Visita de Dilma ao Haiti reanima debate sobre vistos a estrangeiros no Brasil

Entidades esperam que presidenta aproveite a ocasião para esclarecer os motivos e os benefícios de limitar a concessão de permissões de mudança para haitianos

Grupo de trabalhadores haitianos aguarda permissão para trabalhar no país, abrigados em igreja de Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Folhapress)

São Paulo – A visita de Dilma Rousseff ao Haiti, nesta quarta-feira (1º), é vista como uma boa oportunidade de deixar mais clara a concessão de vistos aos moradores do país centro-americano que queiram se mudar ao Brasil. No último dia 12, o Conselho Nacional de Imigração limitou a concessão de permissões de trabalho aos haitianos a 1,2 mil ao ano e exclusivamente por meio da embaixada brasileira na capital do país, Porto Príncipe..

Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), acredita que não ficaram claras as condições impostas para o processo. Ela argumenta que a questão foi superdimensionada quando jornais começaram a mostrar uma entrada de imigrantes pelas fronteiras amazônicas, em especial do Acre. “Apresenta-se esse número de quatro mil haitianos como se fosse um contingente estratosférico.”

Segundo o Ministério do Trabalho, entraram no Brasil, entre janeiro e setembro de 2011, 7.898 cidadãos dos Estados Unidos, 5.524 das Filipinas e 3.517 do Reino Unido, os maiores contingentes de imigração legal ao país. No mesmo período, registraram-se 640 haitianos, mais que nos anos anteriores, em que o número não havia passado de duas dezenas. 

Ao adotar a restrição, o governo argumentou que se tratava de limitar a atuação de aliciadores que estariam sendo contratados para trazer os haitianos, em uma operação comparável à dos coiotes na fronteira do México para os Estados Unidos. “Os interessados em vir para o Brasil não precisarão mais ingressar de forma irregular, submetendo-se, muitas vezes, às máfias especializadas no tráfico de pessoas”, argumentou o Conselho Nacional de Imigração. O órgão aponta que os vistos terão caráter humanitário em virtude do terremoto que em 2010 assolou uma das nações mais pobres do mundo e, por isso, serão concedidos sem a necessidade de comprovação de vínculo laboral.

“Estamos preocupados com o funcionamento efetivo do ‘visto humanitário’ e também com a situação daqueles que têm sua entrada negada no Brasil. Há relatos de famílias desabrigadas em zonas de fronteira, confrontadas pela Polícia Federal e sem ter como nem para onde regressar. Isso não é condizente com uma política que se autodenomina humanitária”, disse Juana Kweitel, diretora da organização não governamental Conectas. A entidade manifestou em conjunto com a Ação Cidadã para a Abolição da Tortura, do Haiti, inquietação com o assunto em carta enviada à Presidência da República, aos ministérios de Relações Exteriores, Justiça e Trabalho, e às secretarias Geral da Presidência e de Direitos Humanos.

Essas duas organizações querem que a presidenta aproveite a viagem ao Haiti para esclarecer de que maneira a restrição freia o trabalho dos aliciados e quais serão os critérios para definir que cidadãos terão direito aos 1, 2 mil vistos. A carta enviada a Dilma indaga ainda sobre quais os planos do governo para o encaminhamento de uma revisão da política migratória, e acrescenta que existe a necessidade de aprovar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, atualmente parada no Congresso.

Paulo Illes, diretor do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Migrante, acredita que esta deva ser a base para a discussão de uma nova legislação voltada aos estrangeiros. “A lei atual se preocupa com a repressão do crime organizado. A convenção reconhece o direito dos trabalhadores”, diz.

Ele questiona sobre o plano elaborado em 2010 pelo Conselho de Imigração e que, após a troca de governo, não teve continuidade. Em paralelo surgiu a possibilidade de que a Secretaria de Assuntos Estratégicos apresente a Dilma uma outra proposta, mais restritiva e baseada na entrada dos imigrantes mais qualificados, deixando de lado a visão humanitária dos fluxos de pessoas. “Essa intenção e a questão dos haitianos contrariam a visão de permitir a entrada dos trabalhadores e favorecem a visão norte-americana de tratar o imigrante como uma questão de segurança”, critica Deisy. 

Segundo o Ministério do Trabalho, a quantidade de estrangeiros regulares no Brasil aumentou 50% entre 2009 e 2011, de 961 mil para 1,46 milhão. Portugueses (328 mil), espanhóis (80 mil) e bolivianos (50 mil) representaram os maiores aumentos no número de pedidos, seguidos por chineses (35 mil) e paraguaios (17 mil). Estes três últimos grupos foram particularmente beneficiados pela anistia concedida em 2009 aos estrangeiros, diminuindo a exigência para a legalização. 

Dos migrantes, 45 mil pessoas obtiveram a residência provisória, mas apenas 40% conseguiram, dois anos depois, convertê-la em visto permanente. Para as entidades que atuam no setor, o mau atendimento prestado pela Polícia Federal, que impôs exigências além das previstas por lei, representou a maior dificuldade. “A Polícia Federal acaba fazendo o papel de interpretação das leis, e isso é um grande erro”, diz Paulo Illes.

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