“Fibra assassina”

Leis de banimento do amianto serão julgadas pelo STF nesta quarta

Para autor da lei da proibição por indústrias em São Paulo, mineral põe em risco a saúde e a vida de trabalhadores. Segundo OMS, mais de 107 mil trabalhadores morrem por ano por males relacionados ao material

MPT/ANPT

Atualmente, 69 países já baniram definitivamente o uso do amianto, seguindo recomendação da OMS

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) levará a julgamento nesta quarta-feira (23) a constitucionalidade de legislações regionais que proíbem a utilização do amianto nos ambientes de trabalho. O emprego do mineral – também conhecido como asbesto ou crisotila – é vetado por leis em sete estados e em dezenas de municípios, depois de décadas de movimentos de entidades sindicais, procuradores do trabalho e órgãos de saúde. No estado de São Paulo, a Lei 12.684/2007 é de autoria do deputado Marcos Martins (PT). Na capital paulista, a Lei 13.113/2001 foi proposta pelo então vereador Antonio Goulart, hoje deputado federal pelo PSD.

As ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) a serem apreciadas pelo STF foram movidas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra as legislações de São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Se as ADIs forem acolhidas pela Corte, poderão derrotar mais de 30 anos de trabalho em defesa da saúde do trabalhador brasileiro, segundo alerta Martins, em carta endereçada aos ministros do STF.

“Debater amplamente o assunto é o que temos feito no Brasil há pelo menos 30 anos, e no mundo, há mais de um século. A primeira descrição médica de asbestose, uma das doenças causadas pela exposição ao amianto, data de 1907, na Inglaterra. A partir dali passaram a ser documentados câncer de pulmão, mesotelioma de pleura e peritônio, entre outros tipos de neoplasias associadas ao amianto. Na Itália o amianto foi proibido em 1993. O país teve na cidade de Casale Monferrato, por 50 anos, uma fábrica da Eternit, pioneira no uso do amianto que deixou um passivo de mais de 1.200 mortos em decorrência da exposição à fibra”, diz a carta de Martins.

Arquivos pessoais
Marcos Martins: lamentável o lobby empresarial pelo uso da fibra. Fernanda: estão expostos trabalhadores e também consumidores de mais de 3 mil produtos

Atualmente, 69 países já baniram definitivamente o uso do amianto, seguindo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o advogado Mauro de Azevedo Menezes, que representa a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (Abrea) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) no julgamento do STF, a organização estima que 125 milhões de trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo estão expostos ao material e que mais de 107 mil trabalhadores morrem por ano em decorrência de doenças relacionadas à exposição.

Lobby

Até mesmo o amianto crisotila, extraído no Brasil, submete, segundo ele, os trabalhadores e a população em geral a graves riscos à saúde. “As legislações estaduais já existentes, que banem totalmente o uso do amianto, mostram uma preocupação dos entes federados com o adoecimento e morte de muitos trabalhadores em virtude da exposição à fibra cancerígena, plenamente compatível com a competência legislativa e com a centralidade da proteção à saúde estabelecidas pela Constituição de 1988”, afirma Menezes.

A engenheira civil Fernanda Giannasi, ativista do banimento do amianto e uma das fundadoras da Abrea, denuncia que o lobby empresarial – “capitaneado e financiado por empresas como a Eternit” – busca influenciar a legislação há décadas. “O amianto não é um problema só dos trabalhadores e trabalhadoras, que se expõem às suas fibras microscópicas e letais. Pode atingir indistintamente familiares destes trabalhadores, vizinhos de minerações e de instalações industriais onde se produz e o manipula”, adverte Fernanda, em artigo que pode ser lido na íntegra ao final deste texto.

“Ainda estão expostos seus consumidores de mais de 3 mil produtos, confeccionados à base deste mineral, entre os quais os materiais de construção (telhas, caixas d’água, painéis, divisórias de cimento amianto), e produtos de fricção para veículos automotivos (freios, juntas de cabeçote, massas antirruído, revestimento de disco de embreagem) e para vedação e isolamento térmico.”

Uma lei federal de 1995 ainda autoriza o uso do amianto branco, a crisotila. “Os riscos por exposição ao amianto não são aceitáveis nem em nações desenvolvidas, nem naquelas de industrialização mais recente. Uma proibição ampla e imediata da produção e uso do amianto é de há muito esperada, completamente justificada e absolutamente necessária”, afirma a engenheira, que é auditora fiscal aposentada do Ministério do Trabalho. A Abrea defende o banimento total e definitivo de todos os tipos de amianto em nível nacional.

Um dos argumentos do lobby industrial ao recorrer ao STF é que teria faltado debate para as aprovações da leis estaduais que estão sendo questionadas. O deputado Marcos Martins, em seu apelo aos ministros do Supremo, contesta, lembrando que os que defendem o uso do amianto sempre estiveram presentes, foram convidados e registraram em vídeo boa parte das discussões.

“O pedido de inconstitucionalidade da lei baseado na falta de debate é portanto improcedente, e pior, um retrocesso sem precedentes no mundo, que caminha justamente na direção do banimento da fibra”, critica Martins. “É triste perceber que enquanto nós, que lutamos em defesa da saúde do trabalhador, nos articulamos para que seja aprovada uma lei de abrangência nacional, proibindo o uso do amianto em todo o país, empresários e representantes patronais não medem esforços para continuar utilizando a fibra assassina.”

