Trabalho infantil é porta para violações de outros direitos

Para especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual, questão de gênero também está envolvida no problema, que poderia ser combatido por mudanças de critério do Bolsa Família

Pesquisa da Unicef divulgada esta semana mostra que 680 mil crianças brasileiras estão fora da escola (Foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil)

O mundo lembra nesta sexta-feira (12) o Dia de Combate ao Trabalho Infantil. No Brasil, infelizmente, a data concorre com o Dia dos Namorados e, este ano em especial, com um feriado prolongado. Ainda assim, ninguém se arrisca a dizer que o problema não existe.

No país, a questão de gênero permeia o tema, com as meninas mais sujeitas à exploração sexual e aos trabalhos domésticos, ao passo que os meninos são mão-de-obra barata em feiras livres e maioria entre as crianças em condição de rua. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), o trabalho infantil é a principal causa de abandono dos estudos.

Atualmente, a violação de direito afeta 2,5 milhões de brasileiros com idade até 15 anos (6,6% do total de crianças e adolescentes), apesar de uma redução de 44 pontos percentuais desde 1992, quando o Brasil adotou o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho.

A professora Maria de Fátima Pereira Alberto, do Grupo de Estudos sobre o Trabalho Precoce da Universidade Federal da Paraíba, aponta que trabalhar na infância tem várias implicações físicas (deformação de estruturas ósseas e musculares) e psíquicas: “há fatores de ordem cognitiva relacionados à escolaridade. Haverá atraso no desenvolvimento escolar, problema de analfabetismo, baixo nível de escolaridade. Tudo isso tem repercussão significativa na vida adulta, é o que a gente chama de capital cultural”.

A questão de gênero é determinante na constituição das atividades desenvolvidas pelas crianças. Segundo pesquisas conduzidas pela Federal da Paraíba, as meninas são 75% das crianças exploradas sexualmente no estado e, no caso do trabalho doméstico, o número é de 70%. “Há um processo de estigmatização a ponto de que muitas meninas não querem ser identificadas na escola como trabalhadoras domésticas porque se tem a visão do trabalho doméstico como algo de menos valor. Isso acaba repercutindo no processo de constituição dessas meninas e desses meninos do ponto de vista da autoestima, da cidadania, do relacionamento afetivo. Os danos são irreversíveis”, afirma a professora.

Para Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), há uma relação muito clara entre o trabalho infantil e a violação de outros direitos humanos. “Estudos mostram que, entre os adolescentes hoje privados de liberdade, vários deles foram trabalhadores infantis, foram aliciados pelo tráfico, moravam na rua”, avalia.

Ela destaca que apenas a articulação de políticas públicas e da sociedade civil pode frear o problema: “retirar uma criança do trabalho infantil implica em que ela seja mantida e acolhida pela escola, a oportunidade para participar de atividades complementares na escola, políticas de inclusão, políticas que atendam as famílias dessa criança, que a criança tenha assistência do sistema de saúde”.

Na visão de Isa Maria de Oliveira, o Bolsa Família falhou no quesito trabalho infantil, sem conseguir gerar avanços significativos. Quando foi criado, o principal programa social do governo absorveu o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e, na visão da secretária executiva do FNPETI, o enfrentamento do problema perdeu o foco. “O Bolsa Família é entendido como programa de combate à pobreza e que tem como condicionalidade a frequência escolar e o cumprimento do calendário de vacinas. A questão até aparece, mas não é reafirmada como uma condição para receber o benefício. Para as famílias, persiste a compreensão de que recebe a transferência quem está na escola”, destaca.

A procuradora do Trabalho Mariane Josviak concorda que os programas sociais precisam focar nessa questão, colocando a “prevenção como fator de destinação de verba para o Peti ou para o Bolsa Família, sem que seja necessário aguardar metas, e sim haja a inserção automática no programa”. Coordenadora de Combate à Exploração do Trabalho da Criança do Ministério Público do Trabalho, ela defende a ampliação do ensino em tempo integral e uma campanha de informação mostrando que o trabalho infantil é maléfico à saúde e ao futuro das crianças como formas de prevenir a ocorrência do problema. “Prefeituras, estado e União federal devem trabalhar para ampliar estas políticas públicas, prevendo em suas leis orçamentárias verba tendente a erradicar o trabalho infantil e profissionalizar adolescentes, como, por exemplo, na modalidade aprendizagem profissional a partir de 14 anos de idade”, afirma.