Anteprojeto entregue por sindicalistas ao governo visa a fortalecer negociação coletiva

Proposta dos metalúrgicos do ABC moderniza as relações de trabalho sem esbarrar em direitos fundamentais. Texto deve ir ao Congresso com autoria do Executivo

Quando o sindicato está presente no local de trabalho, negociação coletiva é constante, diz Sérgio Nobre (Foto: Rossana Lana/Divulgação)

São Bernardo do Campo (SP) – Uma cerimônia realizada daqui a alguns minutos na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC porá fim a três anos de debate com vários setores da sociedade. O resultado da mobilização é um anteprojeto de lei sobre a negociação coletiva e o Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico, chamado de ACE. O documento será entregue ao ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, responsável pelo encaminhamento da matéria por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

Além de Carvalho, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e o da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, devem participar do evento. Dilma já manifestou seu apoio à iniciativa, segundo os sindicalistas, o que significa que o texto deve ser apresentado à Câmara dos Deputados como projeto de autoria do Executivo. A tramitação tende a ser facilitada ainda pelo fato de ter sido debatido com lideranças partidárias. O projeto propõe a modernização das relações de trabalho porque permite alguns retoques na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada há 68 anos. Ao mesmo tempo, preserva direitos fundamentais do trabalhador previstos pelo artigo 7º da Constituição Federal, considerado uma mini-CLT – salário mínimo, 13º salário e férias, entre outros.

Exemplo de acordo

Algumas trabalhadoras foram beneficiadas por um acordo especial firmado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e uma empresa da base que resultou no acréscimo de 15 dias à licença maternidade. O problema é que essa negociação, ainda que benéfica, não é legal. O mundo mudou, as mulheres trabalham em uma cidade e moram em outra, lembra o presidente do sindicato. “Como seria possível fazer dois intervalos de 30 minutos por dia para ir para casa amamentar (como prevê a CLT) com a realidade atual?”

Com base nisso, o sindicato e a empresa somaram os intervalos e o acordo fechado entre as partes transformou os intervalos em dias acrescidos ao final da licença das mães. Atualmente a fiscalização do trabalho rejeita essas negociações.

Mas há uma grande possibilidade de mudança, de acordo com Sérgio Nobre. “Nós acreditamos na aprovação do projeto. Ele foi visto pelo ex-presidente Lula, que contribuiu, por centrais sindicais, por entidades empresariais, políticos, acadêmicos, pesquisadores, juristas”, encerrou.

O objetivo é dar segurança jurídica a acordos regularmente efetuados por alguns sindicatos diretamente com empresas, mas não tolerados pela fiscalização da Justiça do Trabalho. Ao autuar o empregador que segue os termos firmados junto à representação de trabalhadores, o Judiciário invalida a negociação, apesar de haver aprovação do tema pela maioria dos funcionários envolvidos (leia a íntegra do anteprojeto).

De acordo com a equipe que coordenou a formulação do projeto, é preciso destacar a virtude de que, “com a nova lei, sindicatos de trabalhadores e empresas que reconheçam o direito de representação sindical poderão estabelecer com segurança jurídica normas e condições específicas de trabalho, formas de solução voluntárias de conflitos, respeitados os direitos previstos no artigo 7, passando a gozar de liberdade para fixar particularidades que nenhuma lei, por mais detalhista que seja, conseguiria definir com eficácia”.

“Essa é de longe a proposta mais importante para a classe trabalhadora desde a criação da CLT”, afirmou o professor de Economia da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (Ibret), Hélio Zylberstajn. Para ele, o projeto, de caráter voluntário, permite o avanço nas relações. “As empresas que aceitarem vão se modernizar; as outras vão ficar paradas. Quem aderir, sindicato e empresa, está reconhecendo o outro como legítimo”, disse.

O professor destacou que, no Brasil, o sistema trabalhista criou fortes interesses e é difícil alterar as regras, para chegar a uma reforma sindical ou trabalhista que atenda a essas diferentes fontes de pressão. “Por isso, o projeto é inteligente. Vai quem quer”, observou.

