Ativista vê pouca margem para relator alterar projeto da Comissão da Verdade

Ex-guerrilheiro, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) será o relator. Para vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais no Rio de Janeiro, acordo para a tramitação restringe possibilidades de avanço

Para entidades de direitos humanos, o relatoria do projeto da Comissão da Verdade com Aloysio Nunes (PSDB-SP) será “indiferente”(Foto: Waldemir Barreto / Agência Senado)

 São Paulo – O projeto que cria a Comissão da Verdade terá Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) como relator no Senado. O ex-ministro da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso) e ex-vice-governador paulista (governo Luiz Antônio Fleury Filho) tem histórico de participação na guerrilha e de luta contra a ditadura militar, mas sua indicação não confortou os ânimos de associações ligadas a direitos humanos e a parentes de vítimas da repressão. Críticos das concessões feitas pelo governo federal a demandas de setores conservadores da sociedade, eles enxergam risco de a comissão não ter garantias para investigar torturas, assassinatos e outras violações de direitos humanos por agentes da ditadura.

Para Vitória Grabois, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, que teve seu pai assassinado na Guerrilha do Araguaia, a escolha do tucano é “indiferente”. Para ela, nos moldes em que se encontra o projeto, a relatoria terá pouco poder para mudar o texto. “O relator não vai influenciar em coisa alguma. Apesar de Aloysio Nunes ter sido preso político, ter feito parte da ALN (Ação Libertadora Nacional, grupo de combate à ditadura liderado por Carlos Marighella), a presidenta Dilma também foi, e nem assim mudou os textos do projeto”, lamenta.

A indicação de Nunes partiu do líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE). A ministra da Secretaria de Direito Humanos, Maria do Rosário, já havia dado sinais de que a relatoria poderia ficar com um parlamentar da oposição para dar ao projeto um caráter pluripartidário e evitar resistências de parlamentares do DEM, com o qual o PSDB mantém maior proximidade.

De autoria do Executivo, o projeto passará por três comissões do Senado: Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Diretos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE). Depois, ao ir a plenário, deve se repertir a fórmula adotada na Câmara, com pedido de urgência feito por um dos líderes da base, com apoio do comando de todas as bancadas, para evitar a inclusão de alguma emenda. Caso isso ocorra, a matéria teria de voltar a ser discutida pelos deputados.

A comissão, composta por sete membros indicados pela presidente da República, terá dois anos para investigar violações de direitos humanos promovidas pelo Estado no período de 1946 a 1988. Outros 40 países, como Argentina e África do Sul, por exemplo, já tiveram experiências similares para permitir que a verdadeira história fosse conhecida pela população.

De acordo com o projeto, a comissão poderá requisitar informações a órgãos públicos, convocar testemunhas, promover audiências públicas e solicitar perícias. As atividades serão públicas e os resultados da apuração serão encaminhados à Justiça. Nenhum poder de responsabilização penal ou criminal competirá aos membros do órgão.

Durante a votação na Câmara, por acordo entre os deputados do DEM, incluiu-se no projeto a condição de barrar a escolha de pessoas que exerçam cargos executivos em partidos políticos para integrar a comissão, com exceção de postos de natureza honorária. Tampouco poderão ser indicadas pessoas que não tenham condições de atuar com imparcialidade e os que exerçam de cargo em comissão ou função de confiança em qualquer esfera do poder público.

Entre esperança e receio

A Comissão de Verdade é parte integrante do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O objetivo inicial era investigar crimes e violações de direitos humanos praticados durante a ditadura, para que o Estado reconheça sua responsabilidade e torne públicos os fatos. Isso permitiria que população conhecesse a real história de seu país, a exemplo do que já ocorreu com vizinhos sul-americanos que passaram por períodos autoritários, como Argentina, Uruguai e Chile.

O iniciativa é vista por defensores de direitos humanos como ponto de partida para que agentes da ditadura que praticaram delitos de lesa-humanidade possam ser criminalmente punidos. Diante da resistência de setores conservadores da sociedade, inclusive militares, o governo federal fez concessões e eliminou do projeto que cria a Comissão de Verdade qualquer possibilidade de se apontarem responsabilidades criminais.

Além disso, ampliou o período de investigação – de 1964-1985 para 1946-1988 – o que pode, segundo familiares de presos e desaparecidos durante a ditadura, prejudicar o foco sobre o período mais duro, dar margem para dispersar as investigações e tornar o esforço improdutivo.

Sete membros terão dois anos para apurar e analisar crimes cometidos por agentes do Estado no período determinado. Os integrantes serão indicados pela Presidência da República, sem necessidade de consulta nem restrições. Assim, em tese, até militares podem ser incorporados, embora haja indicações de que isso não vá ocorrer – envolvidos com o regime autoritário ou com tortura estão descartados, segundo declarações de representates do Executivo. A falta de garantias ao funcionamento da Comissão previstas no texto votado pelo Congresso também é motivo de apreensão.

Mesmo assim, a Comissão de Verdade tem apoio do governo federal, de ex-ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos e setores dos movimentos sociais. A possibilidade de investigar processos do período é vista como uma forma de criar fatos novos para levar de volta ao Judiciário a discussão sobre a punição de crimes anteriores a 1979, quando a Lei da Anistia foi aprovada. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a Lei da Anistia impede a continuidade de ações judiciais contra torturadores.

Em dezembro do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – da Organização dos Estados Americanos (OEA) – condenou o Estado brasileiro por não investigar crimes cometidos por agentes da repressão no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Apesar da decisão, a Justiça brasileira não manifesta disposição para retomar julgamentos criminais.