Desmonte

Previdência deixa de ser política pública para virar uma ‘conta’

Economista lembra que uma das primeiras providências do governo foi acabar com ministério e vincular o setor à Fazenda. Ela contesta argumentos oficiais para a 'reforma' via PEC 287

Roberto Parizotti / CUT

Patrícia: reforma desvincula o salário mínimo de pensões e contém estímulos à previdência privada

São Paulo – A “reforma” apresentada pelo governo faz com que a Previdência deixe de ser uma política pública para se tornar uma “conta”, observa a economista Patrícia Pelatieri, coordenadora de Pesquisas e Tecnologia do Dieese. Ela observa que uma das primeiras providências da gestão Temer foi extinguir o Ministério da Previdência e torná-lo uma secretaria do Ministério da Fazenda. 

Essa secretaria é ocupada pelo economista Marcelo Caetano, que acaba de ser objeto de denúncia da central sindical Pública, que acionou a Comissão de Ética Pública da Presidência da República. O secretário, responsável por comandar a “reforma” da Previdência, é um dos oito integrantes do Conselho de Administração da Brasilprev, do setor privado. Um “claro conflito de interesses”, afirma a central.

Segundo apresentação de Patrícia na abertura da 13ª Jornada de Debates do Dieese, que teve a presença de representantes de nove centrais sindicais, da OAB e da senadora Gleisi Hoffmann, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que ela chama de “desmonte”, retarda ou impede o acesso a aposentadoria, reduz “substancialmente” os valores dos benefícios e atinge atuais e futuros contribuintes. “Estamos falando das gerações futuras”, diz a economista, que considera “muito severa e excludente” a regra de transição proposta pelo governo.

Ainda de acordo com a coordenadora do Dieese, a “reforma” desvincula o salário mínimo de pensões, propõe progressão da idade mínima e contém estímulos “sutis e explícitos” à previdência privada. Técnicos do instituto estão finalizando análise que já aponta crescimento acima da média, no segundo semestre de 2016, de planos privados. 

Ajuste

As mudanças pretendidas pelo governo fazem parte da política de “ajuste fiscal” apresentada pelo atual governo. “Essa PEC 287 é, na verdade, um complemento da emenda aprovada de limite de gastos”, observa a economista, referindo-se à Emenda Constitucional 95, que congela gastos públicos por 20 anos. Ela observa que essa mudança legal desconsiderou as despesas com juros, que em 2015 consumiram mais de R$ 500 bilhões, acima das despesas com benefícios previdenciários. 

Ela também contesta afirmação recorrente do governo sobre receitas e despesas previdenciárias, lembrando do artigo 195 da Constituição, que fala em financiamento do sistema por toda a sociedade. “Em nenhum momento foi dito que a Previdência Social deveria ser bancada apenas por suas contribuições.”

Entre essas fontes de receita, cita, estão folha de pagamento, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), loterias e importações de bens e serviços. Considerando todos esses itens, o sistema mostra-se superavitário, ainda que o resultado tenha diminuído nos últimos anos. Mas Patrícia observa que isso se deve à crise e ao aumento do desemprego. Atualmente, há em torno de 25 milhões de trabalhadores sem contribuir e sem cobertura. De 2008 a 2013, por exemplo, a receita aumentou justamente pela inclusão, pelo crescimento do emprego formal.

A economista também refuta comparações internacionais, ao afirmar que a relação entre Previdência e PIB chega a 14% em países desenvolvidos, enquanto no Brasil é de 7%. E também não vê sentido em afirmar que a Previdência é “generosa”, na medida em que dois terços dos benefícios têm valor igual ou menor que o salário mínimo.

Pela proposta do governo, o valor da aposentadoria passa a ser calculado com base em 51% do salário de benefício, ante os atuais 70%, mais um ponto percentual por ano de contribuição. São duas reduções, observa Patrícia: no cálculo da média e na redução para 51%. Hoje, para fixar o valor da aposentadoria, é considerada a média de 80% maiores salários de contribuição, descartando 20% – que deixariam de ser descartados.