cartão vermelho

Entidades contestam uso de crianças pela Fifa como gandulas na Copa

Para Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, atividade é classificada como ocupação, expõe criança a pressões e assédio e contraria normas da OIT e legislação brasileira

Portal da Copa

Com idade entre 13 e 16 anos, gandulas passam por treinamento para trabalhar nos jogos em Pernambuco

São Paulo – O 12 de junho deste ano será marcado pela abertura da Copa do Mundo no Brasil. Além da festa, a partida inaugural entre Brasil e Croácia já tem previsto pelo menos um belo gol a favor da batalha mundial contra o preconceito e a desigualdade: a partida não terá o zagueiro croata Josip Simunic, punido com suspensão por dez jogos oficiais pela Fifa. O atleta foi punido por “disseminar ódio racial”, ao entoar cântico nazista em comemoração à vitória de seu time sobre a Islândia. O defensor também está proibido de acessar as dependências dos estádios onde as partidas serão disputadas.

A partida de 12 de junho – Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil –, porém, já projeta a marcação de gols contra. Aliás, em todas as 64 partidas do campeonato a Fifa prevê a atuação de crianças, acima de 12 anos, de diferentes países, como gandulas mirins.

Para o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), trata-se de retrocesso social, que contraria o Decreto nº 6481, de 12 de junho de 2008, por meio do qual o governo brasileiro ratificou artigos da Convenção 182 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) que tratam do veto a diferentes formas de trabalho infantil.

O artigo 3º da convenção desaprova a contratação de crianças para “trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança”. E o artigo 4º: “Os tipos de trabalho a que se refere o artigo 3º (d) serão definidos pela legislação nacional ou pela autoridade competente, após consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, levando em consideração as normas internacionais pertinentes, particularmente as Recomendações sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil”.

“É inaceitável que um grande evento como a Copa seja símbolo disso. Ainda há tentativa de tentar maquiar essa realidade, como sendo uma atividade lúdica, mas isso é um desrespeito à legislação brasileira”, diz a secretária executiva do fórum, Isa Maria de Oliveira.

A atividade de gandula está presente na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Os riscos que a atividade oferece a crianças e adolescentes vêm sendo discutidos com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e entidades regionais que organizam o futebol brasileiro desde 2004. Segundo Isa, desde então é recomendada a idade mínima de 18 anos para o exercício da função.

O ambiente superficialmente lúdico de uma partida de futebol é, de perto, dos locais mais propícios às ofensas morais, palavrões, assédios e ameaças de agressão física que não raras vezes sobram também para os gandulas. Uma nota técnica do Ministério Público do Trabalho (MPT) lembra ainda que, além de desrespeitar a Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil participa, a atividade é considerada prejudicial à saúde e ao desenvolvimento dos adolescentes. E cita até casos de câncer de pele decorrente da exposição excessiva ao sol.

“Por medidas de segurança elas chegarão nas cidades que sediarão o evento seis horas antes do inicio das partidas. Não é razoável uma criança ficar confinada por dez horas em um estádio de futebol. É um ambiente de pressão e estresse, que expõe a criança ao assédio moral, exige posição de vigília e guarda, sem contar a jornada noturna, para jogos neste período”, disse Isa.

O procurador-geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, encaminhou moção ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), manifestando-se contra a Recomendação nº 13, publicada em dezembro pelo órgão, que autoriza o trabalho de gandulas a partir dos 12 anos durante a Copa do Mundo. A moção é endossada pela Comissão Permanente da Infância e Juventude (Copej), pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo FNPETI.

Cartão vermelho

No dia 10 de junho, às 10h, o fórum fará o lançamento da campanha Cartão Vermelho para o Trabalho Infantil. O evento será na área externa do Museu da República, em Brasília, onde será instalado um circuito de brinquedos para crianças e adolescentes. Iniciativa do fórum, OIT e Unicef, a campanha tem como objetivo conscientizar a sociedade para a importância do enfrentamento da exploração da mão de obra infantil.

Bronca ‘lúdica’

Uma partida do campeonato inglês entre Chelsea e Crystal Palace, no último dia 29, ganhou repercussão após o técnico português José Mourinho dar uma ‘bronca’ no gandula mirim, que demorava para repor a bola. “Tive a chance de chegar perto do garoto e ele era fofo, então o alertei: Se você fizer isso, um dia alguém vai bater em você”, explicou depois em entrevista o técnico do Chelsea, que perdeu a partida por 1 x 0.

Com informações do MPT