Sistema econômico facilita exploração e escravidão contemporânea, diz juiz

São Paulo –  O juiz Marcus Barberino, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), favorável à aprovação da PEC 438/2001, conhecida como PEC do trabalho escravo, afirma que o […]

São Paulo –  O juiz Marcus Barberino, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), favorável à aprovação da PEC 438/2001, conhecida como PEC do trabalho escravo, afirma que o discurso dos que são contra se une com algo que vem da estrutura socioeconômica brasileira, a superexploração tanto da força de trabalho quanto dos recursos naturais. “E a gente não conseguiu mudar essa concepção ainda, enquanto economia”, disse. Barberino acredita que os efeitos da proposta serão como uma espécie de estímulo econômico para melhorar as condições de trabalho no campo. A PEC estabelece a expropriação da propriedade rural na qual seja constatado o uso de mão de obra em condições análogas às de escravidão.

Esta semana, a votação da proposta foi adiada por duas vezes, sendo transferida para o próximo dia 22, por conta da forte pressão da bancada ruralista na Câmara dos Deputados. Os parlamentares que representam o agronegócio incentivaram o baixo quórum na sessão para conquistar mais tempo e reverter o cenário de aprovação. Os ruralistas afirmam que conceitos de trabalho de escravo são subjetivos demais para colocarem em risco seus maiores bens: as propriedades rurais.

Leia a entrevista com o juiz Marcus Barberino:

O que o sr. acha sobre o argumento de uma possível subjetividade nas leis que conceituam o trabalho escravo?

Primeiro, não dá pra escapar do fato de que toda experiência humana é subjetiva. Fora isso, juizes não julgam com base em critérios descricionários ou subjetivos. Não há uma amplitude de possibilidades para conceituar o que é trabalho escravo. A questão principal é a forma com que os juízes têm de encarar isso, principalmente juízes do trabalho. É a ideia de que o trabalho escravo contemporâneo é um sistema de exploração. Então quando se olha para a ideia de sistema, se pensa que aquelas circunstâncias acontecem de modo reiterado naquela propriedade. Então, parece que é assim: um dia que faltou água naquela propriedade, urbana ou rural, aquilo foi hiperdimensionado e o juiz julgou o fato como trabalho escravo. Não. O fato é: como o ser humano consegue trabalhar cotidianamente sem acesso à água? Isso é impossível. É senso comum.

O sr. relaciona isso a um sistema de exploração?

Como uma proprietário rural que usa sistemas de monitoramento de pluviometria eletrônico, faz plantio por georreferenciamento, usando informações de satélite, acha que o trabalhador não precisa de equipamento de proteção cotidianamente? O ponto fundamental é que se não há um sistema de degradação humano eu duvido que qualquer juiz ou qualquer instância condene um proprietário rural ou urbano.

O sr. considera que essas questões se devem a resquícios da cultura escravocrata no Brasil?

Eu não gosto de juntar a escravidão contemporânea com cultura escravocrata porque o trabalho escravo anterior a 1888 é uma visão moralmente justificada de que o trabalho é um bem, uma propriedade. É muito pouco provável que mesmo os escravocratas de hoje tenham essa dimensão. Eles têm uma dimensão moralista, religiosa, do tipo ‘eu estou dando emprego a essas pessoas que são miseráveis’. Acho que esse discurso casa com uma coisa que vem da estrutura socioeconômica brasileira, que é a superexploração. Tanto da força de trabalho quanto dos recursos naturais. E que a gente não conseguiu mudar essa concepção ainda, enquanto economia.

O que a aprovação da PEC, depois de mais de dez ano em tramitação, pode representar?

Acho que vai ser um estímulo econômico para melhorar as condições de trabalho no campo. O ponto fundamental seria o comportamento. Por isso eu fiz questão de separar o trabalho escravo de uma sociedade escravista, como a sociedade anterior a 1888, do trabalho análogo à condição de escravo do regime capitalista pleno, como a gente vive hoje.

O que esse empregador precisa é de estímulo econômico para cumprir a lei. Não é por razões morais, não é por uma perversão de personalidade que ele explora a força de trabalho desse modo. Ele explora porque existem condições socioeconômicas, de mercado, que lhe são favoráveis para fazer desse modo. No momento em que se coloca sob risco a questão fundante na sociedade capitalista no campo, que é a propriedade, eu não tenho duvidas de que a pessoa vai se sentir estimulada a cumprir a lei.

Agora, fora isso, é claro que no momento em que se sinaliza que existe a sanção e a depender de como se enfrente a questão, quando essas sentenças começarem a eclodir, o efeito pedagógico na classe empresarial rural será radical e formidável.