Desembargador diz que CLT deveria privilegiar contratos coletivos

Para Carlos Roberto Husek, mesmo defasada em alguns pontos por conta dos 70 anos de idade, CLT funciona bem e é melhor que um código rígido e que ameace conquistas dos trabalhadores

Projeto dos metalúrgicos do ABC tenta garantir a negociação no local de trabalho, sem necessidade de recorrer à Justiça do Trabalho, sobrecarregada (Foto:

São Paulo – Para o desembargador Carlos Roberto Husek, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que completa agora 70 anos, é um ótimo instrumento e, se tivesse de passar por mudanças, deveria ser reformulada para se adequar às novas normas que regem as relações de trabalho de maneira a privilegiar os contratos coletivos, que trariam mais segurança e força aos trabalhadores.

“Se os trabalhadores brasileiros, coletivamente, por meio de um contrato de trabalho, pudessem especificar as cláusulas contratuais com os empregadores e não apenas um indivíduo, uma só pessoa, eu acho que seria bem melhor, teria mais força e mais chances de que as normas fossem obedecidas de maneira plena”, diz, em entrevista à RBA.

No ano passado, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC apresentou um anteprojeto para transformar em lei o Acordo Coletivo Especial,fortalece os Comitês Sindicais de Empresa, que funcionam nos locais de trabalho e contribuem para a solução de conflitos sem necessidade de se recorrer à Justiça do Trabalho ou ao Ministério Público do Trabalho para resolver todas as demandas do dia a dia.

Juiz do trabalho desde 1988, Husek, que é professor de Direito Internacional na Pontifícia Universidade Católica (PUC), afirmou que a “nossa velha CLT”, que completa 70 anos, ainda é um instrumento flexível e eficiente que funciona bem nos dias atuais.

O que a CLT representou para o país e para o trabalhador?

A CLT tem uma origem que alguns condenam porque ela foi feita pelo governo do Getúlio Vargas para os trabalhadores. Então uns dizem que a CLT não foi uma conquista da classe trabalhadora. Eu entendo que não é bem assim. Efetivamente foi de cima para baixo. Houve uma série de leis que foram impostas ao país naquele momento, em 1943, mas era necessário. Estas leis vieram abrir caminhos para os trabalhadores, pois não existiam antes. As leis eram muito esparsas, daí a questão de ser uma consolidação de leis e teve uma certa estrutura. De 1943 até agora nós ganhamos um bom diploma.

Poderia ter sido feita de maneira diversa? Poderia, mas da forma que foi historicamente implementada no país e a repercussão que ela teve, os efeitos que ela propiciou, eu acho que acabaram por dar um certo caminho para os trabalhadores que eles não tinham. Ela é um documento de razoável para bom, nós estamos em um mundo moderno, tem muitas coisas que talvez precisassem ser modificadas, mas é tão bom que ela permanece até hoje. E nós conseguimos, com a nossa velha CLT, resolver uma série de questões que aí estão na vida dos trabalhadores. Acho um bom documento.

De 1943 para cá, como o sr. analisa os avanços e retrocessos na legislação trabalhista?

A CLT permaneceu praticamente a mesma. Foram acopladas à CLT várias legislações, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo. Legislações que vieram dar uma certa simplicidade ao mundo moderno das relações de trabalho que a CLT não continha. Mas a CLT tem uma virtude que eu gostaria de destacar, ela é um documento que tem regras um pouco genéricas em diversos aspectos. Isso propicia com que aqueles que aplicam a norma, por exemplo, os juízes, possam aplicar a norma ao caso concreto fazendo com que esta norma sempre esteja na modernidade. Porque não é uma norma como a de um código, rígida. Com o tempo ela vai se adaptando, dependendo da interpretação do juiz.

Precisaríamos ter algumas melhorias. Por exemplo, o teletrabalho (trabalho a distância), que é algo novo e que não está previsto na CLT, a questão sindical eu acho que precisaria ser melhorada. São normas antigas que devem ser interpretadas a cada momento. Precisaríamos ter um corpo de normas em relação aos sindicatos, melhor.

A questão processual é muito complicada ainda porque a CLT tem regras processuais que não estão bem direcionadas e, às vezes, alguns dizem que o novo Código Civil é mais rápido que a CLT em matéria de execução e o juiz tem liberdade de interpretar e de aplicar o código de processo civil e a CLT.

Eu acho que, sem modificar a CLT completamente, sem tirar este documento do caminho, há possibilidade de modificá-lo com acréscimos de algumas normas específicas, principalmente na questão sindical e na questão processual e em relação a algumas normas de direito do trabalho de relações do mundo moderno.

Em relação à questão sindical, o que o sr. acha que deveria mudar?

É uma coisa que estaria fora do que consideramos como correto. O imposto sindical é um tributo, pago, de qualquer forma, pelo trabalhador. Acho que isto deveria ser modificado. Em relação ao direito coletivo, por exemplo, e os sindicatos estão envolvidos nisto, a CLT ainda é um pouco defasada. Nós precisaríamos ter mais normas sobre o direito coletivo. Os países considerados mais avançados nestas questões têm muitas regras sobre o direito coletivo, sobre ação coletiva.

A CLT é individual. Grande parte das regras da CLT é feita em relação ao direito individual do trabalhador. Eu acho que, no mundo moderno, as relações de trabalho têm de ser coletivas, seria mais fácil para o trabalhador, imagino, e para os sindicatos, teria mais força, se as normas coletivas fossem privilegiadas. Esta parte deveria ser mudada.

Nestes 70 anos da CLT, houve tentativas de mudanças em relação a estas questões, por parte dos sindicatos e do Congresso.

