Degradante

M.Officer é condenada por trabalho escravo e pode ser proibida de vender em SP

TRT mantém decisão de primeira instância, que determina indenizações de R$ 6 milhões por danos morais coletivos e dumping social, e determina cumprimento de obrigações trabalhistas

Divulgação e MPT

Quarto em que vivia um trabalhador resgatado (2014) costurando para M.Officer: dumping social

Quarto em que um dos trabalhadores resgatados costurando para M.Officer vivia: dumping social

Quarto em que um dos trabalhadores resgatados costurando para M.Officer vivia: dumping social

São Paulo – A M5 Indústria e Comércio, dona da marca M.Officer, voltou a ser condenada ontem (7) por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravidão. A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2014 e teve ontem sentença confirmada em segunda instância pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-2), mantendo a condenação de primeira instância.

A grife terá de pagar R$ 4 milhões de indenização por danos morais coletivos e mais R$ 2 milhões por dumping social (quando uma empresa se beneficia dos custos baixos resultantes da precarização do trabalho para praticar a concorrência desleal). Além disso, terá de cumprir uma série de obrigações trabalhistas. As informações são do site do MPT.

O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, procurador Muniz Cavalcanti, destacou que a decisão confirma que a M.Officer foi a responsável pelo trabalho escravo. “Com essa decisão, vamos oficiar ao governo de São Paulo para aplicar a lei estadual, que determina a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes de ICMS pelo prazo de 10 anos de quem foi condenado por trabalho escravo em segunda instância.”

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Combate ameaçado

Os flagrantes de trabalho escravo em prestadoras de serviço para grandes marcas, que têm em comum também se situar em mercados para classe média alta e os altos preços praticados, haviam se intensificado nos últimos anos, em função do grande número de agentes públicos e atores sociais e empresariais. 

Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, criado em 2005, teve como objetivo o envolvimento de toda a cadeia produtiva, do pequeno consumidor aos grandes fornecedores e fabricantes, passando pela restrição ao crédito em instituições financeiras. As recentes investidas do governo Temer na política de combate ao trabalho escravo, como a Portaria 1.129, que abranda o conceito de trabalho escravo, podem comprometer seriamente estão, segundo técnicos do próprio Ministério do Trabalho.

VICTOR VIRGILE/GAMMA-RAPHO/GETTY IMAGES/RBA
Em desfile de 2014, uma grife protestava por coisas erradas que via no Brasil. Mas omitia que sua moda era produzida em oficinas clandestinas que usavam trabalho escravo

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A lei é a 14.946/2013, que prevê que será cassada a inscrição no cadastro de ICMS das empresas que vendem produtos em “cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo”. Regulamentada pelo Decreto nº 59.170/2013, a cassação ocorrerá quando a empresa for condenada em decisão colegiada, independente da instância ou do tribunal. A cassação abrangerá os sócios, pessoas físicas ou jurídicas, que ficam impedidos de entrar com pedido de nova inscrição por 10 anos.

Atual responsável pelo caso no MPT em São Paulo, o procurador Rodrigo Castilho ressalta que o acórdão traz dois pontos importantes. O primeiro é reconhecer que a M.Officer é responsável pelo trabalho escravo na cadeia produtiva. “A empresa se valia de oficinas clandestinas com trabalhadores brasileiros e estrangeiros utilizando dessa prática.” O segundo foi reconhecer o trabalho em condições análogas à de escravidão. “Em um momento em que o combate ao trabalho escravo é atacado com tentativas de mudar a fiscalização e a punição, o acórdão fortalece a luta para coibir a essa prática”, explicou o procurador.

Para o desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, do TRT-2, a atividade desenvolvida pelos trabalhadores nas empresas contratadas pela marca era a própria finalidade da M.Officer. “O labor desenvolvimento pelos trabalhadores era essencial na cadeia produtiva da ré. De modo que sem ele não se poderia comercializar o produto específico. Não se trata, portanto, de simples ingerência na qualidade e no controle de produção da prestadora de serviços, nos moldes do contrato de facção, e sim, de modalidade inaceitável de terceirização”, assinala em seu acórdão.

A 4ª Turma do TRT manteve a sentença da juíza do Trabalho Adriana Prado Lima, da 54ª Vara de Trabalho de São Paulo. Além do pagamento de R$ 6 milhões, determinou que a empresa cumpra obrigações como garantir ambiente de trabalho seguro e saudável, condições dignas de alojamento e acesso a direitos trabalhistas como piso salarial e registro em carteira de trabalho, respeito a jornada, não permitir exploração do trabalho de crianças e adolescentes, retenção de documentos nem trabalhos forçados e não se aproveitar da vulnerabilidade social e econômica dos trabalhadores para reduzir custos com mão de obra, entre outras.

Histórico

A ação foi movida em 2014 pelos procuradores do Trabalho Christiane Vieira Nogueira, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Tiago Cavalcanti Muniz, que argumentaram que peças da M. Officer eram produzidas por trabalhadores que realizavam jornadas exaustivas em ambiente degradante (com risco à saúde, à segurança e à vida), além de relacionarem o caso ao tráfico de pessoas. Para os procuradores, esse tipo de exploração é um “modelo consagrado de produção da ré, como forma de diminuição de custos, através da exploração dos trabalhadores em condições de vulnerabilidade econômica e social”.

Segundo o MPT, a M5 utilizava empresas intermediárias para subcontratar o serviço de costura, realizado em grande parte por imigrantes em oficinas clandestinas submetidos a jornadas excessivas em condições precárias, sem qualquer direito trabalhista.

Em um desses locais, descoberto em diligência conduzida em 6 de maio de 2014 pelo Ministério do Trabalho, em atuação conjunta com MPT, Defensoria Pública da União (DPU) e Receita Federal, constatou-se que os trabalhadores ganhavam de R$ 3 a R$ 6 por peça produzida e cumpriam jornadas médias de 14 horas (bem mais do que o limite legal de 8 horas). Os seis bolivianos resgatados pouco falavam português e viviam com suas famílias no mesmo local de trabalho, costurando em máquinas próximas a fiação exposta, botijões de gás e pilhas de roupas (representando grave risco de incêndio). Alguns afirmaram ainda estar pagando pela passagem ao Brasil com o “salário” recebido pelas peças costuradas, o que, segundo o MPT, poderia ser indício de tráfico de pessoas para fins de trabalho.

 

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