Construção civil busca pacto por trabalho decente e por redução de conflitos

Compromisso a ser assinado nesta quinta prevê melhores condições de emprego e segurança, direito a representação sindical no canteiro de obra e coíbe recrutamento irregular

São Paulo – Um compromisso que garante aos empregados na construção civil melhores condições desde o recrutamento para as obras até o direito a representação no local de trabalho será assinado nesta quinta-feira (1º), no Palácio do Planalto. O documento será firmado por representantes dos trabalhadores, do setor patronal e do governo, com a presença da presidenta Dilma Rousseff. O acordo, batizado Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Indústria da Construção Civil, é resultado de articulação conjunta que acontece desde março do ano passado, quando eclodiram as manifestações entre os de 14 mil operários das obras nas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, contra as más condições dos alojamentos, dos locais de trabalho canteiro de obras e da segurança. A questão é intermediada desde então pela Secretaria Geral da Presidência da República.

O acordo estabelece regras de conduta em em três frentes: coibir a intermediação ilegal para contratação (os chamados “gatos” que aliciam os operários); promover a qualificação dos empregados para trabalhar com segurança e evitar acidentes; e inserir a Organização no Local de Trabalho (OLT), de modo a incentivar o diálogo entre trabalhadores e empregadores e agilizar a busca de soluções aos problemas detectados na rotina.

O recrutamento dos trabalhadores deverá passar pela intermediação da Secretaria Geral, em parceria com o Sistema Nacional de Emprego (Sine), gerido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelas secretarias estaduais do setor. Os pormenores da contratação também devem ficar mais rigorosos quanto à definição dos direitos do trabalhador a dias de folgas para visitar sua família – reclamação recorrente entre os operários. A empresa deverá – após o cumprimento da jornada estipulada em contrato – fornecer passagem (inclusive aérea, quando a distância o exigir) para a cidade de origem do funcionário.

Uma das estratégias para aumentar a segurança nas construções é investir na elevação do nível de escolaridade, além de formação básica sobre o uso de equipamentos de proteção individual. As empreiteiras terão a responsabilidade de oferecer treinamentos regulares aos seus contratados. O documento propõe ainda um Comitê de Gestão de Saúde e Segurança no Trabalho em cada obra, assessorados pelos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (Sesmt) locais.

A representação sindical deverá funcionar na proporção de um representante a cada 200 trabalhadores na obra. Em caso de obras de grande porte, a cada 500 empregados pode haver de um a sete membros, conforme opção do sindicato. O mandato dos representantes será de seis meses – com possibilidade de renovação. Os escolhidos terão garantia contra dispensa imotivada.

Claudio da Silva Gomes, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), filiada à CUT, pondera que o documento ainda não impõe obrigações às empresas, mas é um passo importante para o estabelecimento de regras na direção do trabalho decente nos canteiros. “O avanço do pacto está no acordo que será feito entre os representantes das companhias”, afirma.

Resistência

Para Gomes, uma das principais questões tratadas no texto é a organização no local de trabalho – tema que enfrenta muita resistência entre o empresariado. “O compromisso dá início à discussão do assunto da organização dos trabalhadores, para que as reclamações dos empregados sejam ouvidas e tratadas diretamente com a diretoria da empresa”, comemora. A mesa de negociação com uma comissão tripartite será permanente. No entanto, o documento já concluído ainda não resolveu o impasse quanto à representação dos trabalhadores.

Ontem (27), em uma reunião convocada pela Secretaria-Geral da Presidência, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) levantou divergência em relação à quantidade de funcionários para a existência da comissão no local de trabalho, elevando o número inicial de 200 para 500. Os empresário discordaram da proposta de que o representante dessa comissão seja indicado pelos sindicatos – defendem que o seja pelos próprios trabalhadores. O secretário de Relações de Trabalho da CUT, Manoel Messias, presente a essa reunião, enfatizou que a indicação deve caber às entidades sindicais. “Mostramos que a preocupação da Cbic, na verdade, não tinha razão de ser”, disse. Até esta quinta-feira, os sindicalistas esperam que o entrave tenha sido superado e que o setor patronal assine o compromisso.

A Cbic, que até esta tarde considerava que o acordo ainda estava em processo de construção, e informou, por meio de sua assessoria, que deve assinar o termo. Procurada pela reportagem, a Odebrecht confirmou que será uma das empresas signatárias do compromisso. Junto com Camargo Corrêa e Andrade Guiterrez, a empreiteira é responsável pela maioria das obras dos estádios que irão sediar a Copa do Mundo de 2014 – que conta com R$ 23 bilhões de recursos públicos. A empreiteira é responsável, também, pela construção da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira. A exemplo dos protestos nas obras das hidrelétricas de Rondônia, foram recorrentes ao longo do ano passado paralisações na construção da Arena Pernambuco e nos estádios da Fonte Nova, em Salvador, na Bahia, e do Maracanã, no Rio de Janeiro. As queixas mais comuns são falta de pagamento de horas extras, alimentação precária ou baixo valor de auxílio-refeição, além de falta de plano de saúde.

Apesar de o acordo apontar para uma possibilidade de conciliação entre trabalhadores e empresas, o dirigente da CUT não acredita que as greves no setor cessem. “O que nós acreditamos é que, com as medidas que criamos na mesa de negociação começamos a ter instrumentos para resolução dos conflitos”, disse Manoel Messias. Com a atividade aquecida no setor, observa o sindicalista, as chances de soluções negociáveis aumentam. “Mas não quer dizer que não tenhamos greve.”

Embora não tratem diretamente sobre o assunto durante as reuniões com o empresariado, os sindicalistas veem o compromisso como precursor de um contrato coletivo nacional para o setor da construção civil. “A visão que nós temos, e que os próprios empresários admitiram, é que o compromisso abrirá nova lógica no relacionamento”, afirmou Messias. A CUT deve trabalhar no primeiro momento para que haja adesão ao compromisso e, depois, apostar em um acordo coletivo e em um piso salarial nacional. “Vai ser um esforço conjunto no próximo período.” CUT e Força Sindical, ambas com grande representatividade na categoria, defendem piso unificado de R$ 1,1 mil para ajudantes de obras e de R$ 1.580 para carpinteiros e pedreiros. Nova reunião entre as centrais e representantes do governo está marcada para a próxima terça, 6 de março.