Análise

Souto Maior: você realmente se preocupa com os caminhoneiros?

'É possível ver pessoas e movimentos se manifestando em favor da greve dos caminhoneiros, mas que são arredios aos direitos dos trabalhadores', observa juiz e professor

Tomaz Silva/Agência Brasil

Souto Maior avalia que greve tem efeito didático para a sociedade, já que “permite perceber que é o trabalho que produz”

São Paulo – “A mobilização dos caminhoneiros, portanto, formalmente, tem tudo para ser considerada uma greve e a adesão social que se tem dado ao movimento representa, no mínimo, a oportunidade para que se supere, de uma vez, a aversão generalizada que as greves de trabalhadores enfrentam no Brasil.” Essa é a avaliação do juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior, também professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em relação a uma polêmica sobre a mobilização dos caminhoneiros: é uma greve ou locaute?

“A greve, além disso, faz parte da essência da democracia em uma sociedade capitalista, pois, sem ela, os trabalhadores não teriam vez e voz”, destaca o juiz. “É, também, uma oportunidade para o desenvolvimento de um processo de conhecimento, vez que a engrenagem da vida transforma as pessoas em máquinas. Neste sentido, aliás, é bastante oportuno questionar se a ‘normalidade’ que foi quebrada era, de fato, normal, ou seja, fruto de uma situação natural, inexorável, ou o resultado de uma construção histórica e que, por diversas determinantes, criou a aparência de ‘natural’ para relações sociais carregadas de opressões históricas e extremamente assimétricas.”

Souto Maior avalia que a mobilização tem um efeito didático para a sociedade, já que “a greve permite perceber que é o trabalho que produz e faz circular a riqueza produzida”. Ou seja, por trás de uma marca há muito trabalho envolvido, indo muito além das condições que foram fetichizadas pela propaganda da sociedade de consumo.

“Ocorre que na concebida vida ‘normal’, as pessoas vivem em função das mercadorias que adquirem (produzidas para atenderem aos interesses do estômago ou do imaginário) e do trabalho que precisam realizar para ganhar o dinheiro que lhes permite ter acesso às mercadorias”, acrescenta o juiz. “Mas, no geral, no estágio da ‘normalidade’ não paramos para pensar que, como já se disse, ‘as mercadorias não chegam sozinhas ao mercado’. Elas são produzidas por alguém em algum lugar e precisam ser transportadas até o local de consumo”, assinala.

O professor da USP também faz alusão às péssimas condições de trabalho a que são submetidos os caminhoneiros, lembrando de obstáculos judiciais que impedem o pleno reconhecimento de seus direitos. “Aliás, a todos que se dizem comovidos com a situação dos caminhoneiros, cumpre informar que as diversas reclamações trabalhistas, movidas por motoristas e ajudantes em todo o Brasil, pelas quais pleiteiam o reconhecimento da relação de emprego e a efetivação dos direitos trabalhistas, questionando os termos da Lei n. 11.442/07, estão com sua tramitação suspensa desde 28 de dezembro de 2017, por determinação do Ministro Luís Roberto Barroso, em decisão proferida na Ação Direta de Constitucionalidade n. 48, movida pela Confederação Nacional do Transporte – CNT.”

Ele prossegue, falando do papel da categoria na atividade econômica. “O fato é que, seja na condição formalizada de empregados, seja na situação juridicamente desvirtuada de ‘autônomos’, tem sido trágica a condição de trabalho e de vida dos caminhoneiros no Brasil e essa é uma questão central na produção e na distribuição da riqueza nacional, tanto que até mesmo a recente ‘reforma’ trabalhista pode ser apontada, em parte, como uma reação do poder econômico, encabeçado pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), à alteração, na última década, do posicionamento da Justiça do Trabalho frente às condições de trabalho dos motoristas, tanto no que tange à superação do disfarce da autonomia, quanto no que diz respeito à limitação da jornada de trabalho.”

Em seu artigo, Souto Maior também aponta as contradições entre o apoio dado aos grevistas por parte da população que, historicamente, costuma rejeitar a luta pela efetivação de direitos trabalhistas. “Um movimento de trabalhadores que não tenha bem nítido o seu interesse de classe, quando tenha grande força mobilizadora, pode ser apropriado como um movimento de massa para abarcar uma insatisfação generalizada, despolitizada, contra o aumento de preços, a majoração de impostos, uma rejeição ao governo e aos políticos”, diz. “Como revelador das contradições, é possível ver inúmeras pessoas e movimentos se manifestando em favor da greve dos caminhoneiros, mas que, concretamente, são arredios aos direitos dos trabalhadores.”

Confira o texto na íntegra no Blog da Boitempo.

 

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