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Sucessão em cooperativas é desafio para a economia solidária

Falta de engajamento de jovens em empresas recuperadas preocupa especialistas do setor, que apontam também como problemas a dificuldade de administrar no dia a dia e a obtenção de crédito

Arquivo CUT

Uniforja, de Diadema, foi recuperada pelos trabalhadores: uma entre 70 empresas que passaram pelo mesmo processo

São Paulo – Cerca de 70 empresas que faliram nas últimas décadas no Brasil foram assumidas pelos trabalhadores e tornaram-se cooperativas. O mesmo fenômeno tem aumentado em todo o mundo, especialmente desde a crise econômica de 2008. Um seminário sobre o setor foi realizado este mês em São Bernardo do Campo (SP) para discutir os gargalos como a problemática de obtenção de crédito. Porém, um assunto chama a atenção: a sucessão no comando dessas empresas.

A falta de engajamento da juventude nas cooperativas de empresas recuperadas é confirmada por Arildo Mota, presidente da Unisol Brasil, entidade que é uma espécie de sindicato dessas empresas. “Boa parte dos jovens (trabalhadores em cooperativa ou filhos deles) não acompanhou a luta da transição da empresa para cooperativa. Os trabalhadores mais antigos, além de ter vivenciado toda a mudança, muitas vezes, ainda passaram 20 ou 30 anos naquela fábrica. Ela faz parte da história deles e, por isso, o lado afetivo e emocional é diferente. Não podemos cobrar o mesmo engajamento. Os jovens são mais práticos e desprendidos porque não estão no contexto histórico. Porém, isso no futuro também pode ser um problema para as cooperativas”, contou Mota.

Se a sucessão preocupa, manter a atividade em pé é outra dificuldade. Diagnóstico do setor foi traçado durante três anos por grupos de pesquisadores da área de economia solidária de universidades de todo o País. “Conhecemos a realidade de empresas recuperadas por trabalhadores de diversos segmentos, constamos que a maioria está no Sul e Sudeste e envolve centenas de pessoas. Porém, a maioria apresenta dificuldade na gestão e financeira”, disse a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Mariana Giroto.

As dificuldades começam na mudança do dia a dia do trabalhador, que agora é também dono do negócio. “A maioria das empresas foram assumidas por trabalhadores que dedicaram parte da vida àquela fábrica. E virar chefe da noite para o dia é complicado, por isso, a gestão das empresas é um ponto delicado. As burocracias jurídicas e econômicas muitas vezes dificultam o dia a dia, pensar em inovação é também uma cultura que leva tempo para desenvolver”, disse Mota.

Pires na mão

O acesso ao crédito é outro fator determinante para a sobrevivência do negócio e com a lei do cooperativismo atual se torna muito inacessível obter financiamento. “O sistema financeiro no Brasil é extremamente burocrático. As empresas recuperadas, assim como cooperativas, necessitam oferecer garantias de crédito semelhantes às empresas convencionais, e não são levados em conta as características e os contextos diferentes entre uma e outra. E sem obtenção de crédito é difícil investir em maquinário, matéria-prima e até na compra da massa falida. Vamos lutar para que essas exigências mudem, a partir de ações dentro do Plano Nacional de Economia Solidária, que está em elaboração pelo governo federal”, explicou o assessor técnico da Unisol Brasil, Ariel Fassolari.

Apesar das restrições, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já destinou nos últimos 12 anos cerca de R$ 160 milhões para ações de economia solidária. “O banco tem produtos e serviços os quais as cooperativas podem usufruir, como o Fundo Garantidor e o cartão BNDES. Além do banco, há estudos para modificações no Programa de Apoio à Consolidação de Empreendimentos Autogestionários”, disse o representante do BNDES Francisco Oliveira.

“As empresas recuperadas são tendência mundial, e no Brasil as leis que envolvem o cooperativismo e a falência precisam ser modernizadas e facilitar o dia a dia das cooperativas. Com o Plano Nacional de Economia Solidária vamos buscar acelerar que essas leis sejam aprovadas e que os trabalhadores que tenham interesse em assumir suas fábricas consigam realizar a papelada de maneira mais rápida. Isso é possível, como na França já acontece”, disse o secretario de Economia Solidária, Paul Singer.

Herdeiros largam negócio da família

De acordo com Paul Singer, secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, a perspectiva é que nos próximos anos aumente ainda mais o número de empresas recuperadas por trabalhadores, já que boa parte dos jovens herdeiros de empresas não se interessam pelo negócio da família. “No entorno de Paris existem cerca de 387 mil empresas, mais da metade o dono tem mais de 55 anos e os filhos não querem cuidar do negócio”, disse.

De acordo com Singer, o parlamento francês aprovou no dia 31 de julho uma lei que incentiva a criação de cooperativas de empresas recuperadas, obrigando o dono a informar com meses de antecedência os funcionários se tem intenção de fechar a fábrica para que, se quiserem assumir, tenham tempo de se organizar. “Acho isso totalmente plausível e inovador. Pretendo que o Brasil tenha mecanismos semelhantes. A juventude de hoje tem mais acesso a educação e oportunidades de trabalho, são outros tempos. E por isso, não têm interesse em cuidar da empresa criada pelo pai ou pelo avô. Melhor então, passar a oportunidade de manter as portas abertas para trabalhadores que dedicaram anos e conhecem bem o negócio”, disse.

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