Perdas e ganhos

Política salarial da ditadura ajudou Volks a comprimir salários e aumentar lucros

'Devido ao controle salarial e dos sindicatos pelo governo, os salários ficaram em um nível bem mais baixo do que em uma democracia pluralista com livre negociação salarial e direito à greve', diz estudo

Reprodução/SMABC

Trabalhadores mobilizados e a repressão: piquete na Volks durante campanha salarial em 1979

São Paulo – Enquanto a matriz alemã aumentava salários acima da inflação, a Volkswagen no Brasil, nos anos 1970, mantinha “política salarial rígida” e “aproveitava as vantagens que a política salarial estatal oferecia para aumentar os lucros às custas dos funcionários”, diz relatório divulgado pela empresa. Segundo o documento, elaborado pelo professor alemão Christopher Kopper, a produtividade na Volks brasileira “aumentou mais rapidamente do que os salários médios de seus funcionários”. No período de 1960 a 1972, segundo ele, o salário médio aumentou 5% ao ano, em termos reais, enquanto a produtividade cresceu 10,9%.

A análise consta de relatório feito por Kopper, a pedido da Volks, para analisar a atuação da empresa no Brasil durante a ditadura iniciada em 1964. No texto, o professor e historiador relata que, em 1973, a própria matriz questionou a direção local da montadora, perguntando se a Volks brasileira não estaria “‘exagerando na dose’ na redução de custos de pessoal e se os funcionários estariam mesmo sendo pagos adequadamente, considerando a boa situação econômica”. Uma realidade que, com certeza, não se limitou à Volks.

Kopper faz menção a episódio conhecido do movimento sindical brasileiro, relativo à manipulação de dados oficiais da inflação em 1973, que anos depois motivou uma crescente campanha salarial dos metalúrgicos no estado de São Paulo. O Dieese, diz ele, calculou em 1977 “que as correções salariais não concedidas dos anos anteriores implicariam em uma correção salarial justificada retroativa de 34%”. Em 1976 a 1977, “os aumentos salariais também estavam só pouco acima da taxa de inflação e não compensavam de longe a perda do poder de compra de 1973/74”.

Naquele período, o professor anota que a escassez de mão de obra qualificada “não provocou pressão de aumentos salariais para a indústria automobilística, uma vez que os salários eram controlados pelo governo”. Previa-se aumento de 18% em 1973, “um por cento abaixo da taxa de inflação real do ano de 1972” e “até 4,7% abaixo da taxa de inflação de 1973”.

Isso aconteceu em período ainda mais amplo, acrescenta Kopper. “De 1965 a 1968 e de 1972 a 1974 as taxas de inflação oficiais, que serviam como base para aumentos salariais, eram mais baixas do que o aumento real dos custos de vida”, afirma no relatório.

As expectativas positivas acerca da Volks brasileira foram até superadas, “considerando as altas taxas de crescimento da economia brasileira até a primeira crise do petróleo (1974)”, diz Kopper. “Com a alta demanda doméstica de veículos e a clara posição de liderança, a VW do Brasil obteve lucros surpreendentemente altos que lhe permitiram o financiamento próprio de investimentos, bem como altas remessas de lucros à matriz. Devido ao controle salarial e dos sindicatos pelo governo, os salários ficaram em um nível bem mais baixo do que em uma democracia pluralista com livre negociação salarial e direito à greve”, acrescenta, para quem tanto a subsidiária brasileira como a própria matriz se beneficiaram da “suspensão dos direitos trabalhistas elementares”.

Produtividade

De acordo com o estudo, os dados mostram que a Volks do Brasil “não participava aos seus funcionários de forma adequada os avanços de produtividade”, que não foi alcançado apenas por meio do aumento contínuo de produção. “Uma vez que no Brasil não existia Comissão de Fábrica, a direção da fábrica podia reduzir o tempo de ciclo na produção sem que os trabalhadores tivessem a possibilidade de objeção formal, aumentando assim a produtividade mesmo sem investimentos.”

Nos anos 1960 e 1970, horas extras obrigatórias eram comuns no Brasil, diz o professor. “Os empregados, por ocasião de sua contratação, eram questionados se estariam dispostos a fazer horas-extras. Uma vez que uma recusa de realizar horas-extras já teria acarretado na demissão durante o período de experiência, os empregados acabavam concordando.”

Segundo ele, à jornada normal, de nove horas e meia, mais almoço, havia muitas vezes acréscimo de uma a duas horas extras. “No pico da alta do mercado automobilístico no Brasil em 1974, cada trabalhador da VW do Brasil realizava 260 horas de trabalho adicional”, diz o professor, lembrando de outra consequência desse ritmo mais intenso: “Jornadas de trabalho longas e uma velocidade de trabalho alta aumentavam o cansaço, facilitando a ocorrência mais frequente de acidentes”.

No início dos anos 1970, auge da repressão política no Brasil, havia questionamentos no exterior sobre violações de direitos humanos no país. Kopper escreve que o presidente da Volks brasileira de 1971 a 1973, Werner Schmidt, em entrevista ao jornal Süddeutschen Zeitung não desmentiu a ocorrência de torturas e assassinatos, mas afirmou que “sem firmeza não há progresso. E está havendo progresso”.

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