‘O que defendemos é um projeto de nação’, afirma presidente da CUT

Vagner Freitas, que assumiu ontem o comando da central, disse que nova conjuntura econômica pode ameaçar direitos e exigir mais do movimento sindical

Vagner Freitas e os filhos Pedro e Ana Carolina (Foto: Dino Santos)

São Paulo – Eleito ontem (12) à noite presidente da CUT para os próximos três anos, Vagner Freitas lembra que no seu primeiro (e até hoje único) emprego com carteira assinada, como caixa em uma agência do Bradesco na Vila Prudente, na zona leste de São Paulo, houve uma greve antes mesmo de completar um mês no serviço – ele começou em 25 de fevereiro de 1987. Aderiu à paralisação, e quando foi abordado pelo gerente respondeu que os salários eram baixos. O chefe respondeu: “Mas você nem ganhou seu primeiro salário ainda…” 

O emprego foi obtido quase por acaso. Vagner havia prestado concurso para trabalhar na antiga Telesp e estava esperando o chamado, quando passou por uma fila de recrutamento do banco, entrou e terminou contratado. Iria completar 21 anos dali a dois meses, em 17 de abril. Dos 15 aos 20 anos, foi mais um trabalhador do mercado informal – uma de suas ocupações foi carregar caixas de mexerica na Ceagesp, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo.

Quando o presidente Lula foi eleito, em 2002, ele nos disse: ‘o governo é de coalizão, façam o papel de vocês que eu faço o meu’. Ou a gente vai à rua e pressiona o governo pela esquerda, ou o governo faz o papel conservador

Paulistano criado no bairro de Sapopemba, também na zona leste, Vagner nasceu na Clínica Infantil do Ipiranga, na zona sul. “Não tinha hospital lá em Sapopemba”, diz. Coincidentemente, foi a mesma clínica onde nasceu o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, que agora ocupará também a secretaria geral da CUT. Nobre é palmeirense, assim como Artur Henrique, que acaba de deixar a presidência da central após dois mandatos. Ontem à noite, na posse, Artur disse que pensou em entregar uma faixa comemorativa ao título da Copa do Brasil, obtido na véspera, mas desistiu “por respeito ao são-paulino Vagner”. O São Paulo acabou sendo eliminado nas semifinais pelo mesmo Coritiba, superado pelo Palmeiras na decisão.

Primeiro representante do ramo financeiro a ocupar a presidência da CUT, que no ano que vem completará 30 anos, disse que nunca se sentiu apenas bancário, por ser “classista”, mas lembra que sua escola foi o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, no qual se tornou diretor em 1991. Ano de uma disputa eleitoral acirrada na entidade, lembra Vagner, e uma vitória apertada. O sindicalista considera esse momento importante, inclusive, para os destinos da CUT, que realizou naquele ano o seu 4º Congresso Nacional (Concut).

Aos 46 anos, casado e pai de dois filhos (Pedro e Ana Carolina), 25 anos como bancário e 21 de militância no sindicalismo – ele também foi presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e da UNI Finanças América –, o dirigente avalia que a central não mudou sua concepção, mas se adaptou à conjuntura. Com ambiente econômico e político mais favorável, a negociação se tornou um caminho viável. Como exemplo, Vagner lembra de um episódio no final do governo Fernando Henrique Cardoso, quando a direção e os negociadores da Caixa Econômica Federal se recusaram a receber os sindicalistas, e a pauta de reivindicações foi protocolada na recepção do banco.

“Não posso achar que isso era melhor”, compara. Mas manifesta preocupação com as perspectivas da economia e com a possibilidade de “os canhões se voltarem novamente para tentar contra direitos da classe trabalhadora”, como afirmou após assumir o cargo ontem à noite, no penúltimo dia do 11º Concut. Foi o congresso com maior número de delegados internacionais (140), o que, para o dirigente, demonstra a importância crescente do Brasil.

Segundo Vagner, a pauta dos trabalhadores segue “engessada” no Congresso e só vai andar se houver pressão social. Ele voltou a defender a realização de uma conferência sobre o sistema financeiro, dizendo que o Brasil precisa deixar de ser “o paraíso dos bancos”. Sobre a relação com o governo, o novo presidente da CUT argumentou que há visões em disputa. “Apoiamos não um projeto político-partidário, mas um um projeto de nação.”

Relatos feitos durante o congresso mostram ameaças a direitos e à liberdade sindical em vários países. Um sindicalista norte-americano disse que tinha medo de ser demitido apenas por ter vindo para cá. Com a crise, é possível que algo parecido aconteça por aqui?

