Especialistas veem crise europeia se desdobrar e provocar tensões políticas por muitos anos

São Paulo – Sanar os problemas da Grécia é uma atitude necessária para a manutenção da existência da zona do euro, mas o trajeto escolhido pelos líderes regionais fará os […]

São Paulo – Sanar os problemas da Grécia é uma atitude necessária para a manutenção da existência da zona do euro, mas o trajeto escolhido pelos líderes regionais fará os episódios de tensão econômica, política e social se repetirem algumas vezes ao longo dos próximos anos. Após uma semana de tensão com os gregos, a Itália passou a ser a bola da vez. Com uma dívida de 1,9 trilhão de euros e um governo debilitado politicamente, a terceira maior economia da União Europeia é fator de preocupação.

Na visão de especialistas, é acertada a leitura da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que disse no último fim de semana que a Europa deve se preparar para uma década de recessão, mas é equivocada a postura de seu país que, em aliança com a França, tem imposto às demais nações da região ajustes fiscais que devem resultar em recessões prolongadas. A aposta da União Europeia, em acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), é cortar fortemente os investimentos estatais e suportar alguns anos de retração do Produto Interno Bruto (PIB) até que as despesas passem a ser menores que a arrecadação, situação na qual, enfim, poderia ter início um processo lento de quitação dos débitos e de retomada do crescimento. 

“O cenário mais provável é que tenha uma resolução para a Grécia, mas que dali a um tempo surja alguma crise localizada na Espanha ou na Irlanda”, avalia Lucas Vasconcelos, assessor técnico da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Vemos como provável uma crise latente, ou seja, ela não estoura, mas sempre paira a ameaça de crise sistêmica.”

Essa crise tende a agravar as insatisfações sociais, uma vez que vai manter os níveis de desemprego acima das médias históricas da região. Atualmente, a Espanha tem uma taxa em torno de 20%, e Irlanda e Grécia têm níveis próximos a 15%. A situação se vê piorada pelo corte de uma série de garantias sociais que visam à construção do Estado de bem-estar, medidas que garantem proteção aos cidadãos europeus.

“Vislumbraria outra possibilidade, que seria de se pensar de alguma forma simultânea de ajuste fiscal e realinhamento cambial. Mas, presas aos termos da moeda única, a França e a Alemanha não admitem essa possibilidade”, diz Giuliano Contento de Oliveira, professor do Instituto de Economia da Unicamp. A desvalorização do euro seria um fator importante para que os países em dificuldade conseguissem obter mais recursos por meio da exportação e, com isso, garantir o pagamento paulatino das dívidas. 

Ele critica a pouca disposição dos líderes europeus em atacar as causas da crise. A primeira etapa do problema se manifestou de maneira global entre 2008 e 2009 a partir de um excesso de endividamento nos Estados Unidos e da falta de regulação do sistema financeiro. Temendo que a quebra dos bancos se transformasse em uma crise sistêmica, o governo de Barack Obama decidiu arcar com parte das dívidas dessas instituições, no que foi seguido pela Europa. “Na verdade, a lógica de lucros privados e prejuízos públicos é uma lógica que não cabe à sociedade do século 21”, avalia. “Porém, o que tem se observado a partir de agora é a existência de limites muito rígidos a partir dos quais os Estados nacionais têm uma capacidade de reação muito reduzida.”

A falta de comando político, por outro lado, tem ocupado o centro do discurso diplomático brasileiro, sendo indicada como fator problemático em todas as viagens internacionais da presidenta Dilma Rousseff. Nesta terça (8), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a se queixar deste aspecto, e indicou que o Brasil não fará aportes ao FMI enquanto os europeus não cumprirem com a outra parte do acordo. Na última semana, durante a reunião das maiores economias globais, a Cúpula do G20, o país manifestou disposição em aumentar sua participação no fundo, e rejeitou colaborar diretamente para o fundo criado pela Europa para sanar as economias em crise. ““Estão deixando as coisas degringolarem. Só agora vão resolver o problema da Grécia e já tem outro problema para resolver, que é a Itália”, criticou Mantega.

Nações altamente endividadas têm cada vez menos instrumentos disponíveis para estancar emergências. A União Europeia tem forçado à privatização de empresas e o quadro econômico leva a uma redução dos investimentos e ao aumento do desemprego, fatores que afetam o poder de arrecadação do Estado. 

Não raro, a crise econômica tem levado a crises políticas. Em menos de dez dias, o primeiro-ministro grego, George Papandreou, renunciou ao cargo, e o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, perdeu a maioria no Parlamento nesta terça e pode se ver forçado a tomar o mesmo caminho. “Hoje a pior dificuldade dos italianos é a fraqueza do governo. Existe uma dificuldade em fazer ajustes internos, mas uma crise de maior profundidade neste momento não me parece plausível”, argumenta Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor-presidente do Centro Celso Furtado.

Uma crise aprofundada na Itália significaria um problema mais profundo para a União Europeia. Trata-se do terceiro maior país do bloco, e a desvalorização de seus títulos levaria a um efeito sobre os bancos e sobre os demais Estados. Prado acredita que a crise é reveladora, também, da integração regional incompleta. Entre outros problemas está o do Banco Central Europeu, que tem o poder de definir a taxa de juros local e influenciar a cotação do euro, mas não pode fazer empréstimos para socorrer os endividados. Além disso, na arrecadação de impostos há diferenças de um país para outro. “O contribuinte alemão não se sente responsável pelo que acontece em outros países. Se a União Europeia não caminha para uma união fiscal, as dificuldades serão crescentes.”

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