Marina Silva vê PV em ‘zona nebulosa’ e pede mais democracia interna

Terceira colocada na corrida presidencial de 2010, a ex-senadora descarta deixar a legenda agora, mas faz duras críticas à direção de José Luiz de França Penna

Marina: “Estou no PV não como plataforma para candidaturas” (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

São Paulo – A ex-senadora Marina Silva (PV-AC) pediu, em artigo-manifesto divulgado nesta quinta-feira (24), mais democracia interna em seu partido. Candidata terceira colocada na eleição presidencial de 2010 com 19 milhões de votos, ela critica ainda o que considera uma descontinuidade de um compromisso assumido pela executiva da legenda com a própria Marina, antes de sua transferência do PT para o PV. Apesar de enxergar os Verdes, neste momento, em uma “zona sombria”, Marina afirma querer permanecer na agremiação.

A divulgação do artigo ocorre horas antes de uma coletiva de imprensa convocada por Marina junto a outras lideranças para lançar a tendência Transição Democrática no PV. O grupo defende que a legenda seja mais aberta aos filiados, diferentemente do que ocorre atualmente, com “apenas meia dúzia de dirigentes” controlando as decisões.

“Estou no PV não como plataforma para candidaturas”, sustenta. “Reafirmo meu desejo de permanecer neste Partido Verde, contribuindo para o seu crescimento e qualidade política”, esclarece. Ainda assim, ela não poupa a atual direção de críticas. Segundo a CartaCapital, a criação de uma tendência dentro da legenda foi interpretada como o possível início de um novo partido, na esteira do PSD de Gilberto Kassab.

Em reunião da direção do partido, no dia 17, o deputado federal José Luiz de França Penna, presidente da legenda, conseguiu aprovar a prorrogação de seu mandato por um ano. A decisão barra o processo de convocação de eleições internas. A justificativa é que são necessárias discussões e seminários para traçar os caminhos a seguir. O episódio foi qualificado de “pesadelo verde” pelo deputado federal e secretário geral do PV, Alfredo Sirkis. Por isso, o destino da sigla divide suas principais lideranças.

“Parecia natural que o caminho adotado na reunião da executiva nacional, em Brasília, fosse o da adoção inconteste do novo jeito de fazer política (defendido durante a eleição presidencial)”, escreve Marina. “Mas essa não foi a tônica. Ao contrário, a decisão da executiva nacional de ampliar seu mandato por até um ano e, assim, postergar qualquer mudança endógena imediata, vai na contramão do que foi dito na campanha e do compromisso feito perante o país”, criticou.

Segundo a ex-senadora, a maior parte das executivas estaduais e todas as instâncias municipais são formadas por indicação e não pelo voto, além de ter caráter provisório. “Praticamente não há convenções municipais e estaduais ou eleições diretas de dirigentes. Esses mecanismos provisórios têm sido vistos como forma de proteger o partido de atitudes oportunistas e da pressão do poder econômico. Agora, eles nos isolam da sociedade, nos fragilizam no que pode nos tornar mais fortes que é a nossa coerência e não nos protegem nem de nós mesmos”, analisa.

“Estamos discutindo (…) a promessa de reestruturar o PV e, a partir de sua democracia interna, sua postura e seu programa, arejar a cultura política brasileira e apresentar propostas de desenvolvimento compatíveis com o que se espera no futuro, no século XXI”, propõe. “Hoje, não há outro assunto mais importante do que esse, porque ainda não nos acertamos, nos detalhes, para seguir nessa direção. E se não é esta a direção, estaremos nos desconstituindo enquanto promessa e negando a própria gênese do PV no mundo”, desafia.

Ela defende a abertura do PV à “energia revitalizante que vem da sociedade”. Marina atribui aos próprios membros da executiva do partido a proposta de renovação ainda em 2009, um dos aspectos mais importantes para assegurar a decisão de se transferir do PT, onde tinha militância histórica. “Ouvi do próprio presidente que a atualização programática e democratização do PV já eram um movimento em curso, uma determinação da própria direção e, acrescento agora, uma imposição da realidade, um desaguadouro natural dos 25 anos de Partido Verde no Brasil”, relembra.

“O que está em jogo é se o PV vai fortalecer tudo de positivo que foi construído nesses 25 anos, afastando de vez a zona sombria que ainda envolve o partido”, defende. O que está em jogo é aproveitar o “impulso criativo” de pessoas que “voltam a se apaixonar pela política” e “pegar a trilha civilizatória” para buscar “um futuro melhor para a humanidade e para o planeta”.

