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Curitiba: professores resistem a desmanche da educação pública

Em um estado em que a contratação de servidores temporários transformou-se em política corriqueira, categoria conta com a solidariedade para recuperar a dignidade

Ricardo Gozzi

Kleber, Veroni, Simone e Déborah, professores do Paraná em greve por condições dignas de trabalho e ensino, sob ataques do governo estadual

Curitiba – Enquanto a paralisação dos professores da rede pública do Paraná entra pela terceira semana, a solidariedade com os trabalhadores tem sido uma das marcas da crise que atrasou o início do ano letivo nas escolas e também atinge as universidades estaduais.

O professor de Filosofia Kléber Mendes contou com a ajuda de colegas da escola onde trabalha em Curitiba. “Eles ficaram sabendo que eu estava em dificuldades, fizeram uma vaquinha e me deram o dinheiro para eu poder pagar minhas contas. Se eu tenho água, luz e gás é graças a eles”, relatou o professor.

Acampados há duas semanas na Praça Nossa Senhora da Salete, situada em frente ao Palácio Iguaçu e à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Déborah, Simone e Kléber montaram um pequeno bazar. No fim do dia, eles dividem entre si o dinheiro levantado com a venda dos itens para aliviar um pouco as dificuldades financeiras.

“Estou financiando uma casa pela Caixa. No mês passado eu me virei pra conseguir pagar a prestação, mas este mês eu ainda não sei como vou fazer”, relata Déborah.

Veroni Salete Del Ré é professora efetiva, mas é solidária com seus colegas temporários e apoia suas reivindicações. “Minha situação é bem mais confortável. Sou concursada e estou há 24 anos na mesma escola. Sou a primeira a escolher aulas. Já os temporários pegam as aulas picadas, uma turma de manhã, outra de tarde, às vezes nem sobra noite numa escola. Muitas vezes pegam aulas em duas, três, até quatro escolas. Os temporários são o segmento mais penalizado da nossa profissão”, avalia Veroni.

O grande número de professores temporários também se deve ao fato de o governo paranaense ter ficado muitos anos sem promover concursos para a docência. Na prática, a contratação de servidores temporários transformou-se em política de estado no Paraná. Até mesmo soldados da Polícia Militar convocados no ano passado foram contratados temporariamente.

Simone Aparecida Fiorati leciona Matemática e Biologia. Há 17 anos ela trabalha como professora temporária em escolas estaduais paranaenses. Como acontece todos os anos desde o início dessa prática pelo Estado, Simone e os demais professores temporários do Paraná foram dispensados em dezembro de 2014 à espera de serem recontratados para mais um ano de trabalho em janeiro de 2015.

Mas este ano, ao contrário do que ocorreu em períodos anteriores, além de não ter sido recontratada, Simone não recebeu as verbas indenizatórias referentes ao término do último contrato. Sem dinheiro para pagar as contas, ela passou a depender da solidariedade de familiares e vizinhos.

Nas últimas semanas ela recebeu duas cestas básicas do padre da igreja do bairro onde mora e pagou algumas contas atrasadas graças a bicos como diarista em casas de pessoas conhecidas. “Minha mãe também ajudou: pagou água, luz e as despesas com material escolar para o meu filho”, explica.

Na semana passada, com dois meses de atraso, o governo paranaense comprometeu-se a pagar os R$ 82 milhões em indenizações devidos aos cerca de 29 mil professores temporários, cujos contratos expiraram em dezembro. Apesar da falta de acordo e da greve por tempo indeterminado, representantes do governador tucano Beto Richa asseguram que na terça-feira (24) o dinheiro estará na conta dos professores que devem ser indenizados.

Os professores preferem esperar para ver se a promessa será cumprida. “Isso nunca tinha acontecido antes”, afirmou a professora de História Déborah Fait, temporária desde 2008, em entrevista à RBA. “Não sabemos se o governo vai realmente depositar.”

O número de professores temporários costumava variar de acordo com a necessidade. Ao longo dos últimos anos, a quantidade de docentes contratados temporariamente aumentou gradativamente até atingir cerca de 29 mil em 2014. Este ano, com os cofres públicos à beira do colapso, o governo fechou inesperadamente turmas e até escolas inteiras. Com isso, apenas 10 mil professores temporários receberam atribuição de aulas em janeiro. Mesmo que venham a ser indenizados, os cerca de 19 mil professores restantes ficarão na rua, pelo menos no curto prazo.

É possível que parte desses temporários seja reconduzida em caso de acordo entre governo e professores, uma vez que o Palácio Iguaçu concordou em retomar o porte das escolas verificado em dezembro de 2014, mas a continuidade da greve e a insistência do governo em promover cortes drásticos no orçamento da educação impedem qualquer espécie de prognóstico.

Em 2014, o governo abriu concurso para contratar 13 mil professores e pedagogos. Apenas 5.522 foram chamados. Dias depois da convocação, mais de mil deles foram dispensados depois de terem assumido seus postos. “Muitos gastaram mais de mil reais do próprio bolso para fazer os exames admissionais, que não são pagos pelo governo, outros pediram demissão de emprego, alguns até mudaram de cidade, para dias depois o governo chegar e dispensar”, critica Déborah.

Na semana passada, o governador Beto Richa (PSDB) concordou em empossar os mais de mil concursados dispensados na ocasião. O concurso em questão, no entanto, é polêmico. O baixo número de aprovados levou muitos dos candidatos a pedirem vistas das provas. Quando receberam as provas corrigidas, a surpresa: muitos deles não tiveram suas redações nem ao menos corrigidas. “É uma situação humilhante essa que estamos passando”, resume Kléber.

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