Campanha salarial

Juvandia: ‘Gestão dos bancos é desconectada da responsabilidade social’

Para presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, soluções para adoecimentos, condições de trabalho e de atendimento estão ao alcance dos bancos. 'O que falta é gestão mais conectada da responsabilidade social'

Mauricio Morais/Sindicato dos Bancários

Juvandia: gestão dos bancos causa ‘tragédia social’, com prejuízos para bancários, clientes e as contas públicas

Uma das maiores categorias do país com campanha salarial em andamento, mais de 500 mil bancários acompanham com expectativa as negociações para renovação da convenção coletiva nacional, com data-base em 1º de setembro. De cada quatro bancários do país, um trabalha na base do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, presidido por Juvandia Moreira. Segundo ela, os bancos brasileiros têm uma das rentabilidades mais elevadas do mundo e teriam plenas condições de não só atender às demandas salariais – o reajuste reivindicado é de 12% –, como também resolver o que chama de “tragédia social”.

Uma combinação de redução de postos de trabalho nos últimos anos, com piora das condições de atendimento de clientes e usuários e degradação da saúde física e emocional dos que trabalham submetidos a sobrecargas e pressões por metas abusivas. “O problema é que a gestão do sistema bancário é extremamente voltada para o lucro e os resultados e desconectada da responsabilidade social”, diz.

De acordo com os representantes das instituições financeiras que participam da mesa de negociação (BB, Caixa, Bradesco, Itaú, Santander e HSBC), as demissões ocorridas nos últimos 12 meses são feitas com “responsabilidade” e que a maioria dos bancários que deixam seus empregos pedem para sair. A argumentação foi rebatida pelos representantes dos bancários com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre agosto de 2013 e julho de 2014, 62,8% dos desligamentos aconteceram por iniciativa dos bancos. “Estamos falando de pessoas e não só de números”, afirma Juvandia. “São mais de 5 mil pais e mães de família que dispensados.”

Nesta entrevista, ela faz uma análise das negociações que ainda estão em curso. Começaram a ser tratados na mesa, além do emprego, problemas relacionados à insegurança nas agências, igualdade de oportunidades, saúde e condições de trabalho. “No geral, não tem havido grandes avanços. Mas esperamos este ano que a gente tenha uma campanha melhor, sem necessidade de fazer greve, para que não tenha aquele desgaste para a categoria e para a sociedade, por falta de compromisso dos bancos”, afirma.

Como você tem notado a postura dos bancos e o que dá para imaginar depois das três rodadas realizadas?

Nós separamos as rodadas de negociação semanais por temas – saúde e condições de trabalho, segurança, igualdade de oportunidades. Na questão da segurança foram apresentados resultados de experiências aplicadas em algumas regiões, de monitoramento interno e externo, instalação de biombos que impedem a visão das operações feitas nos caixas, que têm sido eficientes contra assaltos e golpes de saidinhas de banco. Apresentamos estudos de acompanhamento para que essas medidas sejam adotadas no país inteiro e esperamos por respostas. Mas no geral não tem havido grandes avanços. Esta semana a gente entra em uma discussão sobre o emprego, esse é um dos grandes problemas hoje do setor privado.

Diminuiu o número de bancários empregados?

Sim, a partir do ano passado você começa a observar uma tendência de redução, porque está havendo muita troca, muita rotatividade, substituição por empregados com salário menor e fechamento de vagas. É o que temos acompanhado pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho). O saldo só não tem sido pior porque o setor público, especialmente a Caixa Econômica Federal, tem mantido a oferta de emprego, aliás, é o único banco que está contratando, até porque está no acordo coletivo. A rotatividade ainda é muita utilizada aqui no Brasil pelas empresas para reduzir custo.

E essas pessoas que estão saindo estão se recolocando em outro banco no mercado?

Alguns vão, porque os bancos têm uma política agressiva de atrair bancário de outro banco, que recebe uma proposta de salário maior, e leva a sua carteira de clientes. Mas não me parece que isso ocorra em quantidade. O fato é que hoje o número de demitidos por decisão do banco é maior do que o número de pedidos de demissão, e o de desligamentos, muito maior que o de contratações.

Há três anos, em julho de 2011, o saldo do emprego bancário em 12 meses era positivo em mais de 26 mil vagas. Foram 60 mil admissões e 34 mil desligamentos, sendo que desses desligamentos metade era por decisão da empresa e metade não. E isso vem piorando. Entre agosto do ano passado e julho deste ano, o saldo foi negativo em mais de 5.500 empregos. Houve 40.500 desligamentos e 35 mil contratações. E dos desligamentos, 63% foram por decisão do banco e apenas 37% por iniciativa do empregado, por aposentadoria ou por morte.

