Igualdade

Júri simulado condena discriminação racial no ambiente de trabalho

Julgamento encenado em São Paulo enfatiza situação nos ambientes de trabalho que está longe de ser ficção

Gravura sobre o Massacre de Sharperville, África do Sul, 1966, quando 69 manifestantes morreram e mais de 100 ficaram feridos na repressão ao um protesto contra a Lei do Passe, que delimitava lugares que negros podiam frequentar. A polícia do regime do apartheid reagiu com rajadas de metralhadoras. A ONU indicou o 21 de março, data da chacina, como Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação

São Paulo – No Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, um júri simulado debateu hoje (21) um processo no qual uma trabalhadora negra e empresa por submetê-la a condições inferiorizadas em decorrência de racismo. A sede “tribunal” foi a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) de São Paulo, representação local do Ministério do Trabalho e Emprego. Na plateia estavam estudantes e sindicalistas.

Apesar de ter grau de escolaridade superior aos demais colegas e mais tempo de serviço, a funcionária recebia salário menor e não tinha promoções. A “vítima”, ao reclamar da situação para o superior, sofreu também assédio sexual e foi realocada da função de vendedora em uma loja de sapatos, para trabalhar no estoque. Passou a conviver ainda com o assédio moral. O objetivo era mostrar que, mesmo com avanços sociais alcançados nos últimos anos, o preconceito e a desigualdade de oportunidades estão longe de ser peça de ficção no Brasil.

Segundo pesquisa do Dieese e Fundação Seade, divulgada em novembro, com dados colhidos entre 2011 e 2012, a média salarial dos negros nas regiões metropolitanas chega a ser 36,1% menor do que a de não negros. Ainda de acordo com o estudo, apurado pelo sistema da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) feita no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo, um trabalhador negro com nível superior completo recebe na indústria da transformação, em média, R$ 17,39 por hora, e um não negro, R$ 29,03.

Para o superintendente regional, Luiz Antônio de Medeiros, o diálogo com a sociedade é fundamental para garantir mais avanços sociais. “O Ministério do Trabalho não é uma entidade isolada, e nossa tarefa inclui dialogar e conscientizar a população, porque a prevenção é a grande arma para se combater esse mal.”

Segundoocoordenador da Comissão de Igualdade de Oportunidade de Gênero, Raça e Etnia, da Pessoa com Deficiência e Combate à Discriminação do Ministério do Trabalho, Jaudenir da Silva Costa, 89% das reclamações recebidas pela SRTE-SP são de assédio moral – sendo pouco mais da metade (51%) vindas de mulheres com idade entre 18 e 45 anos.

O setor de telemarketing lidera o ranking de reclamações. “As próprias condições de trabalho dessa área, com cumprimento e cobrança de metas imediatas, leva ao assédio moral organizacional, já que os trabalhadores cumprem a forma de gestão e organização imposta pela empresa”, avalia Costa. “Hoje, as pessoas já não chamam mais de humilhação alguns problemas enfrentados no trabalho. Elas têm outra consciência, sabem o que é assédio e é muito importante que não se calem.”

No “julgamento” de hoje, a empresa foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 3 milhões, sendo que 30% deverá ser revertido para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O verdito, porém, é ainda uma ficção.