Defesa de licitação transparente não ‘mela’ Copa

Caio Magri, do Instituto Ethos, quer que legado de eventos esportivos seja de avanços éticos; RDC não resolve

Novo Mineirão é das poucas construções para Copa que podem ser acompanhadas pela internet. Mas ainda falta, dados sobre licitação da obra (Foto: Sylvio Coutinho/Divulgação)

São Paulo – O Regime Diferenciado de Contratações (RDC), aprovado pela Câmara em 28 de junho e na pauta de votação do Senado nesta quarta-feira (6), não é visto como solução por Caio Magri, gerente de políticas públicas do Instituto Ethos. “O que pode significar um avanço é a discussão de um novo marco. Não é o RDC. Se o RDC está sendo usado para mostrar que se está modernizando as contas públicas, isso é uma falácia”, avalia, em entrevista à Rede Brasil Atual.

As regras, válidas para as obras de infraestrutura para Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, eliminam a possibilidade de recursos na fase de licitação e exigem a apresentação de documentação apenas do consórcio vencedor do edital. O governo acredita que isso dará mais velocidade aos trabalhos em um momento em que se corre contra o relógio para entregar as construções voltadas aos megaeventos.

Ponto central para os debates da oposição, o ponto que prevê o sigilo no valor da obra no momento da licitação é defendido pelo Palácio do Planalto como uma medida para evitar conluio entre construtoras. A leitura é de que o segredo sobre o montante que o poder público pretende injetar em uma obra vai evitar que as empresas combinem entre si o preço que irão apresentar. 

“Não adianta dizer que na Inglaterra o RDC reduziu os custos das obras públicas porque a Inglaterra tem outros mecanismos para dificultar a fraude, o cartel e a corrupção em licitações”, critica Magri. Ao mesmo tempo, ele considera que esta é uma grande oportunidade para debater a construção de novas regras. O governo estuda a formulação de um marco que acelere a execução de obras públicas como um todo, reduzindo a possibilidade de recursos judiciais e de desvios. 

Magri comenta que a sociedade deve estar atenta aos gastos em torno dos megaeventos e pondera que fiscalização não significa barrar a realização. “A sociedade não está entendendo muitas vezes que a preocupação com transparência e ética não tem nada a ver com ‘melar’ a Copa, as Olimpíadas.”

Além de integrar o projeto “Jogos limpos dentro e fora dos estádios”, a favor da transparência nos dois eventos esportivos, o Ethos é membro da Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), responsável pelo projeto que resultou na Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos com condenações judiciais.

A seguir, a primeira parte da entrevista com Caio Magri.

RBA – O poder público, sob pressão de vários lados, tem tido de caminhar rapidamente nas decisões sobre a Copa do Mundo de 2014. Como dar transparência a esse processo?

O Ethos está envolvido em um projeto chamado “Jogos limpos dentro e fora dos estádios”, que tem como objetivo buscar ampliar essa transparência, construindo algumas ferramentas que podem ajudar no controle social. Neste momento, os dados estão muito maltratados do ponto de vista da informação. Temos, por exemplo, informações sobre o Mineirão (em Belo Horizonte) disponíveis na internet, mas não se consegue recuperar a história que trouxe aquele consórcio como ganhador, aquele preço. Temos de pressionar para que se coloque isso. 

Há uma tensão muito forte dos órgãos de controle, que estão trabalhando firme no acompanhamento dos procedimentos e estão colocando as informações publicamente. O novo marco regulatório que está surgindo por aí (RDC) não veio para ficar no lugar da Lei 8.666 em Copa e Olimpíadas apenas, veio para substituir de fato. Independentemente das críticas, um dos problemas que este marco regulatório coloca é que é necessário mudar as regras das compras públicas para garantir transparência, sustentabilidade.

“A sociedade não está entendendo muitas vezes que a preocupação com transparência e ética não tem nada a ver com “melar” a Copa, as Olimpíadas. A gente quer que o Brasil faça a melhor das Copas, mas exatamente porque para ser melhor tem de ter legado, uma história, uma herança, que essa herança seja também de transparência e de ética” – Caio Magri, do Instituto Ethos

É uma oportunidade. Podemos fiscalizar a correria que está em torno da Copa ao mesmo tempo em que fazemos uma discussão de longo prazo, pois precisamos rever as políticas que regulam as compras públicas. O Estado é o maior indutor de desenvolvimento no Brasil, não existe nenhum outro com a mesma capacidade. Se o Estado tiver, nas compras públicas, critérios de sustentabilidade, (de preservação) ambientais, de redução de pobreza, de transparência, você tem uma transição para uma nova economia. Podemos, como exemplo, aprovar uma nova lei que obrigue o Estado a comprar localmente de micro e pequenas empresas. Isso existe há cem anos nos Estados Unidos. E muda a lógica do desenvolvimento.