Transição democrática

O grupo que acompanha Marina no lançamento da tendência é integrado por figuras expressivas. Os mais conhecidos são os deputados federais Alfredo Sirkis (RJ) e Roberto Santiago (SP), os estaduais Beto Tricoli (SP) e Aspásia Camargo (RJ), o presidente do partido em São Paulo, Maurício Brusadim, os ex-candidatos a governos estaduais Sérgio Xavier (Pernambuco) e José Fernando Aparecido (Minas Gerais) e o ex-candidato ao Senado por São Paulo, Ricardo Young.

Nomes como Fernando Gabeira (RJ), segundo colocado na disputa do governo fluminense, compõem outros blocos. Já o deputado federal José Sarney Filho (MA) está com Penna no grupo que controla o PV.

Confira a íntegra do artigo:

O tempo do PV

São Paulo, 24 de março de 2011 – Os quase 20 milhões de brasileiros que me deram seus votos na eleição presidencial do ano passado, possivelmente tinham em mente que até poderiam não estar elegendo, naquele momento, a presidente da República, mas, com certeza, estavam elegendo uma expectativa de mudança profunda na política e na adoção do olhar socioambiental como eixo estratégico de organização da sociedade e de estruturação do Estado.  Precisamos honrar o credito dessa expectativa, sob o risco de, eu e o PV, nos transformarmos em devedores de credibilidade, sonhos e esperança. Agora é o momento de mostrar com clareza e sinceridade que vamos saldar nossa conta.

Construir no país uma nova força política significa muito e não se pode confundir tal missão com cálculos imediatistas, nem com vaidades, nem com candidaturas. Não podemos ignorar a oportunidade que a sociedade brasileira nos deu de fazer História.

Agora é o momento de confirmar o que nos une, acima de divergências, erros e dificuldades de comunicação. E de  traçar, a partir daí, a estratégia partidária que dialogue com a realidade política do país, mas como pólo inovador e não como mais uma usina de atraso. A esperança não pode ser traída pelas tentações do poder ou pela acomodação aos hábitos, aos costumes, às facilidades. Não estamos agora discutindo futuras candidaturas à Presidência da República ou a quaisquer outros cargos. Estamos discutindo de que matéria essas candidaturas serão feitas: da revitalização da essência democrática do espaço público, ou de política convencional, sem conexão com a sociedade, sem alma, sem causas.

Estamos discutindo aquilo que colocamos em perspectiva lá no início da campanha política de 2010, ou seja, a promessa de reestruturar o PV e, a partir de sua democracia interna, sua postura e seu programa, arejar a cultura política brasileira e apresentar propostas de desenvolvimento compatíveis com o que se espera no futuro, no século 21. Hoje, não há outro assunto mais importante do que esse, porque ainda não nos acertamos, nos detalhes, para seguir nessa direção. E se não é esta a direção, estaremos nos desconstituindo enquanto promessa e negando a própria gênese do PV no mundo.

Muitas vezes falei – falamos – da insatisfação da sociedade, da frustração da juventude com a incapacidade do sistema político para promover o bem-comum e para gerar dinâmicas democráticas verdadeiras em todas as esferas do processo de tomada de decisões de caráter público. Falei, falamos, dos avanços sociais, democráticos e econômicos conquistados com o processo de redemocratização do país, principalmente de FHC a Lula, mas também falei e falamos da necessidade de ir adiante na prática política e na concepção e prioridades do desenvolvimento.

O centro vital propositivo de nosso programa moldou-se a partir de três fontes poderosas de significados: a sustentabilidade, a educação e a renovação política. Não podemos abrir mão de nenhuma delas, ou gangrenamos. Em especial, se deixarmos de lado a renovação política dentro do partido, acabou-se a moral para falar de sonhos, de ética, de um mundo mais justo e responsável com o meio ambiente. Podemos até continuar falando, mas soará falso, como voz metálica de robô.

É impossível negar os problemas. É preciso termos mútua tolerância e respeito à nossa diversidade; é imprescindível termos a paciência para o desconstruir/reconstruir responsável e paulatino. Só não podemos deixar de fazer ou abrir mão do que é essencial. E essa é uma decisão coletiva a ser tomada com clareza, à luz do sol, sem nenhuma dúvida. E a clareza se constrói no cotidiano de nossas pequenas ações e intenções, debruçando-nos, dentro do partido, sobre os passos necessários para atingir aquilo que pregamos para fora: a mudança. Não há como recuar de nossa própria reforma política, e há que encará-la com a coragem e o desprendimento que faltam ao sistema como um todo.

