direito de greve

Um ano após demissões, metroviários de SP ainda creem na reintegração

Decisão judicial recente, aliada às fragilidades das acusações feitas pelo Metrô, alimentam esperança dos profissionais de poder voltar ao trabalho

Marlene Bergamo/Folhapress

Trabalhadores suspenderam greve em 9 de junho de 2014 e iniciaram campanha pela reintegração dos demitidos

São Paulo – Um ano após a greve que paralisou o sistema metroviário paulista entre 4 e 9 de junho, durante a campanha salarial, 38 metroviários demitidos irregularmente ainda esperam uma definição da Justiça do Trabalho. “Para arrumarmos outro trabalho teríamos de dar baixa na carteira. E isso seria reconhecer a demissão por justa causa. E nós não aceitamos isso, porque a demissão foi injusta e ilegal. O que a gente fez foi greve. E por isso ninguém pode ser mandado embora”, afirma a operadora de trens da Linha 3-Vermelha Marília Cristina Ferreira.

No dia 10 de junho, a Companhia do Metropolitano (Metrô) demitiu 42 funcionários, todos com alguma função na organização da greve – delegados sindicais, diretores e até um membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). O governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), chegou a declarar que tinha uma lista de outros que seriam dispensados se o movimento continuasse. Todos receberam telegramas comunicando suas demissões, com descrição dos locais e horários onde teriam cometido faltas graves.

Marília foi demitida por justa causa, sob alegação de ter impedido o fechamento das portas da composição G-24, às 7h15, na estação Santa Cecília, interrompendo a circulação de trens na Linha 3-Vermelha, no dia 7. “Na estação Santa Cecília, eu nem cheguei a descer até a plataforma”, conta a operadora.

Sem trabalho e sem expectativa de quando essa situação vai ser resolvida, Marília e os demais trabalhadores se ocupam do que podem, inclusive para não ficar pensando só nisso. “Vivemos uma angústia muito grande. Ficar nessa espera, sem uma resposta definitiva. Tem pessoas que buscam atividades físicas e outras ocupações. O que mais a gente tem feito é conversar com a categoria e participar das atividades que dizem respeito à nossa readmissão. Lutar para voltar a trabalhar”, relata.

Marília FerreiraO maior problema dos 38 metroviários é que não se trata somente da busca pela reintegração, mas de sobreviver. Sem salários, sem benefícios e sem poder arrumar um novo emprego, os demitidos contam com o apoio da categoria, que aprovou em assembleia um aumento no percentual do salário a ser descontado na mensalidade do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, de 1,3% para 1,9%, com o objetivo de proporcionar uma ajuda de custo aos colegas.

O marido de Marília, Vítor Duarte, também metroviário, foi demitido no mesmo dia. E com isso as contas da família tiveram de ser muito ajustadas. “Temos contado com a solidariedade. É o que tem nos ajudado. Mas apertou bastante, tivemos de cortar tudo o que pareceu supérfluo”, diz.

A situação é ainda mais complicada para quem tem filhos, como Alex Santana Vieira, operador de trens da linha 3-Vermelha e membro da Cipa. “Meu filho tem 1 ano e três meses. Estava recém-nascido quando fui demitido. O impacto foi muito grande. A gente teve de dar uma adaptada na vida para encaixar o que podemos hoje. Quando aperta muito, a gente faz um bico, ajuda com trabalhos em outros sindicatos. E vai se virando.”

“Infelizmente, não podemos suprir tudo. Nos esforçamos para que a ajuda de custo chegue o mais próximo possível do valor do salário-base. E isso, depois, terá de ser devolvido aos companheiros”, diz o secretário-geral do sindicato, Alex Fernandes.

A conta é alta. Segundo o sindicato, o salário médio dos demitidos era de aproximadamente R$ 3.500. O vale-refeição era de R$ 669 mensais, e o vale-alimentação, de R$ 290. Em um ano, apenas a soma desses valores supera os R$ 2 milhões para todos os demitidos. Isso sem contar adicionais, 13º salário, férias e outros benefícios.

Esse valor terá de ser pago, retroativamente e com correção monetária, pelo governo paulista, caso a decisão final seja favorável aos metroviários, o que deve onerar fortemente os cofres públicos. Isso poderia ser evitado se o Metrô tivesse cumprido a legislação trabalhista, realizando o processo administrativo e só cumprido as demissões – caso fossem cabíveis – ao final do processo.

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Processo judicial

Apesar do detalhamento na descrição das ações dos metroviários, o Metrô foi incapaz de provar isso ao juiz Thiago Melosi Sória, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, que considerou “inválidas as dispensas por justa causa”. Para ele, ficou demonstrado que a companhia demitiu os trabalhadores sem apresentar provas concretas e desrespeitando a legislação trabalhista. A decisão é de 15 de abril deste ano.

No entanto, como uma liminar anterior que já determinava a reintegração foi cassada, em segunda instância, pelo tribunal, Sória considerou que não seria correto determinar a reintegração imediata. “Exclusivamente por esse fundamento, a fim de que não ocorra desrespeito à decisão tomada em superior instância, indefiro a antecipação de tutela requerida pelo autor”, argumentou o magistrado na decisão, impossibilitando que os trabalhadores retomassem seus postos.

