Comércio ambulante

Medida da prefeitura de SP que retira camelôs do centro é contestada

Sindicato dos Permissionários diz que portaria é ilegal e quer revogação imediata

Mario Angelo/Sigmapress/Folhapress

Ambulantes se acorrentaram ontem, sob chuva, e dizem que a prefeitura alegou só poder atendê-los na sexta

São Paulo – O Centro Gaspar Garcia e a Defensoria Pública de São Paulo pretendem ingressar amanhã (17) na Justiça com pedido de suspensão de decisão da prefeitura de São Paulo de promover mudanças no comércio ambulante na região central da capital. A portaria do secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo, Ricardo Teixeira, publicada no último dia 10, determina que o comércio de rua nas subprefeituras da Mooca e da Sé seja extinto em 30 dias, com remanejamento de parte dos trabalhadores para a Feirinha da Madrugada, no Brás.

A portaria contraria parecer emitido pela juíza Carmen Cristina Teijeiro, da 5ª Vara de Fazenda Pública, do Tribunal de Justiça de São Paulo, expedida no dia 22 de maio. Respondendo a um pedido da prefeitura pela extinção de Ação Civil Pública sobre o tema, a magistrada concedeu ao município prazo de 120 dias para apresentar um plano de realocação do comércio ambulante.

Depois disso, os trabalhadores teriam 60 dias para se manifestar. No entanto, na semana passada, a prefeitura publicou a Portaria Intersecretarial nº 5 de 2015, abrindo 1.200 vagas na Feirinha da Madrugada para candidatura dos trabalhadores, que serão escolhidos por meio de sorteio, mas sem apresentar o estudo à Justiça.

A portaria justifica a extinção para facilitar intervenções viárias na região central da cidade e a fiscalização do comércio irregular. E dá um prazo de dez dias para os ambulantes se candidatarem a uma das vagas e de 30 dias para extinguir o comércio ambulante nas ruas. A reportagem tentou contato com a prefeitura de São Paulo e não obteve resposta.

Para Alcides Benvino de Oliveira, vice-presidente do Sindicato dos Permissionários do Município de São Paulo (Sinpesp), a portaria é ilegal. A entidade quer a revogação imediata da medida. “Estamos sub judice, trabalhando por conta da liminar. E temos toda uma negociação que vem sendo realizada há anos, mas que não foi concluída. Essa decisão da portaria foi tomada exclusivamente pela prefeitura e não deixa brechas aos ambulantes. Quem não conseguir uma vaga na feirinha não vai poder mais trabalhar”, afirmou.

Segundo Benvino, os ambulantes consideram o espaço da Feirinha da Madrugada “inadequado” para o sistema de trabalho de quem está nas ruas. “Nós trabalhamos no varejo, durante o dia, em várias ruas da região central. Lá é um local restrito, fechado, dominado pelo comércio atacadista e com horário restrito. Além disso, as vagas não atendem a todos os trabalhadores”, disse.

O sindicalista atribui à decisão da prefeitura caráter político. “O prefeito quer agradar os comerciantes da região central, sobretudo da Rua 25 de março. Nós demos apoio a ele na eleição e agora estamos sendo traídos. Esse é o sentimento dos trabalhadores ambulantes”, criticou Benvino. Para ele, a prefeitura está buscando trocar os ambulantes pelos food trucks, carrinhos para venda de alimentos, cuja regulamentação foi aprovada no ano passado pela Câmara Municipal.

A prefeitura informou por meio de nota que estendeu o horário de funcionamento da feirinha até as 16h e que investiu R$ R$ 20 milhões no local desde 2013. “Com a reforma, a Feira da Madrugada dobrou o número de boxes e destinou as novas vagas para ambulantes que possuem TPU (Termo de Permissão de Uso) e atuam nas ruas da cidade”, diz a nota. Afirma ainda manter diálogo permanente com os representantes da categoria e que irá analisar o pleito dos comerciantes para que as mudanças ocorram sem causar transtornos aos trabalhadores.

Na manhã de hoje (16), cerca de 500 ambulantes ocuparam a Câmara Municipal para pedir apoio dos vereadores contra a portaria da prefeitura que extingue o comércio ambulante na região central. Depois disso, os camelôs iriam se dirigir à prefeitura, onde pretendem ser recebidos pelo prefeito.

Desde ontem (15), um grupo de trabalhadores portadores de necessidades especiais está acorrentado em frente à prefeitura, exigindo a revogação da portaria. “Se não houver diálogo, vamos todos acampar em frente à prefeitura. Não vamos aceitar que a prefeitura retire nosso direito ao trabalho”, afirmou Benvino.

A coordenadora do projeto Trabalhadoras Informais, do Centro Gaspar Garcia, Tatiane Ladeira Coghi, avaliou que a prefeitura só ganhou tempo com o diálogo, mas nunca pretendeu resolver a situação dos camelôs. “A gestão está tentando acabar com a ação civil pública, fingindo que houve planejamento e participação na decisão. No entanto, continuamos sem funcionamento das Comissões Permanentes de Ambulantes (CPA) e o plano de comércio ambulante não avançou”, disse.

Em 2012, ainda candidato, Haddad dialogou com os ambulantes e elaborou algumas propostas que foram incorporadas ao seu programa de governo. Entre elas, reativar as CPAs das 32 subprefeituras, criando agências de desenvolvimento para desburocratizar a gestão do comércio ambulante; promover empréstimos com juros baixos; e implantar o Conselho Municipal do Comércio Ambulante para negociar a regulamentação da atividade. Nenhuma delas foi cumprida.

“As propostas do prefeito eram muito ousadas. Mas no fim o que percebemos é um movimento para acabar com os camelôs. Um dos pedidos da ação era para que a prefeitura fizesse um diagnóstico da atuação dos camelôs. Quantos são, onde trabalham, situação. Nem isso foi feito”, destacou Tatiane.

Esse diagnóstico deveria resolver um dos problemas mais básicos na discussão: não há clareza sobre o número de camelôs autorizados a trabalhar na região central de São Paulo. A prefeitura, em nota, falou em 700. Os trabalhadores falam em 900, só na região da subprefeitura da Sé. Já a ação civil pública descreve 1.900.

Autor de um projeto de lei que regulamenta a atuação dos camelôs na capital paulista (PL 78/2014), o ex-presidente da Câmara Municipal e atual deputado estadual José Américo (PT) defendeu que o prefeito revogue a portaria. “A prefeitura precisa acertar essa proposta. A portaria não garante vagas para todos e muitos ambulantes não têm condições econômicas de ir para a feirinha. O ideal seria suspender qualquer atividade nesse sentido e abrir uma nova conversação com os trabalhadores”, afirmou Américo, em reunião com os camelôs na Câmara.

A ação civil pública foi impetrada em maio de 2012, quando a Defensoria Pública e o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos questionaram o decreto do então prefeito e atual ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), que cassou todos os Termos de Permissão de Uso emitidos pela prefeitura. O documento é a autorização para o trabalho dos ambulantes nas ruas da capital paulista.

Em junho daquele ano, a magistrada expediu uma liminar autorizando os camelôs a voltarem ao trabalho e determinando que prefeitura e trabalhadores negociassem um plano municipal para o comércio ambulante. No entanto, após “dezenas de reuniões”, como dizem os camelôs, a prefeitura rechaçou a proposta de plano apresentada pelo Fórum dos Ambulantes.