Esse novo jeito de fazer política requer enfrentar a crise geral pela qual passam os partidos, que de instrumentos de representação e avanço social cristalizaram-se como máquinas burocráticas, amorfas e voltadas para a conquista do poder pelo poder, muitas vezes não importando os meios, e abandonando a disputa programática pela simples disputa pragmática.

Em contraposição, podemos criar um partido em rede, capaz de dialogar com os núcleos vivos da sociedade para realizar as transformações de uma forma radicalmente democrática. E a disposição do Partido Verde não pode ser menor do que iniciar, nele mesmo, esse movimento de mudança.

Temos que chegar a uma proposta que reflita esse destino histórico escolhido, apregoado e aceito e abraçado por quase 20 milhões de pessoas.

Considero esse projeto que emergiu da campanha eleitoral de 2010 como um legado. Não é uma espécie de espólio a ser dividido entre herdeiros, mas, sim, um conjunto de propostas que podem e devem ser apropriadas pela sociedade e até mesmo por outros partidos e políticos. Meu maior desejo e, creio, de muitos novos e antigos filiados que participaram ativamente dessa campanha, é que o PV discuta profundamente o significado dessa eleição e incorpore novas práticas ao seu longo e rico percurso de construção partidária.

Por isso, parecia natural que o caminho adotado na reunião da Executiva Nacional, em Brasília, fosse o da adoção inconteste do novo jeito de fazer política. Mas essa não foi a tônica. Ao contrário, a decisão da Executiva Nacional de ampliar seu mandato por até um ano e, assim, postergar qualquer mudança endógena imediata, vai na contramão do que foi dito na campanha e do compromisso feito perante o país.

A ampliação do mandato, segundo seus proponentes, é necessária para a realização de seminários, discussões e aprovação de propostas de democratização do partido. Não creio que o aprofundamento da democracia possa ser feito através da supressão, mesmo que temporária, da pouca democracia ainda existente.

No PV, a maiorias das Executivas Estaduais são provisórias, designadas pelo presidente do partido. O mesmo acontece com a totalidade das Executivas Municipais, designadas pelos presidentes estaduais. Praticamente não há convenções municipais e estaduais ou eleições diretas de dirigentes. Esses mecanismos provisórios têm sido vistos como forma de proteger o partido de atitudes oportunistas e da pressão do poder econômico. Agora, eles nos isolam da sociedade, nos fragilizam no que pode nos tornar mais fortes que é a nossa coerência e não nos protegem nem de nós mesmos.

Quero participar das discussões para propor formas mais democráticas de organização partidária, juntamente com todos que estiverem de fato motivados a abrir o partido para a energia revitalizante que vem da sociedade. Lembro que a proposta de adequar o PV a esses novos tempos foi feita pela própria Executiva Nacional, quando do convite feito a mim para ingressar no partido. Ouvi do próprio presidente que a atualização programática e democratização do PV já eram um movimento em curso, uma determinação da própria direção e, acrescento agora, uma imposição da realidade, um desaguadouro natural dos 25 anos de Partido Verde no Brasil.

Por isso, o que está em jogo é se o PV vai fortalecer tudo de positivo que foi construído nesses 25 anos, afastando de vez a zona sombria que ainda envolve o partido. Se beberá da fonte do impulso criativo de milhões de jovens, homens e mulheres que voltam a se apaixonar pela política e se dispõem a colaborar com os verdes. Se vai pegar a trilha civilizatória que se abre no mundo todo, apesar das forças reacionárias de todo tipo que teimam em manter seus status quo à custa de um futuro melhor para a humanidade e para o planeta.

Estou no PV não como plataforma para candidaturas. Estou porque o respeito e vi no partido, pela sua história e pelo que conversamos antes de minha entrada, uma coragem, um arejamento, um frescor juvenil no melhor sentido de ousar mudar, de querer o aparentemente impossível. Reafirmo meu desejo de permanecer neste Partido Verde, contribuindo para o seu crescimento e qualidade política. Estou confiante que a militância verde, seus amigos e simpatizantes, além de todas as pessoas que querem o jeito novo de fazer política, contribuirão para o reencontro do PV consigo mesmo. Tenho plena convicção, como dizia Victor Hugo, de que forte é “a idéia cujo tempo chegou”. Não vamos deixar o nosso tempo passar. Ele está aqui, em nossas mãos e em nossos corações.

Marina Silva

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