Houve tentativas, mas os interesses políticos são muito grandes. Os interesses políticos da classe dominante, por que não dizer também, dos próprios trabalhadores. Em alguns aspectos há uma briga surda. Um exemplo, na área internacional, que não é exatamente com a CLT, mas ela entra nesta questão, é a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dá garantia de emprego a todos os trabalhadores. Esta convenção, mal entrou em vigor, foi denunciada pelo Brasil, lá pelos idos de 1994. 

E esta mesma convenção voltou agora para o Congresso, e está lá para novamente ser apreciada. Por quê? Porque naquela época o Supremo Tribunal Federal declarou a convenção inconstitucional por contrariar o artigo 7º, inciso 1 da Constituição Federal. Isto porque a Convenção 158 não era uma lei complementar, na visão técnica dos ministros do supremo, e o artigo 7º, inciso 1, fala em garantia de emprego por lei complementar.

Agora, a mesma convenção, durante o governo do ex-presidente Lula, voltou para o Congresso decidir e está lá, não sei qual a evolução disto, mas está lá parada. Por que não vai para a frente? Não vai muito à frente porque há interesses de empregadores e mesmo interesse de empregados de que as coisas não andem como deveriam andar.

Como o sr. analisa isso?

É uma questão de interpretação. O Brasil se insere, em termos de Constituição, como um país aberto, que respeita os direitos humanos, mas que, em termos de legislação ordinária e de aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos, pra mim, convenção da OIT é um tratado que tem natureza de direitos humanos, está muito aquém.

Faltam regras. Na Constituição? Talvez. Mas faltam regras na legislação ordinária. Deveria haver alguma regra mais ou menos como o Código Tributário Nacional, que diz que as convenções internacionais de direito tributário, os tratados internacionais, prevalecerão sobre o direito interno, para evitar discussão.

Como as convenções da OIT são de direitos humanos, são de direito dos trabalhadores, direitos sociais, levando em conta a empresa, levando em conta o capital, inclusive, elas deveriam sempre ser aplicadas, sem dúvida alguma, mas precisa de lei clara nesse sentido, apesar de a Constituição dar ensejo à interpretação para a aplicação total das convenções internacionais.

Qual seria a melhor medida para destravar o andamento da Convenção 158 no Congresso?

É preciso que empresários e trabalhadores negociem. Sentem juntos e discutam sobre as pendências na questão das interpretações. Eu, por exemplo, sempre entendi que esta convenção não dava estabilidade total a todo e qualquer trabalhador a partir da primeira semana de trabalho. Nesse sentido, é uma interpretação errada e, por causa desses tipos de interpretações erradas, ficaram todos com a orelha em pé. A convenção é uma garantia, uma possibilidade. Ela acaba com o que chamamos de denúncia vazia, que é para o que nós caminhamos e por onde a Justiça do Trabalho tem caminhado e decidido em muitos casos. Ou seja, mandar o trabalhador embora, eventualmente é possível, claro, mas mandar embora justificando. Esta é a interpretação correta, mas, por algum motivo, não querem interpretar assim.

O Brasil, como signatário da OIT, não deveria automaticamente acatar esta norma? A legislação trabalhista não deveria contemplar isso?

Nos tribunais, na academia, alguns apontam a CLT como muito protetiva, que ela protege muito o empregado. Eu não acho isso verdadeiro. Ela tem vários artigos que são decorrentes de convenções e recomendações da OIT. A CLT, na verdade, absorveu muita coisa da Organização Internacional do Trabalho. Como vivemos em um país onde o direito é positivado, ou seja, aplica-se a lei e esta lei deve estar escrita, o juiz pensa assim, o advogado pensa isso, o trabalhador pensa assim. Não é como na Inglaterra, por exemplo, onde o juiz decide o caso concreto dependendo da situação, onde há muita negociação, onde há contratos coletivos.

Na CLT não há nenhuma norma sobre contrato coletivo. Tem sobre convenção coletiva de forma genérica, mas sobre contrato coletivo, não. Vários trabalhadores, 550 trabalhadores por exemplo, assessorados pelo sindicato, fazer um único contrato de trabalho, como ocorre em Portugal, por exemplo. Isso é um avanço.

O sr. acha que a CLT precisa ser modificada?

O que nós precisaríamos é remodelar a CLT nestes sentidos, mas, do jeito que ela está, é melhor, talvez, que um código rígido, contrário às conquistas dos trabalhadores. É possível interpretá-la. É possível fazer com que se apliquem as convenções da OIT, e elas têm sido aplicadas pelos juízes, de maneira que não contrarie as leis ordinárias federais. Eu acho que é possível adequar muitas coisas, mas precisamos ter uma clareza maior em termos de legislação e está faltando, principalmente, normas sobre contratos coletivos de trabalho, que é um avanço.

Os contratos coletivos são uma tendência?

São uma tendência entre os europeus e os norte-americanos, por exemplo. Se os trabalhadores brasileiros, coletivamente, por meio de um contrato de trabalho, pudessem especificar as cláusulas contratuais com os empregadores e não apenas um indivíduo, uma só pessoa, eu acho que seria bem melhor, teria mais força e mais chances de que as normas fossem obedecidas de maneira plena. Atualmente ocorrem coisas complicadas como, por exemplo, dois trabalhadores de uma mesma empresa, que exercem uma mesma função, entrar com ações trabalhistas e estas ações caem em juízes diferentes, reivindicando os mesmos direitos e, por entendimento, um juiz dá uma procedência, e outro, não. Um dos processos pode chegar até o TST e o outro ser resolvido na primeira instância. Isso se soluciona por contratos coletivos. Eu acho que o nosso caminho maior na CLT é exatamente o do direito coletivo e da ação coletiva, que deveriam ser privilegiados. Temos de melhorar muito nesta questão.