O desempenho dos bancos explica essa tendência de queda?

De maneira alguma. A queda de postos no setor bancário tem só um nome: ganância. O lucro dos cinco maiores bancos agora no fim do primeiro semestre é de R$ 28,5 bilhões, 16,5% maior do que o ano passado. Então, o que os bancos fazem é fruto de descompromisso com os trabalhadores, com a sociedade, porque a demissão e o corte de postos de trabalho quando se tem um lucro tão alto é falta de responsabilidade social. E é isso que tentamos discutir nesta campanha salarial: não precisa disso. É possível manter os empregos, contratar mais gente, melhorar o atendimento, reduzir os afastamentos por doença e ainda por cima alcançar uma rentabilidade elevada. É possível discutir planos de carreira, para que os empregados conheçam os critérios de ascensão. É possível corrigir as distorções que fazem com que as mulheres estejam nos cargos de menor remuneração.

Os bancos aceitam discutir as questões relacionadas à igualdade de oportunidades?

Discutir se discute, mas há pouca transparência em relação aos números. Esse é um tema que devemos voltar a debater na mesa de negociação, juntamente com a questão da saúde, porque os dados que os bancos apresentam não batem com os nossos. As mulheres estão em cargos de menores salários, têm dificuldade de chegar em cargo de direção, de comando, e isso tudo é falta de transparência, falta de critério claro para as ascensão profissional. Teremos de voltar a falar sobre isso com base no censo da diversidade, que é um retrato da categoria que foi feito este ano. Eles dizem, por exemplo, que aumentou a presença de negros no universo bancário. Mas a Rais (Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Trabalho) indica que diminuiu de 19% em 2009 para 17% no ano passado a presença de negros da categoria. E a gente vem insistindo na importância de aumentar, de estabelecer cotas. Em Salvador, por exemplo, onde 80% da população é negra, dentro dos bancos só tem 12% de negros.

Faltam dados sobre saúde e adoecimentos?

Vamos voltar à mesa com esse assunto para cruzar os dados oficiais que temos, do INSS, com os dos bancos, que não batem. Precisamos fazer uma análise de quem está adoecendo e por quê. O que está acontecendo no sistema financeiro, 18 mil pessoas afastadas por doença decorrente das más condições de trabalho – sendo 27% delas por transtornos emocionais e outros 24% por lesões por esforço repetitivo –, é socialmente uma tragédia. A questão da saúde está sempre com piora nos últimos anos, um quadro muito duro. Os bancos já estão no grau de risco 3, da Previdência, ou seja, já são obrigados a recolher um percentual maior porque no bancos se adoece mesmo. O sistema financeiro dá prejuízo aos cofres públicos pelo volume de seguro-desemprego que demanda, com a alta rotatividade, e pelo grande número de afastamentos que exigem o pagamento do auxílio-doença pelo INSS. Então, as demissões pesam para a sociedade em vários aspectos.

Como assim?

Pesam para quem fica, porque é sobrecarregado de trabalho e de pressões, acaba adoecendo, são 27% dos adoecimentos por estresse mental, depressão, Síndrome do Pânico, 24% lesões por esforços repetitivos, acumulo de trabalho, sobrecarga. Pesa para os clientes e usuários, com a piora do atendimento. E pesa para os cofres públicos, com gastos com seguro-desemprego e auxílio-doença. Os bancos são os que mais se apropriam do orçamento do estado federal com essas práticas. E não basta trazermos os números, fazer a política de detectar onde se pratica o assédio moral etc. É preciso mudar a gestão dos bancos, extremamente voltada para o lucro, os resultados e desconectada da responsabilidade social.

Como estão as expectativas salariais?

A gente entrou no debate dos pisos. Nossa reivindicação é que o piso seja equivalente ao que seria um salário considerado mínimo pelo Dieese (R$ 2.979) como necessário para o sustento de família de quatro pessoas. E para os salários queremos reajuste de 12%, incluídos reposição de inflação e aumento real. Esperamos este ano que a gente tenha uma campanha melhor, uma campanha sem necessidade de fazer greve, para que não tenha aquele desgaste que a gente teve no ano passado – para a categoria e para a sociedade. Isso tudo é falta de compromisso dos bancos, enfim. Mas isso tudo é expectativa dos trabalhadores, isso é o mínimo que os bancos podem fazer com o desempenho que têm, comparado com outros setores da economia ou com o sistema bancário internacional.

Um estudo da consultoria Economática comparando Brasil e Estados Unidos mostra que os três primeiros em rentabilidade são bancos brasileiros. Aqui é de fato um lugar fácil para banqueiro ganhar dinheiro. Historicamente, ganham sempre, lucram quando o país cresce e ganham mais fácil ainda quando tem recessão.

Leia também

Últimas notícias