Moradores criticam retirada de famílias no Jardim Romano

A construção de um dique e de um parque, numa ação conjunta entre prefeitura e estado, vai obrigar cerca de 600 famílias a deixarem suas casas

Sob risco de perder sua casa, Damiana mostra documentação de compra de terreno no Jardim Romano (Foto: Suzana Vier/RBA)

São Paulo – Passada a inundação que deixou o Jardim Romano, na zona leste da capital paulista, com as ruas debaixo d´água durante todo o verão, os moradores do bairro deparam-se agora com um novo problema. Cerca de 600 famílias poderão ser obrigadas a deixar o local para a construção de um dique e implantação do parque linear Várzeas do Tietê.

Pressão psicológica, falta de informação e demolições sem autorização encabeçam a lista de problemas dos moradores ouvidos pela Rede Brasil Atual no final de maio. “O que estamos sofrendo agora é a pressão psicológica pro povo sair”, indica a moradora Márcia Carvalho. “Querem que as pessoas saiam por valores irrisórios”, reclama.

Dona Damiana, de 79 anos, segura firme os 75 comprovantes de pagamento de seu terreno no Jardim Romano, devidamente autenticados pelo banco onde saldou seus débitos a duras penas.

A aposentada pagou meio salário mínimo por mês, durante seis anos, quando era trabalhadora doméstica, para ter o que ela chama de “a única riqueza que eu tenho”. A família da aposentada está entre as centenas que deverão deixar a área.

Para viabilizar a implantação do parque, uma empresa terceirizada especializada em gerenciamento social, a Diagonal Urbana, foi contratada para negociar a retirada das famílias. Mas, segundo os moradores, os profissionais estariam despreparados para lidar com pessoas que já sofreram por meses com casas e ruas inundadas e que agora sofrem com a pressão que a empresa faz para que deixem suas casas.

Damiana conta que foi asseadiada diversas vezes. “Tá todo mundo horrorizado. Eles oferecem R$ 7 mil. Não pode! Não paga nem sequer o material”, diz.

Comprovantes de pagamento

Ela descreve a pressão que ela e as famílias próximas à rua Capachós, conhecida por ficar vários meses inundada por esgoto e lama, sofrem. “Eles dizem pra gente: ‘se você não quiser fazer o cadastro, outro vai fazer no número da sua casa'”, denuncia.

Cansada da pressão,  ela ironiza: “Faz o cadastro para esses cachorros que estão sem teto”, diz, apontando para os cães de rua que ela cuida.

Em nota, a Diagonal pondera que acusações de pressão psicológica podem significar “um alerta que ele [morador] rejeita ouvir”. A empresa cita também que sua equipe trabalha há 15 anos nas urbanizações de favelas da capital paulista.

Piada

O morador conhecido como seu Irã, conta a perplexidade que sentiu ao ouvir a proposta que recebeu para deixar o Jardim Romano. “Ofereceram 6 mil (reais) pela minha casa. Se fosse para eu vender hoje, seria de 45 a 50 mil”, avalia o morador.  “Achei que fosse piada”. Parecia brincadeira, mas era verdade, constatou.

A casa de Márcia também está no caminho do dique que a prefeitura e o governo do estado de São Paulo iniciaram no mês de abril. A obra. estimada em R$ 60 milhões, vai servir para evitar novas enchentes no Jardim Romano, mas vai levar à retirada de centenas de famílias.

Os moradores falam em 600 famílias. O jornal O Estado de S. Paulo divulgou 800 famílias. Em nota, a prefeitura da capital paulista informa que o número exato de famílias ainda não está definido.

Irismar, dona de um sobrado bem construído, tem esperança. “Nós estamos lutando”, disse. “Eu gosto de morar aqui e minha família está toda em volta”, afirma. Dona Neide também aposta que vai salvar sua casa: “tenho fé em Deus que não vamos sair”.

Casa errada

Antigas moradias

A pressão pela saída das famílias e demolições de residências sem controle, citadas pelos moradores, não raro terminam em briga. “Vinham para derrubar um prédio e queriam derrubar pedaço da casa de outro”, explica Márcia. “Quando isso aconteceu, teve morador que pegou pedra e tacou no caminhão da prefeitura. O povo ficou revoltado e começou a reagir. Eles os operadores das máquinas) ficaram com medo”, acredita.

A retirada de diversas famílias já gerou um rastro de demolições no bairro e receios com o meio ambiente. “Cadê a preocupação ambiental”, indaga Márcia. “Os escombros ficam jogados e acabam caindo no rio”, detalha.

Inferno

Segundo os moradores, até a enchente de 2009 o bairro não havia sido atingido por cheias. “Era um lugar agradável, gostoso, bom de se viver”, destaca Márcia. “Agora, parece um inferno. É casa sendo demolida por todo lado e caminhão passando o dia todo”, acentua.

Além da pressão psicológica, os moradores sofrem com informações desencontradas. Márcia observa que em 2009 procurou a secretaria de Habitação e foi informada que poderia construir normalmente no bairro. “Eles nos deram toda força para construir o que temos e agora querem nos tirar daqui”, critica.

O perímetro do parque também é dúvida dos moradores. “Minha casa está distante do rio e querem tirá-la. Não faz sentido”, diz.

Mobilização

Para evitar a perda das moradias, as famílias trocam informações o tempo todo. A estratégia das lideranças do local é percorrer as ruas com megafone, convocando os moradores para reuniões e ações conjuntas. Uma delas foi espalhar faixas pelo bairro. “Jardim Romano: não estamos em área de risco e não vamos sair. São 25 anos de moradia” e assinam “600 famílias“.

mobilizacao Romano

“Se eles queriam a área, a primeira coisa a fazer era construir para colocar o povo, depois pensar em tirar”, opina Márcia. “Se eles tivessem conversado com a população, feito de forma organizada, tudo teria acontecido sido diferente”, reflete.

Ao contrário, Márcia descreve que os moradores transferidos pela prefeitura e pelo estado vivem em condições precárias nos poucos prédios destinados à população desabrigada pelas enchentes. “O pessoal está passando necessidade, fome. Perderam emprego, perderam tudo”, descreve.

Para o Jardim Romano ela vislumbra um futuro de mais dificuldades. “Eles [moradores] têm fé que a gente vai ficar. Mas muita gente vai adoecer. Tudo que eles têm colocaram aqui”, alerta Márcia.