'Desmonte'

Campanha tenta barrar ofensiva do governo sobre empresas públicas

Depois do BB, Caixa pode ser alvo de 'reestruturação'. Petrobras tem reduzido mão de obra, Eletrobras reduz pessoal. Corte atinge dezenas de milhares de funcionários. Debate é entre visões de Estado

cc / dps-presal

Manifestação em defesa do caráter público da Petrobras. Governo Temer avança sobre estatais desde a interinidade

São Paulo – Em meio a uma ofensiva do governo sobre empresas públicas, com planos que preveem fechamento de milhares de postos de trabalho, como anunciado no domingo (20) pelo Banco do Brasil, as entidades que compõem o comitê nacional em defesa do setor tentam mostrar as consequências do “desmonte” para a sociedade e a própria economia. Ao lançar a campanha “Se é público, é para todos”, ontem (23) à noite, em São Paulo, sindicalistas do setor financeiro e do petróleo destacaram o caráter pró-mercado da gestão Temer, esvaziando funções de estatais, em nome de eficiência operacional, e beneficiando o setor privado.

“A esfera deles não é privada, é mercantil”, disse o sociólogo Emir Sader, no encerramento de seminário realizado na quadra do Sindicato dos Bancários. “A nossa esfera, democrática, é de universalização dos direitos e contra a concentração de renda”, acrescentou. Para ele, o desafio do movimento é “romper o isolamento da esquerda” e conversar com a população sobre as consequências das medidas do governo.

Coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Maria Rita Serrano observou que a mobilização já permitiu barrar algumas iniciativas, como no caso do Projeto de Lei do Senado (PLS) 555, o chamado estatuto das estatais, incluindo sociedades de economia mista e subsidiárias. O projeto virou a Lei 13.303, sancionada em 30 de junho por Temer, mas Rita afirmou que a campanha, lançada por todo o país, permitiu evitar dispositivos “privatizantes” que constavam da proposta original.

O BB anunciou domingo um plano que inclui fechamento de 400 agências (aproximadamente metade no estado de São Paulo), transformação de quase o mesmo número em postos de atendimento, além da saída de funcionários por meio de um programa de incentivo à aposentadoria. O banco vê “público potencial” de 18 mil dos 109 mil funcionários, mas sindicalistas avaliam que a adesão ficará em torno de 9 mil. Amanhã (25), trabalhadores do BB devem participar de um dia de protesto – os sindicatos pedem que os funcionários usem roupas pretas. Haverá nova manifestação na terça-feira da semana que vem (29).

Segundo o coordenador da Comissão Executiva dos Empregados do BB, Wagner Nascimento, o fechamento vai atingir, basicamente, agências de médio e pequeno porte, concentradas em municípios do interior. “Para as cidades, isso significa reduzir a  capacidade de gerar políticas públicas. Em determinados lugares, simplesmente vai começar a ceder terreno para o banco privado.”

Reunião na terça-feira com a direção do BB cobrou explicações e garantias para os trabalhadores. “As pessoas estão desesperadas”, disse Wagner, para quem o plano foi feito às pressas, para dar sinais ao mercado. “O que se pretende é a preparação para a privatização. Essa situação do Banco do Brasil pode ser um balão de ensaio para outras empresas. Este governo quer desmontar a empresa pública.”

Crédito e financiamento

“Não vai parar no BB”, reforçou a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira, acreditando que a Caixa Econômica Federal em breve anunciará medidas semelhantes. Ela destacou a importância dos bancos públicos no combate à crise em 2008, ao manter a oferta de crédito, e para o financiamento imobiliária e agrícola. “É uma questão que diz respeito a toda a sociedade. Todos nós somos afetados”, afirmou.

Várias empresas públicas têm planos de redução de mão de obra via aposentadoria ou demissão voluntária. O próprio BB, que agora mira 18 mil, havia obtido adesão de quase 5 mil funcionários em um programa recente. Em abril, a Petrobras lançou um Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), considerando uma estimativa de 12 mil adesões. Uma primeira edição, lançada em 2014, já resultou em mais de 6 mil desligamentos, com previsão de outros mil até o ano que vem. A Eletrobrás também espera uma redução de pelo menos 6 mil postos de trabalho. Apenas nesses casos, o enxugamento poderia ficar próximo de 50 mil vagas.

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Trabalhadores e sindicalistas do setor financeiro e do petróleo em lançamento de campanha que denuncia caráter pró-mercado da gestão Temer

“Toda uma geração está deixando a companhia”, disse o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), José Maria Rangel, referindo-se à Petrobras, identificando o início do “calvário” da estatal com a descoberta em 2007 do pré-sal, alvo de cobiça internacional. Ele também fez referência à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, de congelamento de gastos públicos: “É o Estado querendo tirar a sua responsabilidade”.

Para o coordenador da FUP, o papel do Estado é de indutor do desenvolvimento. Segundo ele, o governo Lula evitou que a Petrobras cortasse pela metade seu plano de investimentos, e nesse período empresa passou a corresponder de 2% para 13% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, aumentou sua força de trabalho de 33 mil para 85 mil, além da recuperação da indústria naval. As denúncias de corrupção afetaram a companhia: “A Petrobras não é uma empresa corrupta. Algumas pessoas roubaram, e todos nós somos vítimas desse processo”.

Os objetivos fundamentais do governo Temer são desmontar o patrimônio público, desmontar políticas sociais e reduzir direitos trabalhistas, resume Emir Sader. Ele insistiu na necessidade de convencer com a população, além de “isolar” o governo. E acredita que o Planalto sofrerá sua “primeira derrota política” na discussão da Medida Provisória (MP) 746, de reforma do ensino médio.

Outro desafio é avançar no convencimento da importância do setor público. “Fernando Henrique e Collor convenceram a sociedade que o Estado era um problema”, observou o sociólogo. Segundo ele, a partir do governo Lula foi possível mostrar que a questão não era apenas controlar a inflação, mas combater a desigualdade.

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