Não foi normal o que aconteceu no Paraguai, um absurdo atentado à democracia, um claro golpe ao que o povo decidiu nas urnas. Também nos preocupam a pressão que há sobre a Venezuela, por conta da possível reeleição do presidente Hugo Chávez, e o resultado da eleição no México, com viés claramente conservador. À medida que se aprofunda a crise e você deixa de ter crescimento econômico, não tenho dúvida de que os direitos dos trabalhadores correm risco. Pode acontecer, tentar diminuir o papel do Estado, reduzir salários ou direitos, como fazem os países na Europa. No Brasil, você tem o tempo inteiro uma disputa entre um projeto progressista e um projeto conservador. Os relatos que vimos e ouvimos no congresso foram estarrecedores. Um diretor de sindicato dos Estados Unidos, de uma empresa metalúrgica, com medo de ser demitido quando voltar. Temos de continuar aperfeiçoando a democracia brasileira e trabalhar na organização da classe trabalhadora, alcançar lastro suficiente para não ter seus direitos tirados, como demonstram exemplos internacionais que nós temos visto.

A agenda dos trabalhadores está engessada no Congresso. Pretendo procurar todos os partidos, de oposição ou de sustentação. Vou procurar interlocução. Vamos organizar os trabalhadores para possíveis enfrentamentos, mas também buscando o processo de negociação

Várias categorias numerosas entram agora em campanha salarial, em período eleitoral que alguns tentam transformar em prévia de 2014…

Temos de atuar em vários flancos ao mesmo tempo. Precisamos organizar a campanha salarial de categoria e intervir para que haja intersecção entre elas. Também tem a questão da greve dos servidores federais. Vamos a Brasília, organizados, levando as bandeiras dos trabalhadores. E há muito tempo sabemos que o movimento social tem de defender o projeto que elegeu em 2003. Sabemos que há dois projetos claros no Brasil, e que a sucessão da presidenta Dilma (Rousseff) começa nas eleições municipais, agora. Mais do que defender candidatos, defendemos um projeto político, em que o Estado seja promotor da justiça social, seja capaz de discutir regras para o mercado e seja indutor do crescimento.

Na greve do setor público, houve intransigência do governo?

Nós vamos procurar o governo para reabrir o processo de negociação com os nossos companheiros do serviço público federal. O governo tem de administrar conflitos, isso é a vida democrática. Vamos procurar o Ministério do Planejamento, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência da República), para reabrir a negociação. A greve é um instrumento legítimo de luta, e o governo não pode dizer que vai simplesmente cortar o ponto, que não negocia enquanto não acabar a greve. Esse tipo de postura não ajuda.

Alguns podem ter pensado que com a eleição de Lula os conflitos de classe estavam encerrados?

Pelo contrário. Nunca houve tantas greves, tanto enfrentamento sindical, como nos últimos de anos de governo Lula e Dilma, muito mais do que havia no governo Fernando Henrique Cardoso. Não houve nenhum tipo de arrefecimento de conflito, pelo contrário. Se há um processo de crescimento econômico, é lógico que os trabalhadores queiram abocanhar uma parte. Quando você tem crescimento econômico e normalidade democrática, é a oportunidade que os trabalhadores têm para obter ganhos. E o governo precisa saber disso. É fruto do próprio êxito do governo.

E agora, para quando se prevê uma conjuntura menos favorável?

Isso, sim, é uma das preocupações que eu tenho, nessa nova tarefa, de presidir a maior central sindical do Brasil e a quinta do mundo. Talvez o companheiro Artur tenha tido uma conjuntura mais favorável do que nós vamos ter. As previsões não demonstram um processo de crescimento que já tivemos. Este ano deveremos ter 2%, um pouco mais, de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Comparando com o mundo, ainda é um resultado significativo, mas sabemos como isso funciona. Na hora em que o empresário deixa de ter a rentabilidade que imagina que deve ter, à qual se acostumou nos últimos anos, é normal que ele se volte para tentar “equilibrar” isso retirando direitos dos trabalhadores, falando em competitividade, em excesso de legislação. É óbvio que não vamos permitir que direito algum seja retirado. Talvez tenhamos de ter muito mais luta, maior grau de unidade interna e mais enfrentamento para que os trabalhadores não sejam prejudicados.

E quanto à relação com o Congresso? Há temas como a terceirização e a redução da jornada, mas a pauta parece emperrada. Você mesmo já disse que essa legislatura é mais conservadora.

Essa base de apoio da presidenta Dilma é muito mais conservadora do que tinha o presidente Lula. Vamos ser proativos. Vamos procurar as bancadas no Congresso Nacional para colocar a pauta dos trabalhadores. Já conversei com o líder do governo, Jilmar Tatto (PT), recebi uma ligação do deputado Marco Maia (presidente da Câmara) para que façamos já na semana que vem uma conversa sobre a questão da terceirização. Também vou à bancada do PMDB apresentar a plataforma dos trabalhadores. E pretendo fazer isso com todos os partidos, não me importando com o alinhamento em relação ao governo, se de oposição ou de sustentação. Vou procurar interlocução. Vamos organizar os trabalhadores para possíveis enfrentamentos, mas também buscando o processo de negociação.

A CUT deveria ter ido mais às ruas, ter feito mais propostas?

A CUT está sempre nas ruas. Não há greve ou movimento reivindicatório no Brasil sem que haja um sindicato da CUT. Acho que tentou muito ter interlocução no Congresso, mas teve dificuldade de fazê-lo. O Congresso é conservador. Não é muito da característica da CUT… Nosso movimento foi constituído de outra maneira, nunca foi institucional, sempre foi de massa, de enfrentamento, de greve. A conjuntura mudou. Hoje você tem um processo de negociação mais simples de ser feito do que era um tempo atrás. Temos também de nos capacitar para estabelecer relação com o governo, com o Congresso. Temos um viés diferenciado. Nossa trajetória é a do enfrentamento e da correlação de forças. Tem de fazer isso, mas também tem de buscar intervenção no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, para levar os interesses dos trabalhadores.

O fato de ter “ex-companheiros” no governo, a começar do próprio ex-presidente da República, facilita ou dificulta?
No governo anterior (Fernando Henrique Cardoso), a gente não era nem recebido. A gente não tinha interlocução nenhuma. Era um governo que simplesmente não se interessava pelos movimentos sociais. Pelo contrário, nos colocava como inimigos. Evidente que é muito melhor se relacionar num governo democrático, que entende que luta social faz parte da vida. Só tenho preocupação quando o governo não faz isso, como agora, nas greves dos servidores federais. Dizer que não negocia e vai cortar o ponto é uma postura que se tinha no passado. Este governo não foi eleito para isso. Precisa negociar e resolver conflitos. Eu não tenho a menor saudade da era Fernando Henrique e Fernando Collor. Vamos fazer sempre o nosso papel, independentemente de qual governo esteja lá.

Algumas questões emperram também com o governo…

Não significa que o governo faça tudo isso. Agora, o anterior, claramente, não fazia. Este tem de avançar muito no sentido de ser o intermediador dos conflitos que há na sociedade. Faz menos do que deveria, mas muito mais comparando com o anterior, que nada fazia. Mas só é possível avançar com pressão social. Quando o presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) foi eleito, em 2002, ele nos disse: o governo é de coalizão, façam o papel de vocês que eu faço o meu. Ou a gente vai à rua e pressiona o governo pela esquerda, ou o governo faz o papel conservador.

No início do governo Lula, instalou-se o Fórum Nacional do Trabalho, que apresentou proposta de alteração da legislação trabalhista e sindical. Isso pode ser retomado, com todas as divergências que há entre as centrais?

Acho que a gente tem de fazer as coisas acontecerem no dia a dia. Não vamos ficar esperando que o governo instaure um outro fórum. Temos de fazer as coisas acontecerem, em negociações pontuais, para irmos alterando pouco a pouco. Não acho que um debate em torno disso vá ajudar agora.

Como militante há 25 anos, o que você vê de mudança no movimento sindical, especificamente na CUT? Mudou a concepção, a estratégia?

Não mudou a estratégia nem a concepção, mudou a conjuntura. Fomos conquistando algumas coisas e colocando desafios para nós. Quando comecei no movimento sindical bancário, lembro que o lema das nossas campanhas era não retirada de direitos, em defesa dos bancos públicos. Hoje não é mais pela não privatização da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Temos uma pauta muito mais avançada. O movimento sindical se amolda à conjuntura, e a tática vai se alterando. Quando era presidente da confederação (CNB, atual Contraf-CUT), o presidente da Caixa Econômica Federal se recusou a receber a pauta de reivindicações, o negociador também se recusou. Tive de protocolar o documento com um boy, na recepção, acompanhado de toda a comissão de negociação. No saguão da Caixa. Eu não posso achar que isso era melhor do que o que temos hoje. Não se arrefece ou se deixa de arrefecer. Não existe isso de apertar ou desapertar. A tática você estabelece dependendo da conjuntura, política e econômica.