Medellín: entre a recuperação e o risco de retorno ao passado

Cidade luta contra aumento do número de homicídios ao mesmo tempo em que mostra ao mundo a imagem de um lugar tranquilo

O Parque Biblioteca Espanha, no alto de Santo Domingo, é um dos projetos da prefeitura para retomar espaços da cidade (Foto: João Peres)

A escultura de Fernando Botero no Parque San Antonio está ali para que ninguém se deixe esquecer: a violência faz parte da história de Medellín. Doada pelo artista em 1989, El Pájaro (O pássaro, em português) teve seu interior usado na década de 90 para realizar um atentado que deixou 28 mortos na segunda maior cidade colombiana. Em protesto, Botero criou outra escultura idêntica, metálica, de mais de dois metros, que hoje está ali, ao lado da danificada pela explosão.

Em qualquer parte que se ande, a tentativa é de mostrar que a cidade está transformada e que os tempos de narcotráfico são passado. Faz parte do orgulho do povo paisa, de Antioquia, mostrar que tudo vai bem e que o local é perfeitamente seguro. Sem dúvida, andar por essas ruas, na maior parte do tempo, não guarda uma ínfima parte do risco que se poderia esperar do município que em 1991 ostentava 381 mortes a cada 100 mil habitantes.

A trajetória começou a mudar, primeiramente, em 2003, com a desmobilização de paramilitares. E logo em seguida, com a eleição de Sérgio Fajardo, matemático colombiano sem histórico de carreira política e que hoje sonha com a presidência. Evitando definir-se de direita ou de esquerda, a administração da cidade entre 2004 e 2007 – e eleita para novo mandato sob comando de Alonso Salazar Jaramillo para 2008-2011 – investe fortemente em cultura e em educação (sempre 30% do orçamento, contra 21% de São Paulo, por exemplo), realizando obras em regiões carentes da cidade e eventos de lazer.

Uma das áreas que recebem as obras é Santo Domingo, uma das comunas (favelas) da cidade. À medida que o Metrocable, mistura de bondinho, teleférico e transporte público, sobe o morro, vai ficando claro que falta a Medellín um longo caminho a percorrer. Olhando para baixo ou para a frente, dá-se conta do número de construções precárias existentes nos morros da desafiante geografia da capital antioquenha. “A cidade tem cor de tijolo”, define de maneira precisa um jornalista que faz a subida.

De longe, é possível ver um dos projetos-piloto da administração municipal na luta contra a violência: o Parque Biblioteca Espanha. Há outros quatro iguais a este, com áreas para oficinas, exposições, acesso à internet sem custo e realização de eventos para a comunidade – além de livros, obviamente. Mais cinco estão em projeto e outros três devem ser inaugurados no biênio 2010-2011.

Nas palavras de Adriana Gonzáles, diretora do Medellín Convention Bureau, instituição privada que trabalha em parceria com a prefeitura para melhorar a imagem da capital antioquenha, a recuperação consiste em “fazer com que os cidadãos retomem para si os espaços da cidade”.

Retomar os espaços quer dizer investir em cultura. Todo ano, em agosto, a cidade abriga a Feira das Flores, evento mais importante do calendário paisa e que tem várias atrações todos os dias, estimulando a população a ficar nas ruas. Mas o horário dos acontecimentos, até meia-noite, indica a cautela com a qual o problema é tratado. Houve anos em que 70 mortes eram registradas durante os dez dias de feira.

De fato, discursos otimistas não conseguem ocultar os fatos. Neste ano, Medellín já tem em torno de 1.100 homicídios, mais que os 1.044 do ano passado – em 2007 haviam sido 771. O temor é retornar aos níveis de 2003, de 184 para cada 100 mil habitantes, ou 2.012 ao longo do ano.

A crise financeira internacional não é suficiente para explicar o aumento da taxa. A elevação das mortes evidencia que há disputa pelo controle de bocas de tráfico e que vários paramilitares tidos como reinseridos na sociedade voltaram às armas, como admite Jorge Humberto Melguizo Posada, secretário de Desenvolvimento Social.

Ele aponta que certos territórios ficaram sem comando devido à prisão de chefes, e agora os “de segundo e terceiro níveis estão se enfrentando para dominar o mercado do vício. Há um ressurgimento deste conflito entre grupos”.

William Ortiz Jimenez, professor da Escola de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia (Unal), critica que “nos bairros populares, outra vez há um imaginário de que não se pode passar a certas áreas porque há um enfrentamento direto. Há todo um controle da cidade pelas quadrilhas” (leia aqui a entrevista completa).

Jorge Humberto Melguizo Posada acrescenta aos problemas a falta de uma política nacional para a segurança em meios urbanos, preocupando-se mais com as zonas rurais, e o desenvolvimento do narcotráfico, hoje maior que há 15 anos, como mostram as estatísticas de venda de cocaína. “Medellín é uma cidade ainda vulnerável porque estamos no meio de um conflito colombiano, no meio das máfias de droga. Os avanços que fizemos em termos de segurança e de homicídio devem ser zelados a cada dia”, afirma.

A dúvida entre dinheiro fácil e perda de tranquilidade, como em outras partes, gera uma balança que tem pendido para o lado financeiro, levando jovens a ingressarem para o narcotráfico. Estima-se que existam 150 combos (quadrilhas) operando na cidade.

Esta semana, o prefeito Alonso Salazar admitiu que Medellín vive momentos difíceis. “Não podemos permitir que se prejudique a cidade. Daqui em diante, não vamos nos deixar dobrar por essa tendência negativa que recordam épocas que não vale nem a pena mencionar”, disse. Ao mesmo tempo, foram anunciados novos planos para o setor de segurança e a chegada de 1.150 homens da Polícia Nacional que se somam aos da Polícia Metropolitana.

Para William Ortiz Jimenez, esse fator só se resolve quando empresários e comerciantes deixarem de estigmatizar os moradores de favelas, que hoje são descartados na busca por empregos.