Para entidade, Judiciário precisa apoiar luta contra trabalho escravo

Escravidão contemporânea no Brasil está associada também a cultura arcaica de maus empregadores (Foto: mte/br) São Paulo – O Brasil vive um importante momento no que diz respeito ao combate […]

Escravidão contemporânea no Brasil está associada também a cultura arcaica de maus empregadores (Foto: mte/br)

São Paulo – O Brasil vive um importante momento no que diz respeito ao combate ao trabalho em condições análogas à escravidão. Neste ano, foi lançada a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, que discutirá as condições degradantes de trabalho no campo e nas cidades. Esta semana, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, foi aprovada também na Câmara, após mais de oito anos de espera. Se votada no Senado, a medida permitirá expropriar para fins de reforma agrária a terra na qual seja flagrada escravidão.

Mariana Parra, coordenadora de projetos Políticas Públicas do Instituto Ethos, adverte, porém, que a via judicial para erradicação do trabalho escravo no Brasil ainda é turbulenta. É este o empecilho para avançar ainda mais em uma área na qual, para a Organização das Nações Unidas (ONU), o país é um exemplo para o mundo. 

Por outro lado, a intensificação das ações de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e a “lista suja”, que inclui empregadores flagrados explorando mão de obra em condição degradante, são dois dos pontos positivos. Para Mariana, os acordos setoriais firmados em algumas das principais cadeias produtivas têm representado um avanço fundamental. 

Confira a seguir trechos da entrevista à Rede Brasil Atual

Qual o grande obstáculo para a erradicação do trabalho escravo no Brasil?

A via judicial para erradicação do trabalho escravo no Brasil é muito ruim. A gente tem pouquíssimos trabalhadores que se valeram de trabalho escravo que foram de fato processados ou presos. Esse trabalho com cadeias produtivas e a lista suja do trabalho escravo foram um dos vetores mais importantes que  a gente teve. No Brasil, para o combate a esse grande problema e pela sua importância, e por ser muito representativo. Mais de 250 empresas signatárias do acordo, quase 30% do PIB nacional. Muitos dos empregadores que se utilizaram do trabalho escravo mudam suas estratégias, passando a regularizar a situação, porque a punição realmente é pesada. Temos o exemplo das usinas de açúcar e álcool, que tiveram perdas enormes de contrato. Só que na verdade a PEC só vem pra reforçar a situação. 

Qual o papel de vocês nos acordos setoriais?

O Pacto, lançado em 2005, realiza periodicamente pesquisas de cadeia produtiva, com base na lista suja. A Repórter Brasil, organização do Pacto responsável pelas pesquisas, traça as conexões de compra e venda entre os empregadores da Lista Suja e outras empresas do mercado. As empresas que estão relacionadas com a lista suja, tanto diretamente como em relações comerciais mais distantes na cadeia, são chamadas para que os estudos sejam apresentados, e para que possamos dialogar sobre as responsabilidades e compromissos necessários das empresas com a erradicação deste problema em suas cadeias produtivas, bem como das soluções disponíveis para realização deste controle.  As organizações que compõem o Pacto são o Instituto Ethos, a Repórter Brasil, a OIT e o Instituto Observatório Social.

Um exemplo que infelizmente a gente ainda não conseguiu avançar muito, dada a complexidade da cadeia produtiva, é o setor docarvão vegetal para produção de ferro gusa, base para a produção do automóvel. Estamos conversando há muito tempo com as empresas automobilísticas, ainda resultados, porque há algumas dificuldades em se trabalhar esta cadeia. Porém, o envolvimento deste setor é fundamental para ajudar a pressionar para que o setor possa erradicar este problema e ter melhores práticas ambientais e trabalhistas.

Como foi esse processo de conversas com empresas?

Esse processo foi sendo construído ao longo destes anos. Algumas empresas tem receio em aderir ao Pacto, por conta do comprometimento público que ele significa e os riscos de a empresa ter problemas em sua cadeia. Mas seja pela questão de imagem da empresa, seja da relação com os acionistas, seja por riscos financeiros, é uma vantagem para a empresa assumir este compromisso público e mitigar seus riscos. O Pacto tem uma grande importância na realidade brasileira, por conta desse ambiente de impunidade que vivemos. Esta punição econômica tem feito com que muitos regularizem sua situação e pensem duas vezes antes de explorar o trabalho escravo. Não há um meio seguro de medir se a incidência de trabalho escravo diminuiu ou aumentou nos últimos anos, já que o aumento da fiscalização faz com que mais casos apareçam todos os anos. A última Lista Suja teve um número recorde de nomes. Mas o combate e a repressão certamente estão hoje fortalecidos.