Para a Contag, Estado brasileiro ‘foi montado’ para o modelo do agronegócio

Entidade, que completará 50 anos em dezembro, fará congresso no início de março

O presidente da Contag, Alberto Ercílio Broch, durante o ‘Grito da Terra’ em 2011 (Foto: Antonio Cruz/ABr)

São Paulo – Apesar de avanços na agricultura familiar, o setor de agronegócio continua “nadando de braçada” no Brasil, avalia o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Ercilio Broch. 

“O Estado brasileiro foi montado para o agronegócio. Apesar das nossas conquistas, que não foram poucas, o Estado brasileiro está calcado nesse modelo de desenvolvimento”, afirma o dirigente, que será reeleito no próximo dia 8, último dos cinco dias do 11º congresso da entidade, em Brasília. Na última terça (19) foi registrada a chapa única para a eleição da nova diretoria da Contag, que em dezembro completará 50 anos.

Um dos avanços, diz o presidente da confederação, está no maior volume de recursos. O atual Plano Safra, por exemplo, supera os R$ 20 bilhões. Em outros tempos, esse valor era de R$ 2 bilhões. Mas ainda há dificuldade de acesso à terra e, em algum casos, a políticas públicas.

No Parlamento, algumas questões ainda emperram pela força da bancada do agronegócio, amplamente majoritária sobre a dos trabalhadores. “No Congresso, saímos do nada e temos alguns representantes importantes”, afirma Broch. Nas Câmaras Municipais, a entidade conseguiu eleger aproximadamente 300 vereadores. “Mas ainda estamos muito desiguais.”

Ele aposta na aprovação da chamada PEC do Trabalho Escravo, a proposta de emenda à Constituição aprovada na Câmara após 11 anos e que está no Senado desde maio do ano passado, sob o número 57A. A PEC está na Comissão de Constituição e Justiça, ainda à espera do relator. “Estamos convictos de que vai passar no Senado, como passou na Câmara. Vai depender da pressão.”

Desenvolvimento

Como resultado, entre outros fatores, da pressão de 350 entidades de 60 países, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou 2014 como ano internacional da agricultura familiar. “Muitos governos abraçaram essa causa. É preciso valorizar a agricultura familiar como fator de desenvolvimento”, afirma Alberto Broch. “Quando se fala em combate à fome e à miséria, em soberania e segurança alimentar, não se pode discutir o sistema sem discutir agricultura familiar.”

Pelo Censo Agropecuário 2006, do IBGE, a agricultura familiar, com mão de obra de 12,3 milhões de pessoas, tinha peso considerável na composição da cesta básica (em torno de 70%). Era responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e 58% do leite. Foram identificados 4,368 milhões de estabelecimentos nesse sistema. Apesar de representar 84,4% do total, ocupavam apenas 24,3% da área dos estabelecimentos agropecuários. Os não familiares eram 15,6%, com 75,7% da área.

A Contag surgiu no final de 1963, nos últimos meses do governo João Goulart, que seria deposto pouco depois. Era um período de polarização política e discussão sobre reformas, entre as quais a agrária. Recém-formada, a direção da entidade foi deposta após o golpe de 1964. O atual presidente se preocupa com o atual momento da reforma agrária. “Para alguns setores da sociedade e até alguns da esquerda, transparece como não sendo mais necessária”, observa.

Centrais

Agora, Broch vê processos de reconcentração de terra em alguns países. “Esse é um fenômeno perigoso, que ameaça a agricultura familiar”. Ele considera importante a ida de José Graziano da Silva para a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) – é o primeiro latino-americano a assumir a direção geral da entidade que, para o presidente da Contag, já sofreu “pressões fortíssimas” no sentido de não fortalecê-la. “Ele conhece muito bem o país, a América Latina, é uma conquista muito importante. Nós nos envolvemos diretamente na eleição de Graziano.”

Entre os temas do congresso, o da filiação a uma central sindical é sempre lembrado. No encontro de 2009, a maioria decidiu pela desfiliação da CUT. 

“A maioria dos sindicatos não era filiada (à CUT), então a Contag vivia esse conflito”, diz Broch. Segundo ele, hoje a entidade tem convivência mais próxima com duas centrais – a própria CUT e a CTB. “Temos uma relação muito boa, tanto é que estamos construindo uma chapa única, em meio a toda essa diversidade. Esse debate (sobre filiação) continua”, afirma o dirigente.

São esperadas 3 mil pessoas para o congresso, sendo 2.500 delegados de base, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. A Contag reúne hoje 27 federações e 4.200 sindicatos.