Especialista culpa especulação imobiliária por enchentes

Populações de bairros alagados levam a culpa, mas empresas e a administração pública também constroem em áreas de várzea, afirma especialista

Rua Capachós: há mais de 60 dias debaixo d´água (Foto: Suzana Vier/RBA)

São Paulo – O especialista em drenagem urbana, Carlos de Jesus Campos, lembra-se bem das faixas espalhadas por pontes da marginal Tietê, que após as obras de rebaixamento da calha do rio em 2006 prometiam: “Enchente nunca mais”. Mas pelo menos desde dezembro e incluindo o primeiro mês de 2010, foram vários pontos de alagamentos em dias e horários diferentes. “Diziam que a probabilidade de enchentes no (rio) Tietê era de uma vez a cada 100 anos”, dispara em entrevista à Rede Brasil Atual.

Campos foi um dos idealizadores de piscinões em São Paulo, quando trabalhou na gestão Luíza Erundina (1989-1992). O tecnólogo especializado em questões hidráulicas e de drenagem foi o responsável por produzir um laudo a pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo sobre os motivos de a inundação de distritos do Jardim Helena (como Jardim Pantanal e Jardim Romano) perdurar desde o dia 8 de dezembro.

Segundo o pesquisador, as enchentes em São Paulo são resultado de escolhas do poder público. A equação composta por obras demais e cuidados de menos com os rios não dão resultado. “A questão das enchentes não se resolve só com obras, como os governos dizem”, alfineta. “Todos esses problemas se devem à especulação do solo urbano, que atropela leis e despreza o meio ambiente.”

De acordo com a lei nº 7803 de 1989, rios como o Tietê exigem pelo menos 50 metros de margens preservadas de cada lado. “Mas a especulação imobiliária ditou o uso e ocupação do solo urbano”, analisa. Prova disso, seria o sistema viário construído em áreas de várzea, como as marginais Tietê e Pinheiros, as avenidas do Estado e Aricanduva e a rodovia Ayrton Senna. Além de grandes construções como o aeroporto de Cumbica, o campo de treinamento do Corinthians e do Palmeiras na região de Guarulhos, enumera Campos.

“Todos os nossos rios são maltratados. As bacias (hidrográficas) estão doentes”, acentua Carlos de Jesus Campos, especialista em drenagem urbana.

Para o estudioso, as chuvas demonstram que a realização de obras sem uma política de preservação do solo “é um sistema falido”. “A ampliação da marginal é jogar carros em área de cheia, ou seja, jogar mais pessoas nas enchentes”, ensina.  Não é o caso de desprezar as obras, mas ele sugere que o poder público “primeiro, tenha uma política de gestão das bacias hidrográficas e cuidados básicos como contenção do desmatamento, preservação das várzeas e redução da impermeabilização”. 

“Todos os nossos rios são maltratados. As bacias (hidrográficas) estão doentes”, acentua. Apesar do investimento de R$ 1,7 bilhão no rebaixamento da calha do rio Tietê, outras ações importantes para o rio deixaram de ser realizadas, como preservação das margens, ações de combate ao assoreamento, entre outras.

Mitos

Improviso

Segundo Campos, o lixo não provoca enchentes, mas alagamentos localizados. “O que causa grandes enchentes é o desrespeito às várzeas e a erosão”. Como ilustração, ele cita análise que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) fez do material retirado do rio Tietê durante as obras de rebaixamento da calha. “Segundo o estudo, 96% do sedimentos eram fruto de erosão; 2% pneus e o resto lixo”, descreve. “Atribuir o problema ao lixo é jogar a culpa nas costas da população.”

O especialista também critica as administrações municipal e estadual que culpam os moradores do Jardim Romano e Pantanal – algumas das áreas alagadas há mais de dois meses na zona leste de São Paulo – pelas enchentes. “A população pobre não tinha poder econômico para construir acima do nível de cheia e por isso virou notícia e foi apontada como culpada”, descreve. “Empresas privadas  e o sistema viário também foram erguidos na várzea”, lembra.

Para o estudioso, a construção do Parque Várzeas do Tietê também não é a melhor solução para a região. “Até para construir o parque vai ser necessário ocupar mais ainda a várzea, porque vai ser construída uma estrada-parque”, salienta. “Não entendo como construir uma via-parque sem fazer aterro. Vai provocar mais enchentes”.

Sem explicação

O laudo de Campos sobre a rua Capachós, elaborado a pedido da Defensoria Pública, indica que não há motivo para o local no Jardim Romano continuar alagado. “Não há qualquer justificativa para que a referida rua continue sofrendo alagamentos”, indica o relatório técnico.

“Empresas privadas  e o sistema viário também foram erguidos na várzea”, lembra especialista.

Para resolver o problema, sugere isolar a rua do contato com o rio, fechando as galerias subterrâneas e bombear as águas paradas.

“O que não se concebe é que uma rua fique com águas empoçadas, expondo os moradores a riscos de graves doenças… e também expostos ao constrangimento perante todo o país, através até de protestos públicos seguidos de prisões, conforme relato da imprensa. Isso faz reduzir a autoestima e também o valor de seus imóveis, inclusive o conjunto da CDHU ali construído”, detalha o laudo, encaminhado à Defensoria Pública no início de janeiro de 2010.