Maria da Penha completa seis anos com superação de resistência do Judiciário

Coordenadora de combate à violência da Secretaria de Políticas para as Mulheres afirma que nova medida, com punição financeira de agressor, vai ajudar a esclarecer população sobre crime

São Paulo – A Lei Maria da Penha completa seis anos no próximo dia 7 de agosto promovendo uma transformação na mentalidade do Judiciário e uma mudança na maneira como a sociedade enxerga o problema da violência contra a mulher. Se no começo eram comuns as sentenças judiciais que recusavam o cumprimento da legislação, hoje não resta dúvidas de que o país considera que se trata de um crime, e não de uma questão doméstica.

“A gente teve uma mudança na forma de encarar a violência contra a mulher, que agora é entendida como um crime, de responsabilidade do Estado, e não como uma questão intra-familiar. Essa mudança cultural foi promovida e hoje temos pesquisas que comprovam que a população sabe que a violência contra a mulher é crime, conhece a Lei Maria da Penha, apoia a iniciativa. Isso é uma mudança muito significativa”, diz a coordenadora Geral de Acesso à Justiça e Combate à Violência da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Ana Teresa Iamarino, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Na próxima terça-feira (7), o governo federal promove um encontro em Brasília para discutir as novas frentes que se abrem para avançar no combate ao crime de violência contra a mulher. Na última semana, porém, a ministra Eleonora Menicucci deu início às ações neste campo com a assinatura de um convênio com o Ministério da Previdência Social e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

A partir de agora, o INSS vai acionar judicialmente o agressor para que arque com os custos previdenciários decorrentes de afastamento do trabalho ou de pensão por morte. “Além de ser mais uma forma de punição, pois o agressor é processado criminalmente, isso pode criar uma possibilidade de a mulher entrar com uma ação de indenização”, afirma Ana Teresa.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Como vai funcionar a parceria com a Previdência no sentido de orientação para prevenção da violência contra a mulher?

Em relação às ações preventivas nós elaboramos uma cartilha que vai ser distribuída nos postos do INSS para as beneficiárias, que traz questões referentes à Lei Maria da Penha. Orientando como que a pessoa deve agir em uma situação em que ela seja vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher. Tem diversas perguntas e respostas para ajudar as mulheres a, primeiro, entender o que é a violência contra mulher, porque muitas vezes, pelo fato de a violência ser naturalizada, muitas mulheres não sabem que estão vivenciando uma situação já prevista como um crime. E que ela tem toda uma rede de serviços especializados para ajudá-la a sair dessa situação. A cartilha passa por esse momento de sensibilização, de entender o que é a violência contra a mulher, e depois o que fazer numa situação de concretização dessa violência. 

Você acredita que a questão do ressarcimento tem um caráter preventivo, ou seria muito mais de reparação?

De reparação. Inclusive, essa questão foi bastante ressaltada pela ministra Eleonora Menicucci por um caráter educativo. O que acontece: o INSS vai ajuizar ações regressivas contra os agressores, da violência doméstica e familiar contra a mulher, para receber de volta os valores gastos com o pagamento dos benefícios às mulheres que deixaram de trabalhar, por estarem impossibilitadas devido à violência. Não se trata de uma indenização à mulher, mas sim de uma indenização ao Estado por ter gasto aquele valor, sendo que quem deu causa é um agressor específico. Ele é quem tem de se responsabilizar por isso. Nesse sentido, além de ser mais uma forma de punição, pois o agressor é processado criminalmente, isso pode criar uma possibilidade de a mulher entrar com uma ação de indenização. E agora, além dessa indenização para a mulher, que também é cabível, o agressor tem de devolver aos cofres públicos o que o Estado gasta com essa agressão. Nesse sentido também é pedagógico, pois ensina que ele, além de estar cometendo um crime, ele tem de pagar financeiramente essa agressão.

A situação que deu origem à ideia em relação à violência contra a mulher foi a de acidentes de trânsito. Quando uma pessoa recebe um benefício do INSS em decorrência de um acidente de trânsito, a pessoa que causou o acidente tem de devolver esse valor. Ou seja, a pessoa tem de saber que ela não pode dirigir de forma arriscada por vários motivos, inclusive esse. Então esta é a analogia com a violência contra a mulher. 

Você acredita que no Judiciário pode haver resistência sobre essa parceria?

Não, não. Eu acredito que essa iniciativa esteja bastante respaldada na legislação e que não vai haver resistência legal ou jurídica em relação a isso. O INSS está fazendo uma busca por todos os benefícios que têm essa origem, de violência contra a mulher. E a primeira ação a ser ajuizada será no próprio dia 7, quando se comemora seis anos da Lei Maria da Penha. 

A essa altura, qual a grande dificuldade que se encontra para fazer avançar a aplicação da lei e como você avalia estes seis anos?

Nós avaliamos de forma muito positiva os seis anos da Lei Maria da Penha. A gente teve uma mudança na forma de encarar a violência contra a mulher, que agora é entendida como um crime, de responsabilidade do Estado, e não como uma questão intra-familiar. Essa mudança cultural foi promovida e hoje temos pesquisas que comprovam que a população sabe que a violência contra a mulher é crime, conhece a Lei Maria da Penha, apoia a iniciativa. Isso é uma mudança muito significativa. E, a partir da lei, nós tivemos condições de organizar a rede de serviços especializados de atendimento à mulher. Que se compõe de centros especializados de assistência social, centros especializados de atendimento à mulher, que dão todo o suporte psicossocial, serviços de abrigamento, para aquelas mulheres estão em risco iminente de morte, que não podem retornar para suas casas. Temos também a criação e qualificação das delegacias especializadas de atendimento à mulher, a constituição dos juizados e dos núcleos nas Defensorias Públicas e no Ministério Público. 

Ou seja, temos toda uma organização de política pública voltada ao enfrentamento da violência contra a mulher que avançou muito nesses seis anos. Além disso a gente conseguiu avanços no setor jurídico. Temos diversas sentenças favoráveis à mulher, que ajudam a romper com esse ciclo de violência também. E os agressores passaram a ser punidos de uma forma mais severa. A lei consegue atuar tanto na punição dos agressores quanto na proteção das mulheres. Claro que nós sempre temos novos desafios, que inclusive são originários desse avanço. Quanto mais você trabalha de forma especializada, mais você qualifica, então mais você encontra questões a serem superadas. Esse é, inclusive, o foco do encontro nacional de delegadas especializadas em violência contra as mulheres que será realizado nos dias 7 e 8 de agosto, no marco do aniversário da lei. 

No começo da aplicação da Lei Maria da Penha surgiram alguns argumentos de juízes muito resistentes. Esses casos passaram a ocorrer com menos frequência?

Com certeza. Isso é muito claro nos julgados. Essa resistência maior foi no início, o que gerou questionamentos inclusive nas cortes superiores, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). E, recentemente, a partir da decisão do STF em relação à constitucionalidade da lei e à indicação da forma correta da sua interpretação, sanou por completo essas dúvidas. Isso está completamente superado a partir do pronunciamento do STF. 

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