 

Artigo

Ameaça ao fim das leis de banimento do amianto prejudica trabalhadores

Por Fernanda Giannasi

O amianto ou asbesto é um mineral fibroso reconhecidamente cancerígeno para os seres humanos. Uma vasta literatura médica mundial sustenta que não há maneira segura de se trabalhar com amianto ou utilizar produtos que o contenham, de modo que única forma de se eliminar as doenças provocadas por esta fibra mineral é o seu banimento.

O Brasil tem sete estados e dezenas de municípios com leis que vetam a utilização do amianto, incluindo o estado de São Paulo (lei 12.684/2007 de autoria do deputado estadual Marcos Martins – PT) e a capital paulistana (lei 13.113/2001, do ex-vereador do PMDB Antonio Goulart, atual deputado federal – PSD).

Desde longa data, porém, o lobby do amianto, capitaneado e financiado pela ETERNIT, tenta junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), revogar estas leis estaduais e a do município de São Paulo. Tanto que, no dia 23 de novembro, ocorrerá o julgamento destas duas leis, que estão em vigor há mais de uma década em nosso estado e município.

A empresa busca, no mínimo, alterar a sua vigência para daqui a 5 anos para as fábricas de telhas de cimento-amianto e para mais 10 anos para a mineração, dando sobrevida a esta indústria mortal. Diante de tamanho retrocesso, cabe a nós defendê-las a qualquer custo, de forma a evitar mais um retrocesso socioambiental em nosso país, como temos assistido ultimamente.

Para se ter ideia do que está em jogo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 125 milhões de trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo estão expostos ao amianto em seus locais de trabalho. Segundo estas estimativas, mais de 107 mil trabalhadores morrem por ano pelas doenças relacionadas ao material.

Por exemplo, o câncer de pulmão como o mesotelioma (um tumor maligno raro e incurável) é causado pelo amianto e leva ao óbito a maioria de suas vítimas em menos de 1 ano após o diagnóstico. A asbestose (enrijecimento do tecido pulmonar, que conduz à falta de ar acentuada e progressiva, podendo matar por asfixia) é outra doença associada ao material. Uma em cada três mortes por câncer ocupacional está associada ao amianto.

Mas o amianto não é um problema só dos trabalhadores e trabalhadoras, que se expõem às suas fibras microscópicas e letais. Pode atingir indistintamente familiares destes trabalhadores, vizinhos de minerações e de instalações industriais onde se produz e o manipula. Ainda estão expostos seus consumidores de mais de 3 mil produtos, confeccionados à base deste mineral, entre os quais os materiais de construção (telhas, caixas d’água, painéis, divisórias de cimentoamianto), e produtos de fricção para veículos automotivos (freios, juntas de cabeçote, massas antirruído, revestimento de disco de embreagem) e para vedação e isolamento térmico.

A OMS vai além e afirma que milhares de mortes podem ser atribuídas anualmente à exposição ambiental ao amianto, a qual todos nós seres humanos estamos sujeitos. Diante do alerta, 69 países já decidiram pela proibição da produção e utilização de produtos à base de amianto, inclusive nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai.

No Brasil, por sua vez, Goiás é o único estado produtor do chamado amianto branco ou crisotila, do qual o país é o terceiro maior produtor mundial, com 284 mil toneladas/ano (dados de 2014), o terceiro exportador e o quarto principal utilizador.

Por aqui, embora as estatísticas brasileiras não reflitam o verdadeiro quadro de adoecimento da população, exposta profissional ou ambientalmente ao amianto, alguns indicadores já prenunciam que teremos por aqui em muito pouco tempo um quadro semelhante ao que se encontra nos países desenvolvidos economicamente e onde há registros confiáveis da epidemia de doenças provocadas pelo amianto, como é o caso da Austrália, Inglaterra, França, países escandinavos e Itália.

A falácia do desemprego – sob uma perspectiva socioeconômica do emprego, a proibição total e definitiva do amianto salvará o estado de São Paulo da eliminação de 10.500 postos de trabalho nas empresas que já se adequaram às leis de banimento e substituíram o amianto por materiais menos tóxicos. Se esta lei não for mantida, as empresas paulistas sucumbirão aos produtos similares com amianto livremente importados da China. E mais: as empresas não suportarão a concorrência desleal dos produtos nacionais fabricados com a fibra mortal.

Os riscos por exposição ao amianto não são aceitáveis nem em nações desenvolvidas, nem naquelas de industrialização mais recente. Uma proibição ampla e imediata da produção e uso do amianto é de há muito esperada, completamente justificada e absolutamente necessária. Digamos não às tentativas de retrocesso.

Fernanda Giannasi é engenheira civil e auditora fiscal do Trabalho aposentada pelo Ministério do Trabalho em 2013. Fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina. É consultora na área de segurança, saúde e meio ambiente da unidade São Paulo de Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados. E ganhou diversos prêmios, como o internacional “Segurança e Saúde – Direito de todo Trabalhador” da American Public Health Association (APHA) na reunião de 1999 em Chicago, Estados Unidos

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