RBA – Como isso funcionaria?

Quando se fala nos efeitos do Bolsa Família, sempre se lembra que injetou dinheiro na economia de um determinado território, que diminuiu a fome, reduziu a pobreza, criou uma massa de recursos nova naquele lugar. As pessoas não vão gastar esse dinheiro a 50 quilômetros de distância. Gastam ali. É uma lógica que pode ser seguida na nova lei de contas públicas.

RBA – Por que tanta dificuldade para levar o debate adiante?

É difícil. A sociedade não está entendendo muitas vezes que a preocupação com transparência e ética não tem nada a ver com “melar” a Copa, as Olimpíadas. A gente quer que o Brasil faça a melhor das Copas, mas exatamente porque para ser melhor tem de ter legado, uma história, uma herança, que essa herança seja também de transparência e de ética. Vamos ter de correr atrás do prejuízo o tempo todo, mas acho que a sociedade tem mecanismos importantes de controle que não tinha antes.

“O Brasil, na verdade, é um país que é referência em controle social. Há quem confunda com um controle autoritário da sociedade. A mídia acha que é o controle sobre seu pensamento. Temos boas experiências, desde a criação, na Constituição de 1988” – Caio Magri, do Instituto Ethos

RBA – Dentro desse legado, o RDC, se bem discutido, pode significar um avanço?

Não. O que pode significar um avanço é a discussão de um novo marco. Não é o RDC. Se o RDC está sendo usado para mostrar que se está modernizando as contas públicas, isso é uma falácia. Se a forma como é feita em alguns países é bem sucedida, é porque há outro sistema de integridade que garante maior controle interno. Não adianta dizer que na Inglaterra o RDC reduziu os custos das obras públicas porque a Inglaterra tem outros mecanismos para dificultar a fraude, o cartel e a corrupção em licitações.

RBA – Há bons exemplos de controle social em outras partes do mundo?

O Brasil, na verdade, é um país que é referência em controle social. Há quem confunda com um controle autoritário da sociedade. A mídia acha que é o controle sobre seu pensamento. Temos boas experiências, desde a criação, na Constituição de 1988, dos conselhos nacionais de políticas públicas, até um movimento como o Ficha Limpa. É uma ferramenta de controle social construir uma lei de uma iniciativa popular, construir mecanismos de pressão, fazer uma discussão com o Parlamento, ou seja, uma discussão forte entre a democracia representativa e a democracia participativa, e ter como referência um resultado que é o controle da conduta dos políticos.

RBA – A Lei da Ficha Limpa foi a melhor iniciativa que saiu da Abracci?

Foi. A Abracci foi uma das articulações que deu sequência à defesa do ficha limpa. A Abracci é fruto do Ficha Limpa. Ela reunia uma série de entidades, de gente que queria fazer, mas precisava de uma iniciativa que colocasse todo mundo junto. 

O projeto que tenta estabelecer metas para um mandato parece ter mais dificuldade de ser discutido no Legislativo e de ser respeitado pelo Executivo.

Essa é uma questão importante. Não dá para ter controle da gestão pública sem indicadores de metas. Você pode controlar o dia a dia, mas a gente vai chegar aonde? Como vai conseguir avaliar? Isso do dia a dia está produzindo que efeitos? Controlar o processo é importante, mas precisa controlar os resultados. A lei de metas é fundamental para um controle social eficiente.

Como é uma emenda constitucional, a iniciativa popular não pode entrar com uma proposta. O que pode acontecer é fazer uma mobilização de tal vulto que você entrega a um parlamentar para apresentar a proposta. 

RBA – A iniciativa popular é uma das prioridades da reforma política?

É um dos modos de fazer controle social. E tem de aperfeiçoar a iniciativa popular em todos os sentidos. De organizar plebiscito, organizar referendo. Tem de potencializar a possibilidade de a democracia participativa ter mais espaço na cena política.

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