Para o jurista e professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior, tecnicamente o mandado de segurança sobre a liminar não atingiria a decisão de mérito. “Na sentença, quando ele já tem uma cognição plena do caso, já analisou tudo, a decisão tem outra eficácia. Portanto, o mandado de segurança não atingiria essa decisão”, avalia. Souto Maior ressalta que isso, no entanto, é uma questão de interpretação e que a decisão de Sória não pode ser considerada incorreta.

Para o professor, o problema é que, historicamente, a defesa dos direitos sociais e trabalhistas encontra dificuldades para ser garantida no sistema judiciário brasileiro como um todo. “A Justiça é muito mais eficaz para garantir alguns direitos que outros. Quando se trata de reintegração de posse, interdito proibitório, que é utilizado contra a greve, você tem remédios judiciais que são cumpridos de forma imediata, com força policial, inclusive. Agora, supressão de direitos trabalhistas, falta de registro, acidentes de trabalho, dispensa como represália a greve, a reparação desses direitos tem uma dificuldade muito maior. É uma disparidade que não se justifica de forma alguma. Devia ser justamente o contrário”, defende.

Alex SantanaMas a categoria não enxerga assim. “Considero que a decisão do juiz foi desse jeito por pressão do governo estadual. Se você avaliar a decisão, ele faz toda uma argumentação demonstrando que não há provas de nada contra a gente, que tem de reintegrar. Aí no final da sentença, em uma linha, ele explica que não pode reintegrar”, diz Alex Santana Vieira.

A decisão de Sória refere-se a 37 trabalhadores. O caso do presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), Paulo Pazin, compreende outro processo e deve ser julgado ainda este mês. Dos 42 demitidos, quatro foram reincorporados ainda no ano passado. Dois deles ganharam na Justiça, em definitivo, o direito à reintegração. Em outras duas situações, a companhia reconheceu pouco tempo depois que havia se enganado.

O caso desses é emblemático. Um teria invadido a estação Ana Rosa, que interliga as linhas 1-Azul e 2-Verde, “danificando as fechaduras” e “impedindo a entrada de funcionários” em 6 de junho, às 6h15. O outro teria impedido o fechamento da porta do trem G-24 na estação Santa Cecília, na Linha 3-Vermelha, às 7h15 do dia 7. A mesma acusação que foi feita a Marília.

No entanto, as acusações eram insustentáveis. Ambos sequer participaram de ações de greve naqueles dias. E acabaram reincorporados às funções em 7 de julho, um mês depois das demissões. Em comunicado interno, o Metrô informou aos funcionários que a readmissão foi uma “decisão de caráter técnico e envolveu a reavaliação das evidências coletadas durante as ações no dia de greve”.

Telegrama de demissãoEmbora esses dois casos tenham sido mais evidentes, os demais não diferem muito. Dezoito metroviários foram demitidos por impedir o “fechamento da porta do trem (composição H-58), interrompendo a circulação dos trens”. H-58 é a identificação do trem. Todos teriam realizado a ação no dia 5 de junho, às 20h15, na estação Tatuapé, na Linha 3-Vermelha. Outros sete tiveram a mesma acusação na composição G-24 na estação Santa Cecília, na Linha 3-Vermelha. E também ao mesmo tempo: às 7h15 do dia 7 de junho.

“Testemunhas da ré confirmaram que a circulação dos trens foi interrompida (…). No entanto, nenhuma dessas quatro testemunhas reconheceu quais foram as pessoas que efetivamente seguraram as portas do trem. A reclamada, em seu depoimento pessoal, também admitiu que não sabia dizer se os substituídos (metroviários) efetivamente seguraram as portas do trem”, argumenta Sória.

Dezenove metroviários foram dispensados por ter danificado fechaduras durante a invasão da estação Ana Rosa, no dia 6 de junho. Local que também foi palco de uma guerra após a invasão da Polícia Militar à estação. No entanto, o juiz afirmou que “a reclamada não provou que houve invasão da estação e danos a alguma fechadura ou porta, fato que serviu de motivação para a dispensa por justa causa”.

A área técnica do Metrô elaborou uma lista de depredações que foi encaminhada ao Ministério Público à época, que não faz nenhuma menção a “fechaduras quebradas” na Ana Rosa nem a qualquer outro dano ocorrido na estação durante a greve.

Entre tantas contradições, os metroviários seguem buscando a reintegração por todos os meios. Há duas semanas, representantes dos trabalhadores foram a Brasília para relatar a situação deles a uma missão técnica da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que vieram ao país levantar informações sobre práticas antissindicais.

O departamento jurídico do sindicato está avaliando medidas para tentar garantir a reintegração imediata dos trabalhadores. Enquanto isso, os metroviários alimentam a esperança de voltar ao serviço. “Eu não tenho interesse de sair do Metrô e trabalhar em outro lugar. Quero voltar a trabalhar na condução de trens. Eu gosto do que eu faço”, diz Marília.

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