Votar Código Florestal após Rio+20 é inviável por pressão de ruralistas

Deputado e analistas entendem que governo Dilma acabará pressionado a ceder à base ruralista para evitar estragos em outros projetos

Floresta Amazônica é derrubada para formação de pastagens em projeto do agronegócio (Foto: MMA/Divulgação)

São Paulo – O governo federal terá dificuldades em levar adiante o plano de votar o projeto que altera o Código Florestal apenas após a Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, marcada para junho. O plano inicial de Dilma Rousseff, que teme desgastar a imagem brasileira perante o mundo com a aprovação de uma legislação ruim em termos ambientais, esbarra no ímpeto da bancada ruralista.

Uma nova amostra da força dos deputados ligados ao agronegócio, 140 em um total de 513, foi dada na última semana, quando, aproveitando-se da insatisfação de partidos da base aliada com o Palácio do Planalto, promoveu-se a obstrução da pauta da Câmara para inviabilizar a votação do projeto da Lei Geral da Copa. “Mais importante do que a atividade de um mês no Brasil (Copa do Mundo) é a atividade perene da agricultura”, disse na última semana o líder do PTB, Jovair Arantes, para explicar a operação feita em conjunto com a oposição.

Antonio Augusto de Queiroz, analista politico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), considera que a tensão pré-eleitoral se somou a problemas na articulação do governo com o Congresso. A lentidão na liberação de emendas parlamentares, instrumentos utilizados diretamente na relação de deputados e senadores com a base, tem relação direta com a disputa nos municípios, em especial os menores, nos quais é hora de mostrar serviço. “É realmente uma rebelião que rapidamente será superada com a liberação das emendas. Na votação do Código Florestal, o governo não vai ter como equalizar mesmo, vai ter de liberar e ver se consegue maioria para derrotar a bancada ruralista.”

Tema de controvérsia nos últimos dois anos, o projeto que altera o Código Florestal foi responsável por uma dupla derrota do governo em plenário no ano passado. A bancada ruralista, de atuação suprapartidária, com representantes na situação e na oposição, conseguiu não apenas aprovar um texto que sofreu alterações após a negociação com o Executivo como aprovou uma emenda que dava anistia aos desmatadores. 

No Senado, o Planalto abandonou sua postura anterior, de deixar ao Legislativo fechar questão sobre o tema, e negociou uma versão que considerou aceitável. Esperava-se que a Câmara simplesmente ratificasse o novo texto, mas a bancada ruralista voltou a atuar para promover alterações com as quais o governo não está de acordo.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) acha elogiável a resistência de Dilma a aceitar a aprovação do novo Código Florestal, mas não vê condições de segurá-la até a Rio+20. “Vamos ver até quando há resistência ao fisiologismo. Não é nem discutir se está havendo. Está. Resta saber até quando. Acho que não vai ser de profundidade”, afirma. 

A temperatura em torno do Código Florestal, já alta, ficou mais elevada quando o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, teceu críticas à decisão de partidos da base aliada de obstruir a votação da Lei Geral da Copa. “Não vamos cair no engodo dos predadores da agricultura. Vamos votar pelo Brasil, para cumprir o acordo feito (com a Fifa).” No dia seguinte, declarou que não se referiu aos ruralistas, mas disse não se importar se a “carapuça serviu”. 

A tarefa dos líderes do governo é costurar um acordo para votar a legislação relativa ao Mundial de 2014, mas os partidos da base aliada aproveitam para cobrar a definição de uma data para a apreciação do texto ambiental. “É claro que nestes momentos de crise política isso fica pior porque está fragilizada a orientação do Planalto perante a votação. Isso é tomado por quem está insatisfeito em mostrar para a presidente que estão insatisfeitos”, afirmou Francisco Fonseca, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas. Para ele, a única possibilidade de costurar um texto “progressista” para o Código Florestal seria se valer de apoio popular como forma de pressão sobre o Legislativo.

Chico Alencar concorda que a saída para mudar a lógica da política atual reside no suporte social, mas avalia que este é um plano de longo prazo. Para o deputado, a mudança teria sido possível na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, de origem no movimento sindical e melhor conhecedor do contato com a população. Ele considera que a presidenta parece disposta enfrentar velhas práticas do sistema partidário, mas não vê a possibilidade de que isso seja levado adiante sem uma reforma política que mude os grupos de atuação no Legislativo e que envolva a sociedade nas grandes discussões.

“A Dilma é como um piloto de avião que resolve em pleno voo mudar a carta de navegação. Sem ter combinado com a tripulação. Tem de avisar os passageiros, que gostariam dessa mudança de rumo”, brinca. “Mas os passageiros, que são a sociedade brasileira, estão distraídos vendo um filme e nem sabem do que ocorre na cabine de comando.”

Lenta e gradual

Após ser derrotada no Senado na tentativa de renovar o mandato do diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, no começo do mês, Dilma resolveu sacar da liderança do governo Romero Jucá (PMDB-RR), que havia ocupado a função durante parte dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Fernando Henrique Cardoso. No dia seguinte, anunciou também a troca do líder da base na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), substituído por Alindo Chinaglia (PT-SP).

A retirada de Jucá da liderança governista foi interpretada abertamente por Renan Calheiros (PMDB-AL) como um sinal de enfraquecimento de seu grupo, encabeçado também por José Sarneuy (PMDB-AP). O novo líder, Eduardo Braga (PMDB-AM), era visto como integrante de um grupo independente de peemedebistas, com interesses heterogêneos. Naquela mesma semana, em gesto simbólico, Lula abriu espaço em uma agenda temporariamente restrita em virtude do tratamento contra o câncer, recebeu Braga e fez-se fotografar a seu lado. 

No dia seguinte, o senador, ex-governador do Amazonas, apareceu nos jornais afirmando que o ex-presidente dava total apoio ao trabalho de Dilma para aperfeiçoar o sistema de coalizão, somando ainda a leitura de que o Brasil de hoje, bem diferente daquele do início de seu mandato, em 2003, permite mudanças. “Lula vai construir um papel no sentido de ser o embaixador que vai acalmar os partidos. A presidenta vai jogar duro lá e depois ele vai entrar como bombeiro para apagar os incêndios, evitar que a eleição municipal desagregue os principais partidos da base”, diz Queiroz, do Diap.

Ele discorda da visão de que se viva um mau momento na tentativa de mudar – se não o sistema, a lógica dele no que diz respeito a indicações para ministérios e autarquias. “Há critérios que precisam ser considerados, afinidade com o setor, uma  trajetória de decência na relação com os bens e a administração pública”, avalia Queiroz.

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