50 anos

Debate na OAB-RJ lembra ‘legados’ da ditadura aos trabalhadores

Fim da estabilidade no emprego durante o governo Castelo Branco para atender lobby empresarial é uma das lembranças. Prédios símbolos de resistência recebem placas integrando-os a roteiro cultural

Sindicato dos Bancários RJ

Almir, Sindicato dos bancários do Rio, que teve a sede como incluída como patrimônio cultural da resistência

Rio de Janeiro – A Comissão de Justiça do Trabalho da OAB do Rio de Janeiro organizou ontem (2) debate sobre o impacto do golpe de 1964 nas relações de trabalho. O encontro contou com a presença do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho, Gustavo Tadeu Alkmim, do sindicalista Geraldo Cândido e do advogado Wadih Damous, membro e presidente, respectivamente, da Comissão da Verdade do Rio, com a mediação de Marcus Vinícius Cordeiro, presidente da Comissão de Justiça do Trabalho da OAB.

O desembargador Gustavo Tadeu Alkmim brincou dizendo que ficou com a parte difícil no debate: situar a magistratura durante o regime militar. Ele disse que, em relação às leis trabalhistas, pouca coisa mudou no poder normativo, que foi uma herança do governo Vargas, mas que houve, sim, um excesso de decretos-leis em assuntos relacionados a greves, por exemplo, quando vetou a greve no funcionalismo por motivos religiosos ou sociais e a demissão por justa causa em qualquer ato interpretado como sendo “contra a segurança”.

“Em 1969 três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – Hermes Lima, Vítor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva – tiveram de se aposentar compulsoriamente; Osny Duarte Pereira e Carlos Figueiredo Sá foram afastados de seus cargos; e a juíza Anna Acker foi processada pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, à época subserviente ao regime. Esses exemplos mostram que os juízes têm perfis e ideologias e que suas histórias pessoais estão ligadas à sociedade em que vivem. É natural que alguns magistrados tenham apoiado o golpe, assim como inúmeros setores da sociedade, e, outros, resistido”, comentou o desembargador.

Geraldo Cândido falou sobre a luta dos trabalhadores sindicalizados que sofreram com a repressão. Ele lembrou que, em 1967, o presidente Castelo Branco criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não com objetivos predominantemente sociais, como a criação de uma poupança destinada aos trabalhadores e com recursos voltados para ações sociais do Estado. O interesse maior era atender ao lobby empresarial de acabar com a estabilidade no emprego. Até então, empregados com mais de dez anos tinham direito à proteção contra demissões imotivadas., lembrou o sindicalista, que foi o primeiro presidente do Sindicato dos Metroviários do Rio de Janeiro (1981-1987), presidiu a CUT-RJ, foi senador pelo PT e integra o Grupo de Trabalho Sindical da CEV-Rio.

“O resultado da ditadura no Brasil foi de uma dívida externa de bilhões, inflação, tortura, assassinatos e desaparecimentos”, afirmou Cândido, que lembrou do Comício da Central, quando João Goulart, em 13 de março de 1964, falou sobre as reformas de base: “O comício me impressionou muito, em uma época que eu estava começando na luta operária. Uma caravana veio de Caxias com operários vestidos com o uniforme da fábrica e de capacete. Essa cena e o discurso de João Cândido, na Revolta dos Marinheiros, me fez querer lutar”.

“É importante incentivar a abordagem desse período que ainda é pouca explorada. Se entrarmos em uma livraria há uma quantidade enorme de livros sobre a ditadura, e 99% dessa produção diz respeito ao pós 68, mas houve uma intensa repressão em 1964 aos trabalhadores e aos militares que não aderiram ao golpe e essa história precisa ser contada”, disse o presidente da Comissão Estadula da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), Wadih Damous, que também comentou sobre as permanências da ditadura.

“Se compararmos a ditadura brasileira com a do Chile e a da Argentina, o legado que se fez aqui foi mais intenso. A tortura, que não foi inventada pela ditadura, ainda é uma prática sistemática no Brasil e foi a polícia, que é violenta em todo mundo, que ensinou a tortura aos repressores do regime militar. As polícias civil e militar do Rio de Janeiro estavam nos quartéis. Por isso, a comissão já fez um pedido ao secretário de Segurança do Estado para nos fornecer informações sobre esses funcionários.”

Circuito da Liberdade

Fatos históricos, lugares e pessoas importantes na luta pela democracia estão sendo lembrados no Circuito da Liberdade. O roteiro foi inaugurado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade na terça-feira (1º), data que marcou os 50 anos do golpe. Os imóveis que recebem as placas passam a integrar o circuito cultural oficial da cidade.

A iniciativa foi apresentada na antiga sede da Ordem dos Advogados do Brasil. Na fachada do edifício, uma placa vai homenagear a secretária do escritório da OAB Lyda Monteiro da Silva, que morreu no dia 27 de agosto de 1980 ao abrir uma “carta-bomba”. Outras seis placas do circuito inicial vão lembrar os sindicatos dos bancários e dos metalúrgicos, engajados em lutas importantes na época do golpe; os comícios da Central do Brasil e das Diretas Já (na Candelária); a Igreja de Nossa Senhora da Salete, que abrigou perseguidos políticos; e o escritório do advogado Sobral Pinto (1893-1991), advogado de ativistas contra ditaduras no século 20. Cada chapa de aço esmaltado terá informações em 140 caracteres como um tweet.

A placa instalada na parede frontal do Edifício Sisal (Avenida Presidente Vargas, 502), onde está a sede do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, tem os dizeres que lembram a luta da categoria contra a ditadura. “A placa é um símbolo importante. Sempre lembrará os fatos ocorridos nas instalações do Sindicato, a partir do golpe em 1964, as invasões das dependências, as prisões de dirigentes e militantes, as intervenções e a imposição do terror. São coisas que não devem ser esquecidas para nunca se repetirem”, disse o presidente da entidade, Almir Aguiar.

Com informações do Sindicato dos Bancários do RJ e da OAB-RJ

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