‘Bolsa Família’ argentino desperta preconceitos como no Brasil

Berta Pinto: escola, alimento e roupa para a filha, enquanto busca por emprego (Foto: ©Pablo Busti) Buenos Aires – Berta olha para o lado enquanto fala, mantém as mãos cruzadas, […]

Berta Pinto: escola, alimento e roupa para a filha, enquanto busca por emprego (Foto: ©Pablo Busti)

Buenos Aires – Berta olha para o lado enquanto fala, mantém as mãos cruzadas, avisa que tem vergonha do gravador, mais ainda da câmera fotográfica. Ela deixou Potosí, na Bolívia, há 14 anos, e hoje puxa o sotaque do “duplo ele” feito portenha, mas mantém o perfil tímido da nação de origem.

Aos 25 anos, tem uma filha de 8 que o pai não quis saber de ajudar a criar, e depende das economias do pai para sustentar os gastos. Berta Pinto é moradora de Pilar, uma cidade a 58 quilômetros de Buenos Aires, e não encontra trabalho. “A uma mãe solteira é muito mais difícil buscar um emprego. Não te dão, não adianta”, afirma.

A situação começou a melhorar quando, em 2009, firmou-se o decreto que instituiu o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol). O programa do governo federal garante o pagamento de 220 pesos mensais (em torno de R$ 100) por filho, em um limite de cinco, e de 880 pesos mensais para crianças e jovens com deficiências.

Segundo os últimos dados colocados à disposição pelo Ministério de Desenvolvimento Social, 4,5 milhões de crianças recebem o benefício, o que equivale a pouco mais de 10% da população. O critério é ser menor de 18 anos cujos pais estejam desempregados, vivendo de bicos ou ocupados no serviço doméstico sem receber o salário mínimo.

O Centro de Investigação e Formação da República Argentina (Cifra) indicou que o AUH ajudou na redução da taxa de pobreza. Entre 2009 e 2010, a indigência caiu de 6,6% para 3,2%, o que significa 1,4 milhão de pessoas a menos nessa condição. Entre crianças e adolescentes, a redução proporcional foi mais drástica, de 10,2% para 4%. A pobreza no mesmo período recuou de 24,8% para 21,6%, de acordo com o instituto ligado à Central de Trabalhadores da Argentina (CTA).

Para Berta, é a diferença entre conseguir sustentar o básico dos gastos da filha Esmeralda e depender completamente dos pais. ”Não posso falar que seja muito. É para as coisas da escola, os alimentos, uma roupa”, constata.

Como no Brasil, o ”Bolsa Família” argentino despertou acusações por parte da oposição. Compra de votos, acusava-se quando começou o programa. O fato é que os efeitos do AUH foram parecidos aos detectados ao fim de oito anos do governo Lula. Como se gosta de dizer, a roda da economia girou. Mais gente comprando fez aumentar as vendas de produtos de primeira necessidade, provocando crescimento econômico, que resulta em acumulação de renda e novos investimentos, o que possibilita mais gastos, e assim a vida segue.

A oposição, ao ver o crescimento da popularidade do atual governo, teve de recuar. Recuou tanto que ficou sem conseguir apresentar-se como alternativa, um dos fatores que ajudam a que se encaminhe uma reeleição tranquila de Cristina Kirchner, com possibilidade de que se imponha a maior vitória da redemocratização argentina no próximo domingo (23). “A oposição não encontrou o caminho. Equivocou-se”, aponta o analista político Roberto Bacman. “Enfrenta um governo exitoso economicamente, de pessoas que se colocam em posição conservadora quando isso ocorre, porque têm medo de perder sua tranquilidade. Em um país com tantas crises cíclicas, viver bons momentos é um bem muito apreciado.”

O bom momento de alguns é um estorvo para outros. “Voto em qualquer um no domingo. Em Cristina não voto. Não a suporto. Tenho vontade de matá-la”, zanga-se um taxista de jeitão tipicamente argentino, movida de mãos a la italiana, voz alta, garganta rouca. “Ela ajuda esses vagabundos”, diz, apontando a um rapaz que limpa os vidros dos carros parados no semáforo. Segue na toada até meia dúzia de quadras depois, quando cobra 90 pesos em uma corrida que valeria 30, 40 como muito. Não é difícil entender quem gosta de dinheiro fácil neste país.

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