Argentina: economia nos trilhos é um dos pilares da vitória de Cristina

Bom momento da economia pesou a favor de Cristina (Foto: ©Pablo Busti/RBA) Buenos Aires – Se a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, impuser neste domingo (23) uma das mais sólidas […]

Bom momento da economia pesou a favor de Cristina (Foto: ©Pablo Busti/RBA)

Buenos Aires – Se a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, impuser neste domingo (23) uma das mais sólidas vitórias da democracia nacional em eleições, muito deverá à sua equipe econômica. Não só pela popularidade do ministro da Economia e vice em sua chapa, Amado Boudou, um fator de aproximação com os jovens, mas pelo trabalho desenvolvido no setor.

Apesar das desconfianças em relação à inflação, o crescimento econômico e o aumento dos salários são duas das chaves da recuperação da popularidade de Cristina. Assim, a eleição da Argentina de 2011 repete muitos dos aspectos que marcaram o pleito brasileiro de 2010. Pode-se dizer que a sensação da população local em relação à solidez da economia se assemelha à euforia que se viu no Brasil na reta final do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O fato de o Produto Interno Bruto (PIB) continuar crescendo enquanto Estados Unidos e Europa se veem em frangalhos foi um fator que catalisou a recuperação de popularidade da presidenta, que foi ao chão em 2009 e, desde então, iniciou uma trajetória crescente pela combinação de políticas econômicas e sociais. O desemprego está em 7,3%, ante 16,3% em 2003, antes do início do kirchnerismo.

Felisa Miceli, ministra da Economia entre 2005 e 2007, não vê mudanças nas linhas gerais tomadas desde o governo de Néstor Kirchner, em 2003. Desendividamento, acumulação de reservas para aguentar crises e superávit fiscal para não ter de contrair dívida são os pontos que destaca, em contraposição à Argentina dos anos 1990, auge do modelo neoliberal implementado com força total nos dois mandatos de Carlos Menem (1989-1999) e no curto mandato de Fernando de La Rúa (1999-2001). “As economias dos governos anteriores renegavam o papel do Estado em ser subsidiário do mercado. Néstor Kirchner muda fundamentalmente essa visão e manifesta que o Estado deve ter um papel na economia. Para regular, para reestatizar, criar empresas e retomar a prestação de serviços básicos.”

No governo de Cristina ficou mais claro o casamento entre políticas sociais e econômicas. A reestatização do sistema de aposentadorias e os programas de complemento de renda são vistos como fatores fundamentais para ajudar a girar o mercado interno, criando um círculo que aumenta a criação de empregos e o consumo.

Quando assumiu o mandato, em 2003, Néstor Kirchner recebeu uma dívida externa que alcançava 128,6% do PIB nacional, ou seja, a capacidade argentina de honrar suas contas assumidas externamente era baixa. O caminho foi renegociar os débitos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Quando assumiu o ministério, Felisa tinha apenas de quitar os últimos débitos. “O Fundo estava contra quase tudo que fazia o governo. Desde aumentar os salários até melhorar a cobertura dos aposentados. Ao pagar a dívida com o Fundo se ganha muito mais liberdade para promover a economia local”.

De todo modo, a desconfiança com a seriedade do sistema político e econômico argentino era enorme, o que até hoje afugenta investidores, e só neste momento se recomeçam as injeções de longo prazo. “Eu chegava às reuniões internacionais, a Argentina era o demônio, o pior de tudo”, comenta.

Embora já não seja o demônio de outros tempos, a Argentina tem um longo caminho a percorrer. Uma das questões centrais no quadro interno é desfazer as más impressões que pesam sobre o Instituto Nacional de Estatísticas (Indec). O Índice de Preços ao Consumidor, principal referência em termos de inflação, aponta níveis mais baixos que os detectados por consultorias privadas e, principalmente, pela população.

Será preciso também afastar os temores de que a crise internacional acabe, cedo ou tarde, desembarcando no país. “A Argentina, ainda que esteja muito bem protegida, quando há uma crise assim sempre há impacto”, adverte Felisa ao lembrar que mais de 50% do PIB mundial (EUA, Europa e Japão) está em recessão ou estagnado. Parte da imprensa especula que um pacote de medidas será anunciado após o triunfo de domingo. Gente próxima à presidenta, ciente de que ela não gosta deste tipo de pacote, que faz lembrar a época de neoliberalismo, garante que os anúncios serão a conta-gotas.