Para o presidente da Câmara Federal, deputado Marco Maia (PT-RS), o projeto nasce de uma boa iniciativa que dialoga com as relações capital-trabalho. “A proposta coaduna com a tarefa histórica que todos temos neste momento de garantir melhorias das relações de trabalho no Brasil”, disse.

Justificativa

A proposta, encampada pelos metalúrgicos do ABC, surgiu das discussões sobre a representação sindical nas empresas, que agora completa 30 anos, a partir da criação da primeira comissão de fábrica, na Ford. “Essa conquista significou a superação do sindicalismo de data-base, aquele pelo qual se negocia uma vez por ano. Em seu lugar, foi implementada a negociação coletiva permanente. Quando o sindicato está presente no local de trabalho, isso é constante”, disse o presidente do sindicato, Sérgio Nobre.

O sindicalista admite que essa maturidade da negociação coletiva ainda é restrita a poucas categorias, mas que o projeto estimula a criação da representação no local de trabalho. “Daqui 10, 20 anos, vamos ter outra realidade nas relações”, aposta.

Questionado sobre a possibilidade de empresas e sindicatos serem movidos pela má-fé e virem a firmar acordos prejudiciais aos trabalhadores, Nobre enfatizou a importância dos requisitos para a negociação. Será possível adotar mecanismos previstos apenas se o sindicato tiver, na empresa, 50% mais um trabalhador entre seus associados, e se a proposta negociada for aprovada por 60% dos trabalhadores em voto secreto.

No destaque das principais virtudes, o arrazoado do projeto destaca a autonomia das partes: “Reconhece o direito de sindicatos organizados a partir do local de trabalho e empresas de criarem normas que resolvam boa parte de suas demandas onde elas se manifestam, o local de trabalho. Esse aperfeiçoamento deve ser visto como uma das iniciativas em direção a um processo de transicão da velha legislação para outra que valorize e estimule a autonomia das partes, onde a regulação das relações de trabalho acompanhe a dinâmica das transformações em curso no mundo do trabalho”.

Requisitos

O documento releva também o fato de somente sindicatos profissionais e empresas que possuem e comprovem práticas sindicais democráticas estarem qualificados à negociação coletiva nos moldes da proposta. Para isso, devem seguir os seguintes requisitos:

Do lado dos sindicatosDo lado das empresas
Obter habilitacão no Ministério do Trabalho e Emprego, que só será concedida aos sindicatos que tiverem comitês sindicais de empresa – órgão de representação sindical no local de trabalho – regulamentado em seu estatuto e instalado em uma ou mais empresas da baseReconhecimento da representação sindical no local de trabalho
inexistência de condenações judiciais por práticas antissindicais

O advogado trabalhista Eliseu Prata, gerente de relações sindicais aposentado desde abril da fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo, onde trabalhou por 29 anos, enfatiza que a maior vantagem do projeto é o respeito por parte da fiscalização aos acordos firmados, já muito frequentes nas montadoras do ABC.

Prata diz que a legislação trabalhista está parada no tempo e defende uma revisão da CLT. “Quem legisla sobre as novas formas de trabalho? Sobre aquele empregado que atende ao celular da empresa durante 24 horas, que leva trabalho para casa? O mundo avançou e a legislação tem de acompanhar”, reclama.

Para Sérgio Nobre, essa é uma questão delicada porque acontece em um país onde ainda existe trabalho escravo, e a CLT é efetiva para defender os direitos. “A CLT, apesar de seu atraso, ainda atende à realidade média brasileira. Mas há setores que descolaram disso e precisam avançar. Se por causa da realidade brasileira for impedida a negociação, se impede qualquer avanço. Então, para aqueles que ainda não avançaram, (vale) a CLT. Para os que avançaram, que haja uma liberdade maior para continuar avançando. Nossa proposta é boa para o país e tem de ser estimulada, e não sufocada”, afirmou.

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