Saúde do trabalho

Ao julgar amianto, STF pode encerrar décadas de polêmica. Mas problema persiste

Para especialista, banir o produto é importante, mas outras medidas são necessárias: a 'desamiantização' e acompanhamento médico permanente

cebes

Produto é usado na fabricação de telhas e caixas d´água: risco não só para trabalhadores do setor

 São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) pode pôr fim, nesta quinta-feira (17), a uma polêmica que dura décadas, sobre o uso do amianto, mineral já proibido em alguns estados e também objeto de lei federal. Na semana passada, na retomada do julgamento, o ministro Dias Toffoli se manifestou a favor da proibição. Mas a polêmica deve continuar, assim como os problemas. Banir é um passo importante, mas não resolve, diz a auditora-fiscal do Trabalho aposentada Fernanda Giannasi, ativista anti-amianto. Um desafio é a “desamiantização” dos ambientes e o destino do lixo derivado do produto, além de acompanhamento médico permanente.

Fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), Fernanda Giannasi mostra-se otimista com o resultado do julgamento. “Estamos em um novo momento”, afirma, lembrando que sete de nove grupos industriais já abriram mão do produto. Por meio de acordo judicial ou espontaneamente, empresas já iniciaram a substituição por outros materiais. Segundo ela, com o banimento do amianto na produção o “grande vilão do momento” é o comércio. 

O amianto, ou asbesto, já foi proibido em mais de 60 países – a Abrea lista 75, incluindo alguns que anunciaram o banimento. Entidades condenam o uso do produto, usado em fabricação de telhas e caixas d´água, por considerá-lo cancerígeno. Produtores afirmam que é possível o uso controlado da variedade crisotila, ainda liberada pela Lei 9.055, de 1995. “Essa tese (de uso controlado) já se mostrou superada tecnicamente. É uma tese industrial”, rebate Fernanda. “Todos os amiantos são cancerígenos”, acrescenta.

Em resposta a outro argumento favorável ao produto, ela afirma que o “pico” do mesotelioma, um raro e agressivo tumor, deverá ocorrer entre 2025 e 2030, devido ao longo período de latência. Esse câncer está associado ao usado do amianto, embora ainda haja dificuldade, por motivos diversos, de estabelecer o nexo causal, a relação entre o produto e a doença. “Alguém que chega no posto de saúde com quadro de derrame pleural tem um longo percurso a seguir para que faça um diagnóstico diferenciado de câncer”, diz Fernanda, acrescentando que pode levar meses até que essa pessoa seja encaminhada a um centro especializado de oncologia.

E as doenças ligadas ao produto demoram a ser manifestar, observa a ex-auditora, que coordena na América Latina a Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto. “Quanto mais distante você fica da produção primária, mais difícil estabelecer o nexo.”

Se isso já é difícil com quem trabalhou diretamente com o amianto, a dificuldade aumenta com a população em geral, que também é exposta. Por isso, é preciso investigar os hábitos daquela pessoa – se fez bricolagem, se serrou uma telha ou uma caixa d´água, por exemplo. Fernanda conta que já viu um caso de mesotelioma em um comerciário, que trabalhava com material de construção. “Eu diria que estamos em uma fase médica ainda muito embrionária.”

Levantamento do pesquisador Francisco Pedra, da Fundação Oswaldo Cruz, aponta 3.718 casos de mesotelioma no Brasil de 1980 a 2010. Especialistas chamam a atenção para a subnotificação. Pedra também observa a possibilidade de contrair a doença mesmo sem uma exposição no dia a dia. “A caixa d’água e o telhado estão quietinhos lá. O risco de liberar fibra é menor. Mas em algum momento a caixa d’água pode ser esfregada, pode haver uma reforma no telhado de amianto, pode ocorrer algum acidente que rompa a telha, como inundação, desabamento, colisão de veículo”, declarou à BBC.

Órgãos públicos brasileiros ratificam o ponto de vista de que não há possibilidade de uso seguro. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio da Iarc, agência internacional, inclui o produto na categoria 1, daqueles que favorecem o desenvolvimento do câncer. Em 2012, o cientista Barry Castleman, em nome da Abrea, foi ao STF defendeu o fim do uso do amianto. “A OMS calcula em 107 mil o número de mortes causadas por exposição ao amianto por ano no mundo, e uma em cada uma tem relação com câncer ocupacional”, afirmou.

A Lei 9.055 permite a produção e comercialização do amianto crisotila, sob determinadas condições. Uma das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) do caso, a de número 4.066, questiona essa liberação. A ação foi apresentada em 2008 pelas associações nacionais dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Dois dos 11 ministros estão impedidos de votar: Dias Toffoli, porque em 2008 estava na Advocacia-Geral da União, e Luis Roberto Barroso, porque elaborou parecer para a indústria do amianto. Na semana passada, Toffoli se manifestou sobre as leis estaduais que proíbem o produto.

Desassossego

São Paulo é um dos estados que baniram o amianto, por meio da Lei 12.684, de 2007, com projeto original do deputado Marcos Martins, do PT. Em 2001, o produto já havia sido proibido na capital (Lei 13.113, após projeto do então vereador do PMDB Antonio Goulart, hoje deputado federal pelo PSD).

“O comércio é o que nos preocupa”, diz Fernanda Giannasi. “Se não fecharmos as portas e fiscalizarmos o comércio, vamos verificar o que aconteceu no setor de isolamento térmico e vedação. O mercado começou a trazer esse produto da China. Foi uma briga muito dura que a gente travou. Cheguei a fazer esse rastreamento pelos websites.”

Três anos atrás, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Augusto César de Carvalho aumentou de R$ 600 mil para R$ 1 milhão o valor de indenização por dano moral à viúva de um trabalhador da Eternit em Osasco, município da Grande São Paulo, que contraiu doença pulmonar em consequência do contato com o amianto. A Eternit – dona da única mina de amianto no país, a Cana Brava, em operação há 50 anos em Minaçu (GO) – e a Precon, de Pedro Leopoldo (MG), mantêm o uso da fibra.

“Não é desconhecido o desassossego causado pelo processo dos produtos de amianto, sabidamente banido em vários países da comunidade internacional”, afirmou Augusto César, relator do processo na 6ª Turma do TST. “A despeito das opiniões favoráveis, o fato é que não se reconhece uma quantidade mínima de asbesto abaixo da qual a exposição possa considerar-se segura. (…) Vale dizer, inexiste certeza de que as fibras microscópicas do amianto branco não se desprendam e, sem dissolver-se ou evaporar, porque a sua natureza o impede, ingressem no pulmão por meio de uma simples aspiração em ambiente contaminado.”

Fernanda conta que foi procurada pela família de um trabalhador de Pedro Leopoldo, com um possível caso de mesotelioma, afinal confirmado, com dificuldade. “Neste país, as pessoas que não têm posses são tratadas como nada.”

Um relatório de 2014 aponta quantidade “abundante” de recursos minerais de crisotila no mundo, de cerca de 200 milhões de toneladas. Os países com maiores reservas lavráveis eram Rússia, que concentra mais da metade do total, China, Brasil e Cazaquistão.