Ruralistas não têm pressa, e votação da PEC do Trabalho Escravo fica para quarta-feira
Mesmo com ministros, ex-ministros e representantes de centrais sindicais na Câmara, integrantes do agronegócio tentam frear apreciação de proposta
Publicado 08/05/2012 - 18h48
Três ministros foram ao Congresso, mas prevaleceu a vontade da bancada de representantes do agronegócio (Foto: Rodolfo Stuckert. Câmara)
São Paulo – Nem parecia o plenário da Câmara de há menos de um mês. A euforia dos representantes do agronegócio foi substituída por espaços vazios, muitos espaços vazios, e por alguns discursos contrários à votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438, de 2001, que dá nova punição ao trabalho escravo no Brasil.
A disposição de trabalhar até altas horas da madrugada deu lugar a uma sessão um tanto quanto chocha, encerrada às 18h30 sem apreciar a PEC do Trabalho Escravo, que, promete o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), será votada com ou sem acordo amanhã (8). Não bastaram as 60 mil assinaturas entregues aos parlamentares e a presença de ministros e ex-ministros: a bancada ruralista mostrou mais uma vez que trabalha acima de questões partidárias e da clássica divisão entre oposição e situação.
Aprovada em primeiro turno em 2004, a proposta aguarda desde então pela votação final para que, enfim, sejam destinadas à reforma agrária as terras nas quais seja flagrada escravidão. Mas, hoje, após oito anos na fila, os representantes do agronegócio resolveram alegar que falta deixar claro de que se trata o trabalho escravo contemporâneo. Argumentam que isso se faz necessário para evitar que fiscais possam se valer de uma interpretação subjetiva.
O líder do PSDB, Bruno Araújo (PE), afirmou que alguns parlamentares pediram tempo para garantir ajustes no texto, como incluir na PEC que uma lei específica vai definir o que é trabalho escravo e como se dará o processo de expropriação. “Precisamos de uma lei que regulamente a maioria de casos possíveis, como o processo aplicado a um apartamento que está alugado e é encontrado trabalho escravo”, disse.
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Na verdade, a Lei 10.803, de 2003, já cumpre esse papel, com pena de dois a oito anos para os infratores: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.”
Os líderes ruralistas tentam agora apelar ao presidente do Senado, José Sarney. Querem consultá-lo em termos de regimento para saber se existe a possibilidade de mudar na Câmara o texto de autoria do ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA). “Ficou decidido que essa mudança na redação seria tratada com o Senado amanhã. Havendo entendimento ou não, vamos votar essa matéria”, disse o presidente da Câmara. “Precisamos votar essa PEC, pois não é razoável que, em pleno século 21, exista trabalho escravo no campo ou na cidade”.
Estiveram na Casa, durante o dia, presidentes de centrais sindicais e os ex-ministros da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi e Nilmário Miranda. “Vou esperar para ver”, disse Miranda, por telefone. “Já vim aqui tantas vezes… A Dilma pediu ao governo para intervir.”
A presidenta incluiu a PEC do Trabalho Escravo entre as propostas que espera ver votadas este ano. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, elegeu a matéria como prioridade de sua pasta para 2012. “Espero que hoje seja um dia histórico para o Brasil”, afirmou a ministra ao lado dos titulares da Secretaria de Igualdade Racial, Luiza Bairros, e do Trabalho e Emprego, Brizola Neto.
Ela ressaltou ainda que há grande consenso da sociedade civil, mas, mais uma vez, prevaleceu a força do agronegócio. “Esse segmento profissional não precisa associar seu nome ao trabalho escravo, Quero ter o voto dessa bancada para afirmar que o agronegócio no País está definitivamente livre dessa chaga.”
O governo planejava ter a PEC aprovada até 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura. Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), trata-se de encerrar o processo iniciado em 1888. “A emenda está completa, está inteira, não precisa de adendo. A lei brasileira já diz o que é trabalho escravo, trabalho degradante.”
A quarta-feira será outro dia. Resta saber se será o dia D para a PEC do Trabalho Escravo.