faz justiça até o final. Tivemos que abrir mão de algumas coisas para garantir que o acordo fosse fechado. Não só de questões econômicas, mas de situações que sofremos nesses quatro anos e que não podem ser reparadas totalmente”, explicou a operadora de trem Marília Cristina Ferreira. Os trabalhadores concederam um desconto de 18,5% do total devido pela companhia e assumiram o compromisso de não reivindicar outras indenizações na Justiça.

Mesmo assim, Marília não ignora o tamanho da conquista de uma categoria de trabalhadores contra o governo mais rico do país. “É uma conquista muito grande, que só foi possível graças a muita solidariedade, da categoria e de outras categorias. A luta não acabou. Alguns dizem ‘ah, agora vocês vão ficar mais quietinhos, né’. De forma alguma. Eu sou diretora do sindicato, fui eleita já demitida. Muita gente vê nossa reintegração como um respiro de uma categoria que vem sofrendo muitos ataques, com rebaixamento salarial, retirada de direitos, terceirização, privatização. A maior parte de nós vai seguir fortalecendo essa luta”, afirma.

Os trabalhadores agora vão passar por programas de treinamento e reciclagem para voltar ao trabalho, cláusula que foi exigência dos próprios trabalhadores, que não quiseram colocar em risco a segurança dos usuários por conta de mudanças em procedimentos que possam ter ocorrido no tempo em que ficaram afastados. A duração do curso depende da área em que o metroviário atua. Senese deve voltar ao seu posto no início de agosto. Marília e Vieira, até janeiro de 2019.

História

Em 10 de junho de 2014, o Metrô demitiu 42 funcionários, todos com alguma função na organização da greve – delegados sindicais, diretores e até um membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), em resposta à greve realizada entre os dias 4 e 9. O então governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), chegou a declarar que tinha uma lista de outros funcionários que seriam dispensados caso o movimento continuasse. Todos receberam telegramas comunicando suas demissões, com descrição dos locais e horários onde teriam cometido faltas graves.

No entanto, como a RBA demonstrou em julho daquele ano, documentos do Metrô enviados ao Ministério Público, obtidos com exclusividade pela reportagem, revelavam inconsistências nas motivações alegadas pela direção da empresa ao demitir por justa causa os metroviários. As evidências reforçavam a tese de que houve perseguição política aos grevistas. A companhia acusava funcionários de ter cometido depredações que não constavam da lista oficial dos patrimônios supostamente danificados durante as ações de greve.

Dois funcionários reintegrados ao Metrô pouco depois da demissão tinham sido acusados com alto nível de detalhamento. Um deles teria invadido a estação Ana Rosa, que interliga as linhas 1-Azul e 2-Verde, “danificando as fechaduras” e “impedindo a entrada de funcionários” em 6 de junho, às 6h15. Outro teria impedido o fechamento da porta do trem G-24 na estação Santa Cecília, na Linha 3-Vermelha, às 7h15 do dia 7 de junho. Mas o Metrô não foi capaz de comprovar a acusação. Mais dois foram reintegrados por ter mandato sindical.

Além disso, a companhia responsabilizou os metroviários por danos causados durante uma revolta de usuários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), em Itaquera, na zona leste. E acusou os trabalhadores de terem danificado locais onde não houve qualquer ação de greve naqueles dias. Em outro caso, a empresa atribuiu a 18 trabalhadores a ação de impedir ou obstruir “fechamento da porta do trem (composição H-58), interrompendo a circulação dos trens”. Todos eles teriam incorrido no delito às 20h15, do dia 5 de junho, na estação Tatuapé, na Linha 3-Vermelha. Outra acusação não comprovada.

Durante a batalha judicial, os trabalhadores demitidos foram apoiados pela categoria, que aprovou em assembleia o aumento da contribuição mensal de 1,3% para 1,9% do salário, com o objetivo de repassar o excedente aos demitidos em consequência da greve, um valor próximo do salário-base dos metroviários. Eles assumiram o compromisso de repor os valores. Além disso, participaram de todas as assembleias e atos em defesa da reintegração.

Perseguição

Já com a ação tramitando na Justiça, a Superintendência Regional do Trabalho autuou o Metrô por atitude antissindical, pela demissão de 42 grevistas, todos dirigentes ou delegados sindicais. “O ato terminativo dos 42 contratos de trabalho por justa causa dos empregados acabou, assim, aparentando uma medida de caráter persecutório que possui o condão da vingança ou perseguição à categoria, incabíveis neste momento de conflito”, dizia o texto da autuação.

Já na primeira instância, ficou evidenciada a forma precipitada e ilegal com que o Metrô agiu nas demissões. “A empregadora violou o disposto na cláusula 26ª da Convenção Coletiva de Trabalho, pois deixou de descrever os atos praticados por cada empregado. O ‘mau procedimento’ – qualificação dada às condutas dos dispensados – é conceito legal de abrangência amplíssima, no qual podem ser inseridos os mais variados tipos de atos, o que torna ainda mais evidente a inadequação formal do ato de dispensa”, explicou o juiz da 34ª Vara, Thiago Melosi Sória.

A situação não foi diferente na segunda instância. E também na terceira. No entanto, as decisões sempre protelavam a reintegração, argumentando que ela só poderia ocorrer com o trânsito em julgado da ação. “Com isso o Metrô foi interpondo recursos e mais recursos, mesmo sabendo que a causa estava perdida, apenas para protelar a reintegração”, afirmou Raimundo Cordeiro, da coordenação geral do Sindicato dos Metroviários. Com o acordo, a ação judicial será extinta.