Metalúrgicos

Prisão de sindicalistas reforçou greve em 1980, afirma Lula

Evento em São Bernardo destacou importância histórica do movimento para a volta da democracia

Jesus Carlos / Imagem Global

Principais líderes da greve, que durou 41 dias, e é considerada um marco do sindicalismo brasileiro

São Paulo – Marco na história recente do movimento sindical, a greve dos metalúrgicos do ABC em 1980 é tema de encontro realizado no sindicato da categoria com a presença do Ministério Público e da Justiça do Trabalho. Na abertura do evento, ontem (28), foi avaliado como um movimento malsucedido do ponto de vista econômico, mas importante na perspectiva política. Presidente do então sindicato de São Bernardo e Diadema, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva avalia que sua prisão e a de outros dirigentes reforçaram um movimento que aparentemente enfraquecia, após a interrupção da negociação pelos empresários. “Por obra divina, os militares me prenderam”, afirmou.

Depois da intervenção federal nos sindicatos de São Bernardo e de Santo André, alguns dirigentes são presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional, em 19 de abril. O Brasil ainda vivia a ditadura, no segundo ano de mandato do último dos generais-presidentes, João Figueiredo. O governo proíbe assembleias no estádio de Vila Euclides (atual 1º de Maio), em São Bernardo – os trabalhadores passam a se reunir na Igreja Matriz. E o 1º de Maio daquele ano, lembrado até hoje, seria realizado sob intenso aparato repressivo, com agentes da PM, Dops, DOI-Codi e Polícia Federal. Após muita negociação, as ruas foram liberadas e a manifestação somou mais de 100 mil pessoas. Decretada em 30 de março, a greve durou 41 dias.

“Muitos trabalhadores foram mandados embora e a gente não ganhou nada. E saímos do estádio como heróis”, disse Lula. No ano anterior (1979), lembrou, os metalúrgicos conseguiram um bom acordo, mas os dirigentes chegaram a ser vistos como traidores. “Levou tempo para recuperar a confiança dos trabalhadores”, afirmou o ex-presidente, acrescentando que, de certa forma, a greve de 1980 começou no ano anterior, com a ideia de fazer um movimento mais forte. Com isso, a preparação começou ainda no segundo semestre de 1979, meses antes da data-base. Foi formada uma comissão de mobilização com mais de 400 metalúrgicos.

Lula destacou também a importância da greve iniciada na Scania em 12 de maio de 1978, que se tornou precursora de outros movimentos. Na plateia, estava presente Augusto Portugal, um dos líderes daquele movimento, sentado ao lado de Djalma Bom, ex-deputado e ex-dirigente do sindicato, também preso no Dops em 1980. Segundo Lula, depois de alguns dias a Scania fechou um acordo em separado com os metalúrgicos, mas recuou após ser pressionada pelas outras montadoras da região.

Ao falar da organização nos locais de trabalho, Lula disse que o Brasil “está cheio de sindicatos” que não querem comissões de fábrica. Reclamou de dirigentes que se eternizam no poder. “Perdi três eleições para presidente, uma para governador, ganhei uma para deputado, duas para presidente e tem gente que continuava lá. Não é possível.”

Para ele, o “leque” das lutas sindicais aumentou e não pode se limitar às portas de fábrica. Lula também lamentou que parte do movimento resista à negociação efetiva. “É mais fácil falar do que fazer.”

O diretor-adjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, o norte-americano Stanley Gacek, contou que seu primeiro contato com o Brasil foi justamente em São Bernardo, em fevereiro de 1981. “Testemunhei o surgimento de um novo espírito de democracia nas relações do trabalho no Brasil”, afirmou.

Recém-saída da escritório da OIT no país depois de quase uma década, Lais Abramo, agora diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vê o período de 1978/1980 “o mais expressivo ciclo grevista da história brasileira”, ainda diante dos “estreitos limites” da distensão política e do processo controlado de abertura. “Foi muito mais que uma reivindicação salarial ou até mesmo pelo respeito aos direitos sindicais”, afirmou, identificando no movimento metalúrgico uma “recuperação da dignidade” sob a ditadura.

O simpósio organizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em parceria com a Escola Superior do Ministério Público da União e com o Ministério Público do Trabalho, termina hoje (29) com quatro mesas de debates, relacionados à negociação coletiva. O encerramento está previsto para o final da tarde.