Greve

Comando da Petrobras está atrelado ao mercado financeiro, afirma FUP

Para sindicalista, paralisação começou depois de quatro meses de 'portas fechadas'. O debate é político: linha proposta por agentes financeiros 'quebra' a empresa. 'Pelo mercado, nem haveria Petrobras'

petrobras/divulgação

FUP defende conclusão de obras no Comperj e Refinaria Abreu e Lima

São Paulo – Com uma greve que atinge de forma sensível a produção, os representantes dos petroleiros afirmam que a principal questão a ser debatida não é a corporativa, relativa à convenção coletiva, mas se refere ao futuro da Petrobras e seu modelo de gestão. “O debate está sendo travado por uma nova direção e um Conselho de Administração muito atrelados ao mercado financeiro”, diz o diretor e ex-coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP) João Antônio de Moraes. Segundo ele, tratar do tema apenas sob o ponto de vista “financista” significa quebrar a empresa.

“Qual foi a nação que entrou em crise, seguiu o receituário neoliberal e melhorou?”, questiona o sindicalista, que participou na tarde de hoje (5) de uma entrevista coletiva no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na região central de São Paulo. “Se a Petrobras e o governo botarem pé fundo no que propõe o mercado, vai quebrar a Petrobras e vai quebrar o Brasil”, afirma, remetendo a questão às origens da companhia, que enfrentou resistência conservadora antes mesmo de surgir, em 1953. “Se a gente seguisse o mercado a Petrobras não teria sido criada.”

A resistência da FUP ao Plano de Negócios e Gestão da Petrobras, que prevê corte de investimentos e venda de participações e até mesmo de ativos, é criticada por analistas de mercado e por boa parte da imprensa especializada. Moraes busca evitar generalização, mas diz estranhar o comportamento quase “em bloco” da mídia em defesa de medidas “que já deram errado em outros países”.

Pauta

Segundo ele, o principal item da greve iniciada domingo (1º) nas bases dos sindicatos filiados à FUP é a chamada Pauta pelo Brasil, discutida desde a plenária nacional da categoria, em junho, em um contexto de ataques à Petrobras em várias frentes. “Nenhuma outra empresa ou instituição resistiria.” Para o dirigente, trata-se de uma tentativa de “recolocar a Petrobras no patamar em que estava em 2002, acanhada e sobretudo sendo preparada para a privatização”.

A partir de 2003, acrescenta, a política da companhia passou a ser mais voltada para “os interesses do país, ainda mais com a descoberta do pré-sal, uma das mais relevantes em todo o mundo nas últimas décadas. “Isso só foi possível a partir da retomada dos investimentos.” Ele observa que uma descoberta costuma se tornar comercialmente significativa após 15 ou 20 anos, e com o pré-sal isso aconteceu em prazo muito menor, com aproximadamente seis.

“O pré-sal desperta cobiça no mundo. Você ter pré-sal sem Petrobras ou com a Petrobras pela metade é não ter pré-sal. Se você explorar o pré-sal pela lógica do mercado, não vai sobrar nada para a gente. Os empresários (brasileiros) também têm de travar esse debate.” Ele cita o Projeto de Lei do Senado (PLS) 131, de José Serra (PSDB-SP), que retira a obrigatoriedade de a estatal ser a única operadora. “Se não fosse pela atuação da FUP e dos movimentos sociais, esse projeto já teria passado. E seria uma tragédia. Tem mais projetos nessa linha.”

Moraes também lembra que não apenas a Petrobras enfrenta dificuldades. “Todas as grandes empresas (no mundo). Ou tiveram prejuízo ou tiveram uma redução brutal de seus lucros”, diz Moraes, citando fatores como a queda de preço do petróleo e o câmbio. Mas o debate não pode se restringir aos aspectos econômicos e financeiros, insiste. “O Brasil não sai (da crise) sem discutir uma saída de nação para o petróleo e particularmente para a Petrobras.” Segundo a FUP, estimativas apontam uma redução de R$ 700 bilhões nos cinco próximos anos, entre desinvestimentos, redução de participações e venda de ativos.

Gargalo

O diretor da FUP defende a conclusão das obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, para garantir a sustentabilidade brasileira em derivados. O cenário próximo, diz, é de excedente de óleo cru com as atuais refinarias no gargalo. Aos defensores de maior presença privada, ele pergunta quantas refinarias as operadoras construíram no Brasil até 2002. Responde: “Nenhuma”. Da mesma forma, de 60 navios encomendados, nenhum é das dezenas de operadoras em atuação no país – 58 são da própria Petrobras.

Segundo Moraes, a agenda em implementação hoje é a dos perdedores, e o debate é para “recolocar a agenda que ganhou as eleições, inclusive no Congresso”. Por isso, ele espera outra postura da empresa e do governo, criticando a ação “truculenta” vista até aqui, que resultou inclusive em prisão de dirigentes.

Mesmo a greve, argumenta, foi uma reação a quatro meses de “portas fechadas” na Petrobras, que inclusive não mandou representante à audiência marcada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), no Rio de Janeiro, para discutir regras a serem seguidas pelas partes durante a paralisação. Isso, inclusive, causa preocupação – não no curto prazo – quanto ao abastecimento. “Temos compromisso com o abastecimento. Mas para exercitar esse compromisso é preciso dialogar com a Petrobras.”

A greve é feita em todas as bases sindicais dos petroleiros, sendo 12 ligadas à FUP e cinco à FNP. Embora com pontos em comum, as duas entidades não participam conjuntamente do movimento. A Petrobras apresentou uma proposta financeira, que corrige as tabelas salariais com índice (8,81%) abaixo da inflação e, segundo os sindicalistas, reduz direitos sociais da convenção coletiva. Já se fazem comparações com a paralisação de 1995, que também atingiu significativamente a produção e teve reação feroz do recém-instalado governo FHC. “A greve de 1995 tinha a lógica da resistência. Os tanques na refinaria tinham o objetivo de intimidar, mas não conseguiram. Foi a greve que arrancou o compromisso de não privatização da Petrobras.”

Moraes reafirma que a Operação Lava Jato deve resultar em punições a quem participou de atos de corrupção, mas isso não pode interferir nas atividades da empresa. “A todo brasileiro interessa que o que está errado seja apurado e os responsáveis sejam severamente punidos. A todos, mas sobretudo a nós, petroleiros. Quem comete crise é pessoa física, não jurídica.” Ele observa que a questão envolve uma companhia que responde por 13% do PIB brasileiro (ante 3% em 2002) e por 20% de todos os investimentos no país. “Não dá para aceitar a Petrobras sendo tratada como uma empresa